quinta-feira, 20 de abril de 2017

ÍNDIOS POTIGUARA: Um Memorial


ÍNDIOS POTIGUARA: Um Memorial 
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli 
Historiador: SEMURB – Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

             A Cidade do Natal fundada em 25 de dezembro de 1599 pelos portugueses, tem em suas ruas, edificações, lugares que guardam a herança dos colonizadores e nativos formadores do núcleo inicial da cidade. Encontramos neste cenário da urbe, bem ou mal conservado, “memórias” muito mais dos europeus, símbolos dos ibéricos, por outro lado quase não encontramos vestígios da presença dos índios potiguara, urge, então, construir ações de preservação da memória destes primeiros habitantes da terra Potiguar. 
            O domínio Ibérico não ocorreu de forma pacífica, muitos foram os confrontos entre nativos e os europeus na luta pela ocupação do hoje Brasil. Duas civilizações, dois mundos, duas culturas, fazendo nascer um “mundo novo”. O padre jesuíta, Pero Rodrigues, em uma carta datada de 19 de dezembro 1599, faz o seguinte relato: 

 “Fez-se grande estrago neste gentio porque matarão os nossos muita gente em que entravão muitas crianças das quaes os padres batizarão algumas vinte e tantas que achavão ainda vivas com (cruéis) feridas, e logo acabavão, andando com água as costas vendo onde achaqvão crianças para morrer e assi foi Nosso Senhor servido, irem estas almas gozar de seu criador, do que alguns soldados honrados que neste ministério aiudavão e davão graças a Deus dizendo salvasse hum filho de hum selvagem e eu não sei que será de mym”. (SALVADOR, 1965) 

             Estes relatos ilustram a forma como ocorreu a dominação Ibérica das terras antes dominadas pelos Potiguara, como assinalou Darcy Ribeiro, em  O Povo Brasileiro, os portugueses durante o processo de colonização do Brasil, construíram uma verdadeira máquina de moer gente. 
            Este processo de dominação, não se restringiu apenas ao extermínio físico das populações indígenas e sim a imposição de outra cultura forjada no continente europeu, os homens bons, capitães do mato, se perpetuam no tempo presente, seu modo de ver os índios  quando olhamos ao nosso redor e não achamos monumentos representativos dos costumes, do saber fazer desses grupos humanos nascidos as margens do rio Potengi. A muito tempo sentimos a necessidade de erguer monumentos representativos dos grupos indígenas em terras potiguares. 
            É bem verdade que a sede do Poder Executivo Municipal, na década de 1950, recebeu o nome de Felipe Camarão, uma justa homenagem ao maioral dos potiguara, líder da resistência a invasão holandesa, lutou ao lado dos portugueses. Em 7 de agosto de 2012, o Diário Oficial da União, publicou a Lei nª 12.701, inscrevendo o nome de Felipe Camarão no Livro dos Heróis da Pátria, antes o município de Natal já tinha consagrado o chefe dos potiguara Herói da cidade. 
            Estas homenagens à figura de Felipe Camarão são fatos importantes na preservação da memória dos povos indígenas, precisamos avançar em uma política de preservação, não centralizada na imagem de um personagem, faz necessário erigir um memorial referente aos habitantes dessa terra, aqui vivendo antes, muito antes, da chegada dos povos europeus. 
            A localização da tribo Potiguara, em Natal, é indicada em diversas fontes, no hoje Bairro de Salinas, em uma localidade denominada Alto da Torre. Como informou o insigne historiador Olavo de Medeiros Filho: 


[...] Através da informação incluída no histórico da data nº 100, verifica-se que defronte à atual Ilha do Cajueiro, também conhecida pela denominação de Coroa existira a Aldeia do Camarão [...] A situação da velha Aldeia do Camarão coincidia com as vizinhanças do pico do Outeiro do Minhoto e distanciava-se cerca de 4.000 metros em linha reta, da Fortaleza dos Reis Magos, que lhe ficava no nascente. (MEDEIROS FILHO,1997, P. 32-34) 

  
            A construção de uma política de valorização da presença indígena na formação, do hoje, do povo natalense é algo de suma importância, pois como bem assinalou o historiador Walner Barros Spencer: 

Todos os patrimônios tombados na cidade de Natal, sem exceção, referenciam a herança cultural européia, como igrejas, estabelecimentos militares e governamentais, sobrados e casas de séculos passados, símbolos de posse e administração portuguesa. (SPENCER, 2010 p. 153) 

            O Poder Executivo Municipal, como preconiza a Lei nº 5.191/2000, tem o dever de desenvolver política de preservação do Patrimônio Cultural do Município, assim, entendo ser de fundamental importância a construção de um memorial indígena, pelas diversas razões já elencadas, como também cumprir o preceito constitucional de nossa Carta Magna, em seu artigo: 

  
     Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: 

I - as formas de expressão; 

II - os modos de criar, fazer e viver; 

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; 

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; 

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. 
                        Enfim, a política de preservação da memória tem de corrigir os rumos, até aqui, seguidos que legaram ao “esquecimento” os índios Potiguara, resgatar os vestígios desse povo é garantir a cidadania plena a todos os natalenses, afinal, a cidade de Câmara Cascudo não foi forjada ao longo do tempo apenas pelo “civilizador” Ibérico. 

 REFERÊNCIAS 

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004 

MEDEIROS FILHO, Olavo. Aconteceu na Capitania do Rio Grande. Natal: DEI, 1997. 

SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil: 1500-1627. 

SPENCER, Walner Barros. Ecos do silêncio. Natal: Sebo Vermelho, 2010.
Em uma visita ao Projeto Gamboa do Jaguaribe - Eu em conversa com o Professor Aucides - Foto: Beth

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