domingo, 18 de junho de 2017

Ordenamento urbano: um olhar sobre a cidade

Ordenamento urbano: um olhar sobre a cidade
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte
Pós-graduando em Educação Ambiental/Instituto Kennedy

O olhar sobre a cidade enquanto objeto de pesquisa, apenas na década de 1980, surgem nas universidades brasileiras programas de pós-graduação com essa temática do território urbano. Antes, preocupação apenas dos memorialistas, ou, profissionais técnicos, engenheiros, urbanistas, médicos, e, outros segmentos ligados ao cotidiano das cidades, principalmente no “fazer” tecnológico como ferramenta de organização espacial da urbe.
A cidade é um conjunto complexo de elementos formadores de territorialidade, assim, pensar a ocupação dos espaços e o desenvolvimento urbano tem de ser um processo dialógico, onde diversos campos de saberes trocam sensações, interpretações sobre os fazedores dos lugares.
Pensar a cidade através dos seus ordenamentos, da sua legislação, também é um exercício necessário na compreensão do processo de ocupação do solo urbano, e, ao tempo que se delimita os fazeres referentes ao cotidiano da urbe ao longo do tempo.

RESOLUÇÃO Nº 25
O Conselho da Intendencia do Municipio do Natal.
Resolve:
Art. 1º O transporte de mercadorias em carros ou animaes de carga,
feito nesta Cidade e seus suburbios, fica sujeito ás seguintes prescripções:
a) Os carros e carroças de quatro rodas, tirados por um só animal, não poderão
condusir carga superior a quarenta arrôbas, si tirados por boi, e a vinte arrôbas, si tirados por cavallo ou muar.
b) [...]
c) [...]
d) [...]
e) É absolitamente proibido aos conductores de carga montarem em animaes carregados.
Art. 2º - É vedado o transito de carros e animaes carregados por becos e travessas de largura inferior a quatro metros.
Art. 3º [...]
Art. 4º [...]
A REPUBLICA, Natal, 15 de jan. 1896.

A normatização das atividades de mobilidade urbana faz parte do cenário urbano, a Natal do século XIX, como bem indica a documentação da Intendência Municipal, já era parte da demanda "civilizatória". Viver na cidade requer uma legislação que regule a convivência entre as pessoas.
Neste exemplo, também se ver uma preocupação com a mobilidade, a circulação de veículos de cargas nas ruas de Natal e também  uma atenção aos animais. O artigo 3º dessa Resolução é bem rigoroso quanto ao seu descumprimento, "Nas contravenções os condutores de animaes e vehiculos soffrerão a multa de cinco mil reis ou treze dias de prisão".
A cidade não é um palco das neutralidades, a legislação urbana, é erguida a depender dos interesses dos diversos segmentos sociais que a compõe, assim se faz necessário a existência dos fóruns de participação na feitura do arcabouço normativo sobre os diversos aspectos da cidade. Se não for dessa forma, prevalecerá os interesses dos grupos sociais partícipes do Poder.
A Constituição de 1988, denominou o Brasil em um "Estado Democrático de Direito", a Constituição Cidadã, criou diversos mecanismos de participação social, os chamados "Conselhos de Direitos", os "Orçamentos Participativos", os "Planos Diretores", são alguns exemplos destas instâncias criadas para serem os fóruns adequados ao debate referente às demandas sociais. O grande desafio é fazer destes lugares  centros plurais, onde prevaleça a participação democrática dos segmentos sociais.
As questões relacionadas a ocupação do solo urbano e seu ordenamento sempre permearam a formação de Natal, na década de 1940, período da Segunda Guerra Mundial, o historiador Câmara Cascudo, já chamava a atenção das autoridades para as questões relacionadas à urbanização, dizia Cascudo em uma de sua Actas Diurnas:
A valorização dos terrenos ergue a vaidade humana pelas orelhas e a leva até perto das estrelas. Pelo gosto natural da burguesia não havia jardim público nem parque, nem alameda, nem miradouro. Tudo era terreno-para-construir. Interessa apenas o individual, o dependente da vontade personalíssima. Quem irá lembrar-se do direito de alguém ter diante dos olhos uma paisagem ridente ou um muro banal? [...]. Essa possibilidade está se firmando como um direito natural, uma das prerrogativas de qualquer criatura humana. [...]. Possa esse direito afirmar-se ao lado do patrimônio natural da cultura, como um fato visível e próprio da cidade moderna. (OLHOS da cidade, Luís da Câmara Cascudo, Diário de Natal, 05 de janeiro de 1947)

A preocupação com o patrimônio natural, encontramos também nas resoluções da Intendência Municipal ainda no século XIX, claro, não sejamos ingênuos, motivados por outras questões diferentes dos fatores de preservação das Zonas de proteção Ambiental de Natal, presentes hoje em dia quando se discute a reformulação do Plano Diretor/2007. Vale, para refletirmos, citar a resolução nº 89:
RESOLUÇÃO 89
A Intendencia Municipal de Natal
Resolve:
Art. 1º [...]
Art. 2º - Nenhuma concessão de terrenos será feita sobre os morros a leste da cidade nos quais fica proibido o corte de madeiras e o plantio de roças; sujeitos os infratores a multa de 50$ a 200$000 e cinco dias de prisão.
Art. 3º [...]
A REPUBLICA, Natal, 26 de nov. 1903.

Ao recorrer às resoluções da Intendência e ao artigo de Câmara Cascudo, meu objetivo é de suscitar o debate com relação ao ordenamento urbano de Natal, nestes tempos de revisão do Plano Diretor/2007.
Lembro dos projetos da avenida Roberto Freire, o Terminal Pesqueiro, as Estações de Tratamento de Esgoto do Guarapes  e de Salinas, as Zonas de Proteções Ambientais a serem regulamentadas, enfim, amigo velho, muito se tem para dialogarmos sobre a Natal. Este é o caminho, dialogarmos sobre a cidade que queremos.

Um olhar sobre a cidade

Uns ventos do além-mar
Sopram vozes do poeta lusitano
“Navegar é preciso, viver não é preciso”.
E o rio de minha aldeia
Corre ao mar
Levando vidas e sonhos
Das comunidades ribeirinhas
Barquinhos a navegar
Passo da Pátria, Cais da Tavares de Lyra
Portos de uma cidade
A olhar o Alto da Torre
Testemunha ocular de uma expansão urbana
E seus conflitos
Em uma urbe viva
Onde não existe neutralidade
Entre o mar, dunas e o rio
Planos tradutores da cidade que temos
E da cidade que queremos
Desejos.

(Luciano Capistrano)

Foto: Luciano Capistrano/Celular - Natal vista da UFRN

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