Escoteiros do Alecrim: uma Instituição quase centenária¹
Luciano Capistrano
Professor da Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador do Parque da Cidade/Semurb
Em janeiro de 2015, a cidade de Parnamirim, conhecida mundialmente por ter sediado a base área do Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, nos conturbados anos de 1940, foi palco do VI Jamboree Nacional Escoteiro, aproximadamente 5.000 escoteiros de todo Brasil e mais as delegações do Chile, Estados Unidos, Portugal e outras nações, fizeram do antigo "Trampolim da Vitória", no período de uma semana, do lugar da reflexão com o lema: "O Mundo que queremos". Um cenário lindo, com um campo repleto de barracas, onde a alegria e o entusiasmo da juventude foi o tom deste grande encontro fraternal. O nosso Rio Grande do Norte, tem uma estreita ligação com o movimento escoteiro, como verificamos nos anais de nossa memória. Neste 2015, rumo ao centenário do escotismo em solo Potiguar, façamos um percurso sobre os caminhos trilhados pelos seguidores de Baden Powell.
Historiador da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal, atualmente exercendo meu oficio no Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte, sempre me chamou a atenção, uma série de fotografias, do acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, com imagens da Natal de 1922, ano do centenário da Independência do Brasil. Celebrado em diversas capitais brasileiras, a cidade de Câmara Cascudo, também foi palco das comemorações alusivas ao 07 de setembro de 1822, inaugurações de monumentos, prédios públicos, desfiles cívicos, uma grande festa mobilizou toda a cidade.
A Praça 7 de setembro, o Prédio da Intendência Municipal, atual prefeitura, um grande acampamento de escoteiros de todo o estado na Praça da República, atual Catedral, na avenida Deodoro, enfim, o 07 de setembro de 1922, foi marcado por um grande evento, como demonstram as fotos publicadas acima. Um acervo que merece ser mais pesquisado, pois, dizem muito da construção de nossa história.
Em minhas andanças, por entre livros, sebos e afins, encontrei, com um amigo das bandas do Seridó, os "Estatutos – Regulamento Interno da Associação Brasileira de Escoteiros do Rio Grande do Norte, impresso no jornal A Republica, no ano de 1917, há 98 anos. Uma publicação de poucas páginas, na verdade um manual com regras/normas referentes ao ser escoteiro e a finalidade da Associação. Como diz o seu primeiro artigo:
"Art. 1º - Com a denominação de Associação Brasileira de Escoteiros do Rio Grande do Norte fica fundada, na capital do Estado uma agremiação que terá como objeto promover e encorajar a criação de agrupamentos de Escoteiros – BOY SCOUTS - com o intuito de desenvolver entre os moços, de 11 a 20 anos de idade, a destreza e o vigor físico, o espirito de iniciativa, a decisão pronta, a coragem prudente e proveitosa, o civismo, o sentimento de solidariedade, de previdência, de responsabilidade moral e de honra, no interesse próprio e a bem da Pátria."
A relação dos sócios fundadores, tem nomes importantes do cenário da Natal do início do século XX, como por exemplo, Manoel Dantas, Henrique Castriciano, Francisco Cascudo, Januario Cicco, Soares de Araujo, entre outros. Fundadores de um movimento, importante para a formação de grande parte da juventude de Natal. Em diversos momentos os Escoteiros participaram ativamente, ajudando os desabrigados da seca, os enfermos, acometidos da gripe espanhola, enfim em diversas ocasiões o movimento criado por Banden Powell, se fez presente quando a cidade de Natal precisou mobiliza-se. Tempos difíceis, a cidade do início do século XX, foi cenário de retirantes, fugindo da seca buscaram abrigo na capital Potiguar, a solidariedade foi fundamental para aliviar as dores dos viventes da urbe acometidos pelas temperes do tempo e da gripe. Essencial a ação dos escoteiros.
Vida em equipe, aprender fazendo, desenvolvimento pessoal, são alguns dos componentes do método escoteiro, a quase 100 anos, Natal viu nascer um movimento dedicado a formação humana, solidaria e cidadã, um movimento dedicado ao bem fazer, como diz os "lobinhos", melhor possível.
Em suas Reminiscências Otavio Pinto, recorda o escotismo em seus primeiros anos: "[ ... ] a sede era na residência do comandante Monteiro Chaves, onde [ficava] [ ... ]o cinema Rio Grande {hoje uma igreja evangélica],e que tinha um quintal muito grande com fruteiras. Toda semana se fazia um acampamento nas Quintas, com barracas armadas, exercícios, jogos esportivos, etc". (PINTO, p. 50-51, 1979)
Henrique Castriciano, em suas crônicas já demostrava preocupação com a formação da juventude potiguar, com o aspecto físico, assim, o escotismo vem associar a este ideal de jovens participantes e praticantes do exercício físico, cuidar do corpo e da mente se faz necessário. O escotismo, surge de certa forma, para preencher essa lacuna na formação dos jovens natalenses/potiguares.
A Associação Brasileira de Escoteiros do Rio Grande do Norte não resiste ao tempo, mas o escotismo em solo potiguar continua e se consolida sob as mãos e o sempre alerta do professor Luiz Soares, como bem nos informa Otavio Pinto: " [ ... ] "Lá no bairro do Alecrim, onde era diretor do Grupo Escolar [ atual Escola Estadual Padre Miguelinho, onde até hoje funciona ‘os escoteiros do Alecrim’, grupo de Escoteiros Professor Luiz Soares ], [ Luiz Soares] fundou ... organização de escoteiros que teve vida brilhante em prol do civismo e da educação moral dos jovens". (PINTO, p. 52, 1979)
O professor Luiz Soares, foi o grande nome do escotismo, homem do bem, personagem a ser lembrado e apresentado as novas gerações, para que através do seu exemplo possamos seguir o caminho da fraternidade, do bem servir, como diz os ensinamentos de Banden Powell.
O atual 12º/RN Grupo Escoteiro Luiz Soares, em seus 98 anos de existência, continua contribuindo para a construção de um mundo melhor possível. Pioneiro, manteve por muito tempo cursos profissionalizantes, criou as condições necessárias para construção de um hospital no Alecrim, nasceu de suas ações e da ousadia do professor Luiz Soares a Policlínica do Alecrim, hoje hospital de referência na cidade.
Movimento de muitas vertentes, de muitos ramos, o escotismo Potiguar, também realizou grandes feitos, desbravando regiões inóspitas, como exemplo maior, citamos os Escoteiros Andantes. José Alves Pessoa, Humberto Lustosa da Câmara, Agnaldo de Vasconcelos, Henrique Borges e Antonio Gonzaga, jovens escoteiros, no ano 1923 em 14 de janeiro, com o antigo Natal Clube como testemunha, iniciaram o raid pedestre, Natal – São Paulo. Um grande feito, depois de uma longa jornada por dentro do interior do Brasil, chegaram no dia 02 de setembro ao fim desta longa caminhada, sendo recebidos com muitos festejos na cidade de São Paulo.
Longe de ser um artigo conclusivo, o objetivo desta escrita é convidar a olharmos o passado, a história dos escoteiros que em uma simbiose, se transforma na história da urbe, falar da cidade, é falar dos elementos vivos, das ações contribuintes no fazer do cotidiano, para construção do lugar. Assim, pensar a cidade e seus atores, é, também incluir instituições como o Grupo de Escoteiros do Alecrim, uma Instituição quase centenária.
REFERENCIAS
ALBUQUERQUE, José Geraldo (Org). Henrique Castriciano: Seleta, textos e poesias. s/d, volume 2.
ESTATUTOS Regulamento Interno – Associação Brasileira de Escoteiros do Rio Grande do Norte. Natal: A Republica, 1917.
MELLO, Pedro de Alcântara Pessoa de. Natal de ontem: figuras e fatos de minha geração. Natal: Sebo Vermelho, 2006.
MIRANDA, João Mauricio Fernandes de. Natal Foto-gráfico: do passado ao presente. Brasília: Senado Federal, 2013/2014.
PINTO, Otavio. Reminiscências. Rio de Janeiro: edição do autor, 1979.
Antiga fachada da sede dos Escoteiros do Alecrim
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1 Publicado originalmente em 2015, republicado como forma de homenagear os escoteiros em seu centenário.
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