quinta-feira, 27 de abril de 2017

O passado: além de pedra e cal

O passado: além de pedra e cal
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

           Natal, cidade quatrocentona, nascida no contexto da União Ibérica, sobre as ordens de Felipe II. Fundada pelos colonizadores no dia 25 de dezembro de 1599, no alto onde hoje é a praça André de Albuquerque. Nasceu cidade, sem passar pelo estágio de vila, por muito tempo conviveu com o trocadilho: “ cidade do Natal, não-há-tal.Palco do encontro de civilizações: a portuguesa, a holandesa, a francesa e a africana com os índios potiguaras. A cidade, com o testemunho do Potengi, transformou-se a partir da ação deste núcleo formador no, hoje, povo natalense.
Como conhecer então o passado desta cidade?
Podemos iniciar pelo Patrimônio de “pedra e cal”, procurando na nossa arquitetura, sinais da ocupação e evolução deste chão chamado Natal. Encontramos diversos significados, representados em edificações antigas e novas, como o Forte dos Reis Magos e a Ponte de Todos Newton Navarro. Ao olhar nossa história através destes monumentos descobrimos, entre pedra e cal, muito do contexto histórico em que essas edificações foram inseridas.
Mas a história de uma cidade vai além da sua arquitetura, sua alma está em seus becos, vielas e ruas, ou melhor dizendo, seu espírito está em sua gente, seu povo, homens e mulheres, construtores sociais. Como nos ensina o poeta Ferreira Gullar: “...a história está nas esquinas, ruas, quintais, ...” no cotidiano. É então o fazer e agir de homens e mulheres que constrói a urbe, seu traçado tem a digital de seus habitantes. Neste sentido, é fundamental, não olharmos a Cidade do Natal apenas através dos seus monumentos, busquemos o corriqueiro, o pequeno gesto, que faz o cidadão ter o sentido de pertença à humanidade.
Como exemplo lembremos das figuras populares, pessoas com características bem peculiares, trazendo no seu jeito de interagir com o mundo um pouco da sociedade e seus costumes em determinadas épocas. Um destes personagens é Béiete. Conheci Béiete quando em um dos sebos da cidade encontrei o livro de João Amorim Guimarães, Natal do meu tempo, edição organizada pelo professor Humberto Hermenegildo. Béiete, nas palavras de Guimarães, “era um camarada meio amalucado, imbecializado, que vivia a implorar a caridade pública...”. A Natal de 1920, época de Béiete, tinha no seu calendário festivo o dia 3 de maio como dia da Santa Cruz da Bica, festa popular que surgiu a margem da igreja católica e aos poucos transformou-se num dos maiores eventos católicos da natal do inicio século passado.
Pois bem, vejam a astúcia deste personagem, Béiete sabia da existência de um “cofre” na pracinha da Santa Cruz da Bica, onde os fiéis depositavam seus donativos. O “cofre” estava sempre cheio, esperando a hora dos encarregados recolherem as contribuições dos devotos. Béiete como um gênio resolveu jogar baralho com a Santa, pois não suportava mais a vida de pedinte e como cristão tinha de ganhar seu sustento de forma honesta. Nos relata Guimarães, que por muito tempo o “imbecilizado” Béiete ia todos os dias a pracinha da Santa Cruz da Bica e lá chegando logo dizia:
- Bom dia, minha Divina Santa Cruz.
- Bom dia Béiete – Respondia ele com a voz mudada.
- Minha Divina, eu tenho um baralho, vamos jogar uma biscazinha?...
- Vamos Béiete. Eu até gosto de um joguinho.
A Santa, coitada, não ganhava uma partida pelo amor de Deus. Béiete era só alegria, embolsando todo o dinheiro doado a Santa. Quando foi pego em flagrante, saiu com esta perola:
- Ora... se ela era quem me chamava pra jogar. Ela perde porque é caipora...
Pois é olhemos, a história além da pedra e cal.  
Quantos Béietes não fazem parte da história de Natal?
Fonte: GUIMARÃES, João Amorim. Natal do meu tempo: crônica da cidade do Natal. Natal: FIERN-SESI, 1999. ( Organização, introdução e notas: Humberto Hermenegildo de Araújo).




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