Vista
a minha pele:
Uma
reflexão.
Luciano
Capistrano
Professor:
Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador:
Parque da Cidade
Canto afro brasileiro
Encantado vem um povo escravizado,
Mãe África,
Navios negreiros navegam o Atlântico,
Sons de correntes,
Êxodo não desejado,
Canaviais,
Minas,
Feitor,
Senzala,
Pelourinho,
Capitão do mato,
Gritos de dores,
Quilombos ecoam resistências,
Ergue-se Zumbi dos Palmares
Multiplicam-se Dandaras!
Soam os tambores, vozes ancestrais
Clamam os deuses,
Exu, Ogum, Nanã, Xangô, Iansã, Oxum,
Iemanjá,
Orixás atravessam mares,
Criam,
Recriam,
Candomblé, Iorubá, matrizes africanas,
Brasilidade negritude,
Canto afro-brasileiro.
(Luciano Capistrano)
O
dia da consciência negra se reveste de grande significado para todas e todos
cidadãos de bem, desejosos de construir uma nação onde exista de fato uma
democracia racial, algo ainda muito distante do nosso cotidiano social. A ideia
deste artigo é trazer ao dialogo a questão do preconceito racial. Faz
necessário desconstruirmos conceitos impostos ao longo dos anos, precisamos
avançar para o outro lado distante da “casa grande e senzala”.
A
escravidão não foi cruel apenas por trazer contingentes humanos presos nos
porões acorrentados, a crueldade reside no legado preconceituoso que se
perpetuou e essa é a difícil tarefa que temos de desconstruir esse discurso
intolerante fruto do modelo econômico social da sociedade escravocrata
instalada no Brasil colonial.
Na América colonial, os africanos e afrodescendentes foram definidos genericamente como pretos, negros, sem nenhuma séria diferenciação entre as diversas etnias das quais os escravos eram oriundos. O preconceito contra o escravo foi acrescido pelo imaginário pejorativo sobre a cor negra e logo se criou um preconceito acerca de todos os afrodescendentes caracterizados como negros, mesmo após a abolição da escravidão. Nesse período, em fins do século XIX, o Brasil queria se modernizar aos olhos da Europa. Para isso, não bastava acabar com a escravidão, mas era preciso se livrar do estigma de país mestiço, país negro. (SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. Editora Contexto, 2014, p.313)
Os
estereótipos criados a partir dessa ideia do “negro escravo”, criou a ilusão de
uma única etnia a ser escravizada, perdeu-se de forma intencional, claro, a
historicidade do processo do modo de produção escrava, como se outras etnias
não tivessem sofridos processos de escravização, inclusive povos europeus. Não
podemos esquecer-nos das teorias eugênicas e do fortalecimento de ideias de
superioridade de raças sobre outras, na construção deste olhar, deste agir
colocando os negros como inferiores.
Neste refazer caminhos,
meu amigo velho, me lembrei da escritora nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie, e
sua reflexão sobre a “história única”, em uma palestra Adichie fez o seguinte
relato quando foi estudar em uma universidade dos EUA:
“Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir a minha ‘música tribal’ e, consequentemente, ficou desapontada quando eu toquei minha fita da Mariah Carey. O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes de ter me visto. Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela. ”
A
história única construiu uma estética do preconceito na sociedade brasileira,
basta ver os números dos diversos censos realizados pelo IBGE ao longo do tempo.
A negritude ficou de certo modo “envergonhada”, não digo envergonhada como uma
atitude menor, digo como resultado de anos e anos de ações raciais contribuindo
para este receio em se afirmar enquanto negro:
[...] ser negro no Brasil passa, então, por uma das duas coisas: ser designado como tal pela sociedade ou se auto identificar como tal. Devido ao preconceito, durante todo o século XX o número de pessoas que se designavam negras sempre foi menor do que o número de pessoas designadas como tal pela sociedade. No entanto, nas últimas décadas do século XX um sentimento de afirmação, derivado do combate ao preconceito “racial”, fez crescer o número de pessoas que se afirmam negras. Nesse sentido podemos observar que, apesar da rejeição científica ao conceito de raça derrubar a crença na existência de uma raça negra no mundo, no Brasil, como em outros lugares da América, negro passou a ser uma construção social, um conceito de muitos significados. (SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. Editora Contexto, 2014, p.314)
É
preciso, então, ter um outro olhar sobre a história, não podemos continuar no
caminho, perigoso, como nos alertou Chimamanda Adichie, da história única. Como
sentenciou o diplomata brasileiro, especialista em continente africano, Alberto
da Costa e Silva: “... [a diversidade dos povos africanos deve nos ajudar] a
imaginar como se pensava no passado sobre um continente que continua a
magoar-se com muitos dos estereótipos que sobre ele, ao longo dos séculos, se acumularam.
” (SILVA, Alberto da Costa. Imagens da
África. Penguin e Companhia das Letras, 2012, p.16)
Enfim,
o diálogo continua, afinal, o 20 de novembro, não é apenas uma data no
calendário, é uma retomada, simbólica, da resistência quilombola, representada
por Zumbi dos Palmares. Neste processo de resistência ou de construção de
outros caminhos historiográficos, contrários a uma versão em que o negro é
escravo e não escravizado, me refiro a uma interpretação histórica do modo de
produção escravista, acredito, assim, ser fundamental a implantação de fato nas
instituições de ensino, nos diversos níveis, das diretrizes da Lei nº 10.639/2003,
que institui o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana e a
Lei nº 11.645/2008, que completou com o acréscimo da História e Cultura dos
Povos Indígenas.
Amigo
velho, finalizo com o título de um filme sobre as questões de preconceito
étnico em nossa sociedade, “Vista a minha pele”, e, como provocação, vamos
fazer o bom diálogo sobre a construção histórica do preconceito racial no
Brasil.
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