Cidade lugar da topografia do impossível: uma reflexão
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte
Cidade
Neutralidade não há,
Transeuntes do tempo,
Agito, multidões, mobilidade urbana,
Sons incompreendidos,
Pedestres sem ruas,
Trânsito ordenado/desordenado,
Espaço público/privado,
Camelôs, calçadas dormitórios,
Moradores de rua, plena barbárie humana,
Dizem progresso, gritam modernidade,
Ciclovias sonhos possíveis,
Planos, reformas urbanas, especulação imobiliária,
Ocupação desordenada/ordenada,
Praças, áreas verdes, sonhos de preservação imagináveis,
Logradouros de memórias, dizem de história,
Patrimônio cultural em risco de tombamento,
Cidade lugar da topografia do impossível.
(Luciano Capistrano)
A cidade tem se transformado em lugares de medo, a muito perdermos o direito de conversar nas calçadas, das crianças brincarem nas ruas, de andarmos a qualquer hora do dia ou da noite. Diante dessa situação, erguem-se as "cidadelas", condomínios fechados, onde a "muralha" trás para quem pode pagar, o direito de caminhar, pedalar, conversar de portas abertas, e, até deixar na área aberta a bike depois de uma hora de exercício pedalando nas ruas do condomínio.
Fui criança na Vila Mauricio, nas Quintas, margem fronteiriça com o Bairro do Alecrim, corri na rua em dias de chuva ou de sol, brinquei nas imediações da linha férrea, joguei bola, o velho mirim, na avenida 12, uma infância sem o medo de "balas perdidas", o que nos assustava era um tal de carro preto a pegar as crianças com o objetivo de tirar o figado dos inocentes e levar para uma tal de Viúva Machado. Tempos das inocências, hoje, perdidas.
Carrinhos de latas
Carrinhos de latas
Me fizeram criança
Feliz na feira do Carrasco
Sonhava ser caminhoneiro,
Motorista de ônibus ou de ambulância.
Lá corria, as latas pesadas com areia
Puxadas por cordões
Me faziam alegre menino
Aos berros mamãe dizia:
Não corre menino, tu vai cair menino!!
E o menino?
O menino ficou na vila Maurício
Lá na 12 do tempo do seu Albano,
Seu Kerginaldo, dona Neném,
Lourdinha e tantos outros
Adultos do tempo de minhas criancices,
Bola de gude, amarelinha, tô no poço ...
Há meus tempos de criança, hoje (Ah!)
Memórias, apenas memórias!
(Luciano Capistrano)
O viés da segregação espacial tem contribuído para a situação de agravamento da ideia de "superioridade" social, étnica e cultural, o que acredito ser um fator, não determinante, mas gerador de um terreno fértil para o crescimento da violência. As áreas distantes dos centros economicamente importantes da urbe, geralmente são caracterizadas pelo abandono do poder público, são lugares marcados pela falta de infraestruturas, cenário de ausência do estado, basta vê as quadras esportivas e praças entregues ao abandono, e, deste modo facilitando a entrada de drogas ilícitas no seio da juventude, aumentando, assim, a insegurança vivida nas cidades.
A uma movimentação em busca dos espaços fechados, o sonho é deixar as cidades "abertas" e ir para os "enclaves fortificados".Sobre essa situação, nos esclarece a professora Maria Sposito:
Essa dinâmica de afastamento socioespacial [...] tem gerado, também, piora da situação geográfica dos mais pobres, que tendem a se afastar mais e/ou a se precarizar no processo de encontrar uma solução para seus problemas de moradia. Em grande parte, seja pelo afastamento espacial, seja pela piora das condições residenciais, essas lógicas de produção do espaço convergem para situações em que [...] a segregação socioespacial pode se estabelecer ou se aprofundar. [...] A delimitação do grupo dos "de cima" ou dos "de baixo" é sempre relativa, por isso as duas faces - os que segregam aos outros e os que, por opção, segregam-se - compõem um mesmo processo. (SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Segregação socioespacial e centralidade urbana In A cidade contemporânea: segregação espacial. Organização VASCONCELOS, Pedro de Almeida; CORRÊA, Roberto Lobato; PINTAUDI, Silvana Maria. São Paulo: Editora Contexto, 2013, p.69)
A ocupação urbana transformou-se ao longo do tempo, e, claro a delimitação territorial sempre determinou este processo, o valor da terra é um fator importante na construção socioespacial, o historiador Câmara Cascudo em sua História da Cidade do Natal, chamava a atenção dos gestores publico para o mercado de terras do Alecrim, na década de 1940, pois, segundo Cascudo, a supervalorização dos terrenos expulsaria daquela localidade a gente mais humilde, já o professor/urbanista Pedro de Lima, em seu Natal século XX: do urbanismo ao planejamento, afirma da tendencia excludente dos planos de intervenção urbana implantados em Natal a começar pelo Plano Polidrelli, ao criar o bairro de Cidade Nova, hoje Tirol e Petrópolis, aponta a segregação espacial urbana.
O desafio é construir caminhos inclusivos, quebrar este viés segregacionista, e, fazer da cidade o lugar do CIDADÃO, como fazer? Esta é a questão colocada na pauta do dia, pois, é na cidade que moramos, claro é óbvio dizer isso, agora amigo velho, as vezes nos falta olhar justamente para o óbvio, as ações de ocupação das praças, ruas, quadras esportivas, calçadas, em muitos casos necessitam de pequenas atitudes, então, ou fazemos o traçado diferente da exclusão, ou, viveremos nos "enclaves fechados", com medo de andar nas ruas, pois as cidades estão sitiadas.
Cidades sitiadas
Cidades sitiadas o perigo anda ao lado,
viver com medo de ir e vir,
no caminho da padaria uma morte anunciada,
pedras, cracks, tráfico, sistema em rota de colisão.
Lugares de medo, uma simples caminhada
encontra um algoz, uma bala, um corpo
no asfalto, vidas interrompidas.
Cidades sitiadas, erguem se muralhas
cercas elétricas, falam nas esquinas
bandido bom é bandido morto,
se alvoroçam grupos de extermínio,
ilusões de dores que sangram vidas,
cidadãos encurralados procurando saídas.
50. 000 mortes violentas, país descendo a vala,
palavras sem poesias, cruas, como cruel é a vida,
reverter os números de tanta brutalidade,
justiça eficiente, ágil; polícia inteligente, equipada.
Cidades sitiadas, cidadãos indignados gritam:
- Paz, paz, queremos paz, queremos
construir uma cultura de paz, utopia?
(Luciano Capistrano)
Enfim, façamos o dialogo sobre nossas cidades, sobre a ocupação de nossas praças e ruas, sobre "cidades abertas" ou "cidades fechadas", Afinal, Cidade lugar da topografia do impossível, tem de florescer nos diversos espaços, as "ágoras" tem de se multiplicarem, não mais como centro de participação dos "iluminados", dos tempos da antiga Grécia, mas aberta a livre participação do cidadão, para além do calendário eleitoral.