Da
Ribeira às
Quintas:
a
leitura da urbe através dos seus poetas, cronistas, fotógrafos.
Inquietações!
Luciano
Capistrano
Professor:
Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador:
SEMURB/Parque da Cidade
O
poeta e folclorista Deífilo Gurgel nos transporta em sua poesia a
Ribeira Velha de Guerra, uma Ribeira de um tempo passado, uma Ribeira a permanecer na escrita de cronistas e memorialistas, presente
ainda, em fotos amareladas guardadas em empoeirados arquivos. Diz o
poeta:
[
... ]
Em
frente ao ‘Cova da Onça’,
Parrepistas
liberais
Trocam
mais que insultos, tiros.
Morre
o povo, corre o povo,
Que
todos somos mortais.
“Tabuleiro
da Baiana”,
“Fumaça”
serve cartolas
-
banana, queijo e canela –
Para
a fome dos bacanas.
Ai
perto, o Potengi
delira
em festas, é tarde
de
regatas, o sol arde
e
arde o povo, em frenesi
[
... ]
Ribeira
velha de guerra,
às
tuas noites de paz,
retornam
velhas figuras
que
os anos não trazem mais.
[
... ]
(
Deífilo Gurgel – Os Bens Aventurados, 2005)
A
poesia caminha na nostalgia, falando de um lugar distante no tempo,
um lugar vivo na memória de quem ao andar no largo do Teatro Alberto
Maranhão, onde hoje funciona o museu de cultura popular Djalma
Maranhão, antes de ser erguida a antiga rodoviária, encontrava-se o
Tabuleiro da Baiana, lugar de encontro da boêmia da cidade que se
fazia “metrópole”, ainda muito provinciana.
A
cidade de Natal tem na Ribeira um dos seus primeiros bairros. Lugar
de canguleiros, lugar berço das atividades comerciais. Região
portuária, tem na rua Chile, antiga rua do Comércio, às marcas, o
testemunho das embarcações embarcando e desembarcando produtos,
viajantes saindo e chegando na terra do rio grande, fervilhando vida
no Cais da Tavares de Lyra. Era um prenúncio de uma urbe em rota de
desenvolvimento.
Bairro
das grandes lojas, a Ribeira era o centro comercial, lugar chic de
Natal, como bem informou Lair Tinôco, em Tempo
de Saudade,
saudosa, assim se refere ao bairro de suas memórias:
A
Ribeira era formada de comércio e residências. A rua Dr Barata era
a rua chic da cidade, isto no que diz respeito aos seus
estabelecimentos comerciais. Destes estabelecimentos salientavam-se
“A Formosa Síria Armazém Potiguar”, “Armarinho Santa
Terezinha”, Tácito M.
Brandão”,
“Relojoaria Farache”, “Sapataria Nolasco”, “Casa Lux”,
“Sérgio Severo”, com ótimas representações, entre elas, rádio
Philips, Holandeses legítimos, além de outros tantos
estabelecimentos. ( TINÕCO, 1992, p. 48)
Percebe
se na fala/escrita de Lair Tinôco, o quanto era importante o
comércio, deste que é apontado por alguns como o segundo bairro a
ser criado em nossa cidade, uma circulação de mercadorias e pessoas
davam ao bairro no início do século passado, nas primeiras décadas
do século XX, uma feição de cidade polo, fazendo jus ao título de
capital do Rio Grande do Norte, condição muitas vezes posta em
questão por ter ao longo do tempo um desenvolvimento econômico
inferior a outros municípios potiguares, como por exemplo Macaíba,
cidade vizinha , Macaíba exerceu até o início do século XX,
intensa atividade econômica, tendo sua balança comercial em alguns
momentos ultrapassado a capital do estado. O empório instalado
naquele município por Fabricio Gomes Pedroza, transformou o porto do
Guarapes, em diversos momentos, mais movimentado do que o porto de
Natal. Os desafios enfrentados por antigos administradores foram
enormes. Em fins do século XIX, já existia por parte de
comerciantes uma demanda com relação a modernização do porto da
capital potiguar, como bem assinala a professora Giovana Paiva de
Oliveira, em De
Cidade a Cidade:
Por
sua vez, o comércio local reivindicava também as obras de
melhoramento do porto de Natal, pois dependia da compra de
mercadorias em centros produtores, e a entrada da barra do rio não
permitia o acesso de vapores de maior porte. Acreditava-se que
superado esse obstáculo, o comércio natalense importaria
diretamente, inclusive da Europa, facilitando o abastecimento da
cidade. ( OLIVEIRA, p.45, 1999)
Essas
intervenções urbanas possibilitaram ganhos para a cidade, com o
porto ampliado ocorreu uma intensificação das atividades comerciais
entre a capital com os outros municípios e com outros estados, deste
formatando novas perspectivas econômicas para os potiguares. Esse
aspecto comercial da Ribeira, suas lojas, seus comerciantes, é bem
registrado na obra Comerciantes e Firmas da Ribeira (1924 -1989)) –
Reminiscências , Júlio César de Andrade, faz uma verdadeira
“peregrinação” por ruas fervilhantes do ponto de vista
comercial. Entre outras ruas e avenidas Andrade destaca a rua Dr
Barata, conforme suas memórias: “Era o local de comércio chique
da cidade. Aqui ficavam as principais casas da moda, por isso o lugar
indicado para o footing”. Na época da 2ª Guerra Mundial o
movimento e os negócios ali mais cresceram”.(ANDRADE, p. 69, 1989)
Um
ponto interessante para ser lembrado sobre a Ribeira é o encontro da
intelectualidade natalense nas livrarias de intelectuais, estudantes,
enfim, homens e mulheres amantes dos livros e de uma boa prosa.
Assim:
[
... ] na frente da Livraria Cosmopolita, reúne-se, todas as tardes,
uma turma de primeira grandeza, de homens sérios, bem instalados na
vida. O mais assíduo é o Dr. Nestor Lima, advogado famoso,
presidente do Instituto Histórico, membro de todas as sociedades
literárias da terra. Ali também assinam o ponto os juristas de
notável saber, austeros desembargadores. Na Livraria Internacional,
de João Rodrigues, depois de uma rápida passagem na Loja de Livros,
de Santana e na Agência de Luís Romão, reúne-se a turma mais moça
[ ... ] A Livraria Lima, de João Nicodemos de Lima, não é somente
ponto de intelectuais, como também de estudantes [ ... ] Mas a
freguesia da Livraria de João Nicodemos é principalmente ao “sebo”
de livros velhos lá existente, onde encontra obras de real valor,
misturados com aranhas caranguejeiras ... (MARANHÃO, p.61-62, 2004)
Neste
universo das escritas, reminiscências, poesias, crônicas, pesquisas
acadêmicas, enfim, memórias são construídas ou preservadas de uma
urbe do passado, além destes caminhos trilhados para adentrarmos a
uma cidade não mais existente, a fotografia também se reveste como
um importante instrumento de compreensão das transformações
ocorridas ao longo do tempo. A
cidade é sua escrita:
[...]
Por vezes imperceptível na paisagem de um dia a outro, este
deslocamento da escrita urbana deixa-se registrar e entrever na longa
duração. [...] Este “deslocamento social do espaço” também
acaba por se constituir em uma forma de escrita que pode ser
decifrada. As motivações para este deslocamento podem ser lidas
pelo historiador: a história da deterioração de um bairro pode
revelar a mudança de um eixo econômico ou cultural, uma
reorientação no tecido urbano que tornou periférico o que foi um
dia central ou ponto de passagem importante. (BARROS, p.41-42, 2012)
São
cenários, paisagens, ordenamentos, fronteiras, expansão do
território urbano para depois dos limites do canal do Baldo, subida
do areal do cemitério do Alecrim, antes zonas rurais, compondo deste
modo a paisagem histórica da cidade de Natal.
A cidade escrita – façamos a leitura da urbe através dos seus
poetas, cronistas, fotógrafos -, diz da Ribeira que subiu a ladeira
e expandiu-se por dunas e se estendeu para além das Quintas. Enfim,
são inquietações, façamos o diálogo sobre a história e os
caminhos da urbe.
REFERENCIAS
ANDRADE,
Júlio César de. Comerciantes e firmas da Ribeira (1924 – 1989) –
Reminiscências. Natal: Fundação José Augusto, 1989.
BARROS,
José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes,
2012)
MARANHÃO,
Djalma. Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, centro
convergente e irradiador da vida natalense. Natal: Sebo Vermelho,
2004. (Org. Notas e Pesquisa: Cláudio Galvão)
OLIVEIRA,
Giovana Paiva de. De cidade a cidade. Natal: EDUFRN, 1999.
TINÔCO,
Lair. Tempo de saudade. Natal: Fundação José Augusto,1992.
Teatro Alberto Maranhão - Foto João Galvão - Década de 1920 - Acervo IHGRN
Porto de Natal - Década de 1910 Foto Bruno Bourgard Acervo IHGRN
Teatro Alberto Maranhão - Foto João Galvão - Década de 1920 - Acervo IHGRN
Porto de Natal - Década de 1910 Foto Bruno Bourgard Acervo IHGRN
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