quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Brasil: Independência ou morte, seja um brando de fortalecimento dos caminhos democráticos.

Brasil: Independência ou morte, seja um brando de fortalecimento dos caminhos democráticos.
Luciano Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

Que País é Esse?
(Renato Russo)

Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia
Na Baixada Fluminense
No Mato Grosso e nas Gerais
E no Nordeste tudo em paz

Na morte eu descanso
Mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão

Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

Terceiro Mundo se for piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão

Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

          Na década de 1980, ventos originários da capital federal, Brasília, trazia a sonoridade do rock brasileiro, entre os diversos grupos, “crias” das esplanadas, surgia o Legião Urbana. Do Aborto Elétrico vinha Renato Russo, com uma das letras, que logo, logo, se transformaram em hino de uma geração que aspirava por liberdade. O Brasil, iniciava de forma afirmativa, com as mobilizações de rua, sua caminhada na estrada de restauração da democracia, perdida durante os 21 anos de governos dos generais presidentes.
          Lembro da Campanha das Diretas Já.
         O ano 1984, a Emenda a Constituição, apresentada pelo Deputado Dante de Oliveira, ganha as ruas e praças deste país, o povo na rua, mobiliza-se a sociedade. Multidões, rompe-se o silêncio, a CNBB, a OAB, a ABI, e outras Instituições da sociedade se alinham no discurso em favor da Emenda Dante de Oliveira.
      Das Praças ecoa o grito: Diretas Já! Existia um desejo por democracia a unir os diversos espectros políticos ideológicos da sociedade brasileira, como nos diz o historiador Carlos Fico:


[…] No Rio de Janeiro, quando Sobral Pinto iniciou seu discurso citando o artigo primeiro da Constituição (“Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido!”), o povo foi ao delírio. A presença de Sobral era emblemática: nonagenário, ele era um católico liberal, distante do radicalismo da esquerda. Havia defendido o líder comunista Luís Carlos Prestes após a rebelião de 1935 mesmo discordando dele. Representou, naquele momento da Campanha das Diretas, a união da sociedade brasileira em torno do mais básico princípio democrático: os cidadãos devem escolher seu mandatário, independentemente das ideologias políticas que os reunissem em defesa desse pressuposto elementar. (FICO, Carlos. História do Brasil Contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São Paulo: Editora Contexto, p.101, 2015)

      Em abril de 1984, na Praça Gentil Ferreira, vivi com meu pai, Benjamin Capistrano Filho, um dos momentos mais impactantes, milhares de pessoas, lotando a Avenida Amaro Barreto, a Avenida Presidente Bandeira, o Relógio, símbolo do Alecrim, testemunhou a euforia, o grito, recolhido, proibido, era posto para fora, vi meu pai, perseguido pelos governos militares, chorar de alegria, alegria em ver a liberdade se expressar naquela manifestação política, ali, naquele momento, me convenci mais, e, mais da preciosidade que é viver em um país democrático.
      Ao lembrar da Campanha das Diretas Já, me vem o discurso, dito por alguns mal intencionados e outros desavisados, que vociferam “Intervenção Militar já”, amigo velho, o processo de democratização do Brasil não ocorreu de forma fácil, apesar da chamada, “Abertura Lenta, Gradual e Segura”, defendida durante o governo do General Presidente Geisel, os órgãos de repressão política continuavam em ação, um xadrez político complicado de ser desarmado era o lado “duro” dos militares que defendiam a permanência do arcabouço jurídico/repressivo aos moldes do Ato Institucional 5. Não, esqueçamos do atentado do Rio Center, quando militares ligados aos setores radicais da direita militar, levavam explosivos para serem detonados no show do primeiro de maio, felizmente o artefato explodiu no “colo” de um dos terroristas “verde-oliva”.
      A crise política, de hoje, guardada as devidas diferenças, tem alguns fatores que lembram os anos anteriores ao abril de 1964, quando os militares e civis, filiados aos interesses norte-americano, como testemunhou o embaixador dos EUA, a época, Lincool Gordon, romperam o processo democrático e implantaram uma ditadura civil-militar, 1964-1985.
      Existe uma crise, sim, mas, como costumo dizer: existe apenas uma saída, e, a saída, amigo velho, é uma OVERDOSE de DEMOCRACIA.
       O perigo dos momentos de crises, éticas, políticas, econômicas, são os “salvadores da pátria”, como nos alertou o Deputado Ulisses Guimarães, quando da proclamação da Constituição de 1988: "República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.”
      Ao aproximar do fim deste curto artigo, sem ser conclusivo, mas apenas um convite ao diálogo, deixo, para as muitas reflexões, um fragmento do “Funk da Lama” de Zeca Baleiro:

Tanto faz se é Demóstenes
ou Palocci
Se é Fabio Melo ou Marcelo Rossi
Você vai ter que responder pelo o que faz,
Você vai ter que responder pelo o que diz ...”


     Brasil: Independência ou morte, seja um brando de fortalecimento dos caminhos democráticos. E, assim, entre crises, continuemos a busca em respostas para a questão posta pelos legionários: Que país é esse?


Foto Luciano Capistrano

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Redinha: os caminhos de preservação da história para além da Antiga Ponte de Igapó.

Redinha: os caminhos de preservação da história para além da Antiga Ponte de Igapó.
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade


Redinha II

Nostalgia ventos livres jangadas ao mar
capelinha de Nossa Senhora dos Navegantes
olha a partida, pescadores na madrugada a navegar
ao longe se distancia da praia, vence o quebra mar
entre o céu e o mar, as ondas levam os homens a navegar!

Nostalgia saborear uma ginga com tapioca
no mercado da Redinha na beira mar
longe do outro lado do rio, ver a Fortaleza dos Reis Magos,
e a Ponte Newton Navarro, o antigo e o moderno a dialogar.

Ginga com tapioca de seu Januário, tradição se fez
de Dalila a dona Ivanize, põe azeite de dendê,
rala coco, salga o peixe, como é bom saborear
ginga com tapioca na beira do mar.

Nostalgia festa do caju , procissão, barcos ao mar
clube de pedras domingueiras a bailar,
Os Cão na lama se fizeram
brincantes invadem a Redinha velha
folia de Momo até o Baiacu na vara passar.

Nostalgia Redinha do rio Doce, da África
à Redinha Nova, carnavais e verões
marchinhas e as bandas de metais soprando ritmos
brasilidade pulsante, nativos e veranistas
amantes da Redinha dos meus amores.
(Luciano Capistrano)


          Minha adolescência, e, início da idade adulta, foi marcada por idas a praia da Redinha, morador do Conjunto Santa Catarina, desde sempre fui um frequentador assíduo, cheguei a pular no trapiche, guardo boas lembranças da terra de Nossa Senhora dos Navegantes. Sim, e, ainda morei naquela praia da saborosa “GINGA COM TAPIOCA”.
          A praia da Redinha tem, para o povo católico, a proteção de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira e protetora dos pescadores. Em 1925, foi erguida olhando o mar, a Capelinha, no alto observa a saída e chegada dos pescadores.

Capelinha dos Pescadores - Praia da Redinha

          A Redinha da ginga com tapioca é uma tradição que vem de longe, desde as décadas de 1950 / 1960, com o senhor Geraldo Januário, que era marchante de peixe e fez essa iguaria, assim, passando para a família a receita até as gerações atuais:

Para começar a entendê-la, nada melhor do que prepará-la e saboreá-la. Tratar, temperar os peixes com sal, espetá-los em palitos de coqueiros, colocar um pouco de farinha de mandioca para grudar e fritá-lo em azeite de dendê. Para a tapioca, peneirar a goma, colocar sal, ralar o coco, misturá-lo à goma, colocar em frigideira, e por fim colocar o peixe dentro da tapioca, como um sanduíche. Este é o modo de preparo da ginga com tapioca, desde sua origem, e se perpetuar até hoje, conforme nos contou D. Ivanize em entrevista. (DANTAS, Rebekka Fernandes. Ginga com tapioca: de Dalila a Ivanize, das origens à atualidade. Natal: Sebo Vermelho, 2015, p. 33)

          A Redinha, tem uma ocupação que remonta ao século XVII, praia da região norte de Natal, limita-se com os bairros Potengi, Salinas e Pajuçara, e, também com o município de Extremoz. Tem ainda suas terras banhadas pelas águas do rio Doce, Potengi e o mar. Com uma população de aproximadamente 20 mil habitantes, a Redinha é um lugar de muita beleza.

Redinha

Redinha dos mares
Da capelinha
Igrejinha de pedra
Rogai Nossa Senhora
Pescadores Navegantes saem
As jangadas ao mar
Vento sopra a vela
Faz embarcação navegar
Vencer as ondas
Transpor o quebra-mar
Cotidiano de sol
Sobreviventes jogam a rede
Trazem peixes do mar
Festa do caju
Redinha clube
Saúdam os pescadores
Trabalhadores do mar
Nos dias de folga
Saborear
Ginga com tapioca
No mercado
Na barraca de dona Zefinha
Ao abrir o baú das minhas memórias
Encontro a Redinha de tantas
Histórias.
(Luciano Capistrano)

Da Redinha ver-se ao longe o Forte dos Reis Magos, década de 1920


          Ao finalizar, este “curto” artigo, chamo a atenção, amigo velho, para a importância da preservação da memória deste antigo bairro da urbe: A Redinha, como diz Câmara Cascudo, em uma de suas Acta Diurna, tem registro no mapa de Joanes de Laet, de 1633, onde já é indicado, no referido mapa, a localização de um povoado de pescadores. Este é o desafio, fazer os caminhos de preservação da história para além da Antiga Ponte de Igapó.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Hiroshima e Nagasaki: Little Boy inaugura uma nova ordem

Hiroshima e Nagasaki: Little Boy inaugura uma nova ordem
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte



Hiroshima e Nagasaki
Mães choram um agosto

Perdido
Das dores de Hiroshima e Nagasaki
Sangram
Inocentes infantis.
Explodem memórias
Little Boy, fez-se cinzas
O dia 6… no céu voa Enola Gay 
De repente…
A bomba fora da lei
Cai sobre o amanhecer 
Cumpre-se as ordens dos herdeiros
De Auschwitz.
Ao entardecer corpos surgem em sombras
Na rua... um homem de bengala.
Fez-se noite
Das cortinas de fumaça
Em
Obscuros tempos de Guerra Fria.
(Luciano Capistrano)




           O 6 de agosto de 1945, parecia ser um dia normal, se é que pode ser normal um dia em tempos de guerra. Naquele amanhecer a cidade de Hiroshima, pulsava vidas, crianças, jovens, adultos… gente em suas casas, nas ruas, chegando a escola ou ao lugar de trabalho, tudo parecia normal. Até surgi uma aeronave nos céus e um clarão tomar contar da cidade.
            Os Estados Unidos, davam início ao “jogo” da corrida armamentista, uma cidade de aproximadamente 350.000 habitantes, foi destruída em minutos. Os americanos, de maneira terrível, lançava uma nuvem de fumaça sobre o mundo, um mundo tão castigado com a Segunda Guerra Mundial, passou a conhecer, então, a potência das bombas atômicas lançadas sobre as cidades japonesas do Enola Gay. A bomba atômica:
Além das mortes imediatas, essas bombas dão início à longa agonia dos que, atingidos pela radiação, morrerão aos poucos, nos anos a seguir. De fato, foram constatados efeitos somáticos e genéticos incontáveis. Entre eles, enfraquecimento geral do organismo, lesões oculares, deformações irreversíveis decorrentes de queimaduras profundas, cansaço generalizado, aumento considerável de diferentes formas de câncer e incontáveis consequências genéticas e malformações do feto.
[..] Começava naquele exato momento a corrida atômica que Einstein tanto temera. Em agosto de 1949, após quatro anos de monopólio nuclear americano, a [ex] União Soviética também teria sua bomba atômica, menos de cinco meses após a assinatura do Tratado do Atlântico Norte […] Começava aí a guerra fria entre as duas grandes potências vencedoras do conflito: Estados Unidos e União Soviética, cujo primeiro conflito aparente foi o Bloqueio de Berlim, já em 1947. (KOLTAI, Catarina. Por que pacifismo? São Paulo: Editora Moderna, p. 38-39, 1987)


          O mundo do pós Hiroshima e Nagasaki, transformou-se. A partir daqueles tristes dias, o fantasma de uma hecatombe nuclear povoou os quatro cantos da terra. A corrida armamentista era um verdadeiro campo minado, os interesses econômicos e de dominação territorial das duas potências atômicas não tinham limites e nem escrúpulos. O mapa mundi era ditado nos corredores obscuros do Kremlin e Washington.
          Crises entre os blocos antagônicos marcaram este período, o clima era de guerra, e, não tinha nada de fria. A questão de Berlim, com a criação dos dois países: República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã, uma nação separada por um muro. O Muro de Berlim, é o símbolo maior da Guerra Fria, construído em 1961, uma Alemanha e duas nações, Ocidente e Oriente dando o tom da época. Um mundo dividido e diversos momentos de tensão compondo o cenário da diplomacia das armas nucleares:
[…] as duas superpotências aceitavam a divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas de demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas que pudesse levar a uma guerra e, ao contrário da ideologia e da retórica da Guerra Fria, trabalhavam com base na suposição de que a coexistência pacífica entre elas era possível a longo prazo. Na verdade, na hora da decisão, ambas confiavam na moderação uma da outra, mesmo nos momentos em que se achavam oficialmente à beira da guerra, ou mesmo já nela. […] A Guerra Fria que de fato tentou corresponder à sua retórica de luta pela supremacia ou aniquilação não era aquela em que decisões fundamentais eram tomadas pelos governos, mas a nebulosa disputa entre seus vários serviços secretos reconhecidos e não reconhecidos, que no Ocidente produziu esse tão característico subproduto da tensão internacional, a ficção de espionagem e assassinato clandestino.(HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia Das Letras, p. 225-226, 2000)


            Este cenário fez surgi guerras regulares com a participação direta das superpotências, a guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. As manifestações de estudantes da Universidade de Budapeste, de intelectuais e de trabalhadores exigiam eleições livres, a legalização dos partidos democráticos e a retirada das tropas soviéticas do país, no movimento conhecido como sublevação húngara, fortemente reprimido pelos tanques soviéticos. A Crise dos Mísseis, grave momento de risco para a paz, com a instalação de misseis soviéticos, 1961-1962, em Cuba. A guerra do Vietnã, 1965 a 1973, conflito que levou a população americana, em sua maioria, a ocupar as principais praças e avenidas com o slogan “Faça o amor e não faça a guerra”. A guerra do Vietnã, foi a mais sangrenta do período da Guerra Fria, deixou um saldo de 2 milhões de mortos, daí resulta a mobilização pacifista ter crescido muito nos Estados Unidos, quando os primeiros marines começaram a voltar mutilados ou em caixões, e, os relatos da utilização de armas químicas contra civis vietnamitas por soldados americanos é descoberto pela sociedade norte-americana, os gastos e envios de soldados para a zona de conflito, sofre críticas severas da opinião pública. Derrotados, os EUA, veem os Russos invadirem o Afeganistão, a denominada Guerra Afegã-Soviética, 1979-1989, foi o “Vietnã” da ex-União Soviética.
          Se  Little Boy inaugura uma nova ordem, com o fim da Guerra Fria a uma confusão com os países fora do eixo EUA X URSS, cheios de sentimentos xenófobos e armados com suas ogivas nucleares. Sobrevivemos a Guerra Fria, o difícil é dizer se sobreviveremos ao terrorismo, com os “estados islâmicos” ou a Donald Trump e Kim Jong-un, lideres belicistas do EUA e da Coreia do Norte.


terça-feira, 25 de julho de 2017

Diálogos sobre a urbe: Caminhos e Descaminhos da cidade de Natal

Diálogos sobre a urbe: Caminhos e Descaminhos da cidade de Natal
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


Natal

Não sei se terei a rima perfeita
Para em versos poéticos
Dizer dos caminhos e descaminhos
Das memórias, das histórias
Da terra de nome: Natal.
Lugar de brancas dunas
Tantas vezes cantadas em versos e prosas
Nos cantos de Açucena
Ao balançar dos coqueirais
A sombra das "praieiras dos meus amores", descortina a urbe: Natal.
Ouço vozes no tempo
Otoniel Menezes
Ferreira Itajubá
Jorge Fernandes
Palmyra Wanderley
Suas poesias a ecoar nas esquinas
De uma Baby linda.
Dos encontros de civilizações
Ibéricos, Africanos, Potiguaras
Forjaram culturas em partos
De dores e alegrias
Se fez uma Fortaleza dos Reis Magos
Ao olhar do alvissareiro
Lá no alto da torre
Via-se como " era grande o Potengi".
Dos limites da Santa cruz da Bica
As margens do Riacho do baldo
Latas d'água na cabeça
Gente ia e vinha, em caminhos de beber água sob as bênçãos de Santo Antônio
Ao canto do galo se fez uma cidade
Devota a Nossa Senhora da Apresentação
E nas margens ergueu-se
A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
E assim, em versos sem rimas
Vou pautando uma história urbana
Dos vestígios de memórias
Entre rochas e humanos
Descortino a cidade
Da Ribeira, da Cidade Nova
A Cidade Alta , em uma construção
Continua, ditas por poetas e cronistas
Natal, Cidade do Sol
Já foi Trampolim da Vitória...
(Luciano Capistrano)


            Falar em Natal para muitos é apenas discorrer sobre as belezas naturais. Dizer das belezas de seu litoral e incluir, até praias vizinhas, como nos versos do poeta “... de Redinha a Genipabu...” Bem realmente, a mãe-natureza presenteou a cidade do Natal, com uma paisagem única. Aqui encontra-se belos cartões-postais. 
           Natal é bela, isto é fato! 
            A cidade surgida neste sítio, entre dunas, mar e o rio, tem muito a apresentar. Natal tem história. História que vai além da sua fundação, pois, antes dos Portugueses foi terra dos Potiguara. A digital dos formadores da urbe Potiguar, encontra-se em seu Patrimônio Histórico: Material e Imaterial. 
            A Natal moderna, cidade verticalizada, ainda não conseguiu suprimir os vestígios de seu passado. Claro que um passado, muito mais preservado quando se refere a “pedra e cal”. 
            Por que a Fortaleza dos Reis Magos, conseguiu bem ou mal, ser preservada e o local da aldeia dos Potiguara, na margem esquerda do rio Potengi, não recebeu o mesmo tratamento? 
            Deixemos a questão, para reflexão, já que não é nosso propósito, neste momento entrar nesta seara. 
            O certo é que ao olharmos os símbolos da presença europeia em nossa cidade Natal, percebemos também a influência dos indígenas e dos africanos. Culturas diversas causadoras da construção do hoje, natalense. 
            Saberes e fazeres milenares presentes: quando saboreamos ginga com tapioca, na praia da Redinha; ao assistirmos uma apresentação do Boi Calemba, do saudoso Manoel Marinheiro; ao entrarmos no Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão e presentearmos nossos olhos com as peças de Xico Santeiro; na técnica utilizada para construir a Fortaleza dos Reis Magos, marco da ocupação portuguesa, e por fim, quando das celebrações de fim de ano presenciamos, junto a estátua de Iemanjá, as oferendas jogadas ao mar. 
            Como preservar, então, o Patrimônio Histórico da Cidade do Natal? 
            Um dos primeiros passos a serem dados em direção a preservação do Patrimônio Histórico é desenvolver ações tendo como meta, fazer este Patrimônio conhecido por seus cidadãos. Neste sentido a Educação Patrimonial, exerce um papel preponderante na concretização do desejo de preservar aquilo que é relevante para a cultura material e imaterial da capital Potiguar.     

Palestra "Educação Patrimonial" - Professor Luciano Capistrano


            A Educação Patrimonial deve ser a locomotiva, deste processo de proteção e restauração dos nossos lugares de memória. Conhecer o passado é um direito de todas e todos os cidadãos, está na Constituição. 
            Projetos que contemple a valorização dos espaços, guardiões, da memória, são fundamentais. Urge iniciativas, nas três esferas de poder. A FUNCART, a Fundação José Augusto e o IPHAN, devem promover políticas além do Tombamento, é preciso construir uma mentalidade que pense na importância dos vestígios deixados pelos nossos antepassados. 
            Hoje, falo da minha experiência de professor, caminhar por entre nossas ruas, em busca destes lugares de memória, é muitas vezes, encontrar museus com acervos danificados, sem guias, monumentos sem nenhum cuidado em conservação, edificações protegidas pelo Tombamento, mas em situação de risco quanto aos vândalos e as intempéries do tempo. E até, mesmo, espaços fechados para a visitação. 


Circuito Histórico - Educação Patrimonial - Professor Luciano Capistrano

            Um bom exemplo, a ser registrado, é o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, apesar de não funcionar aos sábados, domingos e feriados, pelo menos nas vezes que lá estive, disponibiliza um rico acervo do nosso Patrimônio Imaterial. Localizado na antiga rodoviária, tem em seu entorno a praça Augusto Severo, a antiga Escola Domestica, o antigo Grupo Escolar Augusto Severo, o Teatro Alberto Maranhão e o Largo Dom Bosco. Lugares de muita história, formando um verdadeiro convite a quem quer conhecer o passado da cidade Natal. 
            Lembremos, então, Câmara Cascudo, quando em uma de suas actas afirmou: “Errariam menos os homens se lessem mais a história”. Neste sentido, erraríamos menos se preservássemos mais o nosso Patrimônio Material e Imaterial.


Professor Luciano Capistrano

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Natal: Cidade Memória

Natal: Cidade Memória
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Pós-graduando em Educação Ambiental / Instituto kennedy
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


“Não te esquecerei, Natal!
A Ribeira subindo em direção à Cidade,
Os teus primeiros bairros Rocas e Alecrim,
O Grande Ponto dos dias de hoje,
Convergência de todos os encontros
E foco de todos os boatos.
Os bairros novos:
Tirol, Petrópolis, Quintas, Conceição,
Lagoa Seca, Juruá, Guarita, Carrasco,
(Que aqui em Montevideo, onde estou exilado, 
É nome de uma praia chic),
E como estava falando em praia,
Vem a saudade de Ponta Negra e Redinha,
Areia Preta, do Meio e Circular” 
(Djalma Maranhão)

         Em sua evocação à Natal, o prefeito dos folguedos populares, Djalma Maranhão expressou toda a saudade, vivida na distante Montevideo. Exilado, banido de sua querida Natal. Na cidade Uruguaia, Djalma Maranhão e sua esposa Dária, vivenciaram a dor daqueles que não podem estar junto à “coisa” amada. 
A memória evocada pelo ex-prefeito, num primeiro instante é resultado da individualidade. Mas o fenômeno da memória está presente na coletividade, o imaginário social forma as lembranças da sociedade. Neste sentido, a memória social, reflete os sentimentos herdados de gerações, ou seja, existe um elo, atemporal, entre os membros de uma mesma sociedade. Digamos que o sentido de inserção quando cidadãos, do hoje, se reconhecem na paisagem do ontem. Como afirmou o professor Mesentier (2005, p.168):

Diferente da memória individual, a memória social se constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por estruturas sociais. A construção da memória social implica na referência ao que não foi presenciado. Trata-se de uma memória que representa processos e estruturas sociais que já se transformam. A memória social é transgeracional e os suportes da memória contribuem para o transporte da memória social de uma geração a outra.

A memória não é algo pacífico, em sua construção estão implícitas escolhas, pode-se afirmar, não existe neutralidade quando o assunto é memória coletiva. Os suportes da memória, citados pelo professor Mesentier, são os monumentos, os lugares de sociabilidade, ou seja, tudo aquilo que a sociedade preserva como meio de guardar seu passado.
A cidade presente guarda lugares de memória, símbolos cheios de significados, porque dependentes de quem olha ou conforme a perspectiva deste olhar. Os suportes da memória estão espalhados pela urbe, readquirindo vida, ganhando novas funções a partir do tempo moderno. Conforme a historiadora e professora Brescianni (2003, p.237):

As cidades são antes de tudo uma experiência visual. Traçado de ruas, essas vias de circulação ladeadas de construções, os vazios das praças cercadas por igrejas edifícios públicos, o movimento de pessoas e a agitação das atividades concentradas num mesmo espaço. E mais, um lugar saturado de significações acumuladas através do tempo, uma produção social sempre referida a alguma de suas formas de inserção topográficas ou particularidades arquitetônicas.
A cidade de Natal descrita por Djalma Maranhão, não existe mais. Aquela cidade da década de 1960 transformou-se, expandiu seus limites, sua topografia e muitos de seus topônimos modificaram. Hoje à encontramos na memória dos contemporâneos do antigo prefeito, nos museus, arquivos e nos traçados urbanos que continuam, como testamento da cidade, que a cada dia se verticaliza.
O professor Deífilo Gurgel, pesquisador da cultura Potiguar, em seu “Romance da cidade do Natal”, também recorda a cidade do seu tempo de rapaz. Em seus versos expressa a saudade de um tempo passado. Uma certeza apenas, tem o poeta, a velha urbe não volta mais, pois:

Depois o tempo passou,
O bonde não voltou mais,
Não voltou mais a cidade
Do meu tempo de rapaz.

 Agora, a cidade antiga
Cresce  no tempo e no espaço
E o progresso a moderniza,
A cada dia que passa.
( Gurgel, 2005, p.135 )

A cidade de Natal, de tempos passados, vive não somente na memória individual, ela, como já foi dito, está presente nos diversos lugares de memória. Construir este passado é caminhar por entre os ditos lugares de memórias. Andar pelos museus, pelas ruas, olhar as edificações antigas, “remexer” ou “vasculhar” as gavetas e estantes empoeiradas dos nossos arquivos, enfim, buscar os vestígios da paisagem urbana de outrora.
Um destes lugares de memória é o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, templo da nossa história. O IHGRN,  entre seu vasto acervo, guarda imagens da cidade de Natal do passado, documento “vivo” de sua evolução urbana. São fotos de João Galvão, Bruno Bourgard, Manoel Dantas e outros não identificados. Nestas imagens pode-se imaginar a Natal do bonde puxado a burro, época em que acompanhar um cortejo fúnebre não era tarefa fácil, e, em muitos casos quando o morto residia na Ribeira havia necessidade de ir de trem até o antigo Oitizeiro. Vê estas fotos é para a geração atual um convite à reflexão, sobre os caminhos e descaminhos da cidade dos Potiguaras.
Olhar as imagens de Natal antiga é como caminhar em uma “Cidade Memória”. Verificar as transformações ocorridas, aquela rua ou aquela edificação que não mais estão presentes na paisagem urbana, sinais de novo tempo e das intervenções ocorridas ao longo dos anos. Estes “clicks” ouvidos, alguns a mais de cem anos passados, registraram um cenário, hoje, apenas existente em “velhos e empoeirados álbuns”.

Do alto da torre da Igreja Matriz Bruno Bougard vê uma cidade a descortinar-se - Natal na primeira década do século XX - Acervo HIGRN

Imagens que expressam além das aparências, pois, apresentam a cultura de nossos antepassados, seja nos estilos arquitetônicos ou no conjunto representativo do Patrimônio Imaterial. A professora Ecléa Bosi, referência no estudo da memória, bem afirmou:

[...] Ao lado da história escrita, das datas, da descrição de períodos, há correntes do passado que só desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala, em certas pessoas, como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira de pensar, sentir, falar, que são resquícios de outras épocas. Há maneiras de tratar um doente, de arrumar as camas, de cultivar um jardim, de executar um trabalho de agulha, de preparar um alimento que obedecem fielmente aos ditames de outrora.
(BOSI, 1998,p. 75)

Esta é a Cidade Memória, viva nas fotos do ontem  a representar a evolução urbana da Cidade de Natal, assim, como sentenciou Dr. Manoel Dantas, em sua famosa conferência de 1909, "Natal D'Aqui a Cinquenta Anos":

O’ tu, cidade bendita, que soubeste viver sob o 
sudário de areia, sem blasfemar a vida;
O’ tu, que escreveste a primeira epopéia da 
coragem guerreira de Felipe Camarão;
O’ tu, que engendraste a alma forte de 
Miguelinho e o espírito varonil de André de Albuquerque;
O’ tu, que presidiste a eclosão da atividade
industrial de Juvino Barreto e da caridade cristã de João Maria;
Tu foste o berço onde se aninhou o
sonho alado de Severo e a Crisálida donde partiu o 
gênio criador de Pedro Velho;
Tu, que Auta de Souza purificou com a 
prece imaculada de seus versos e Segundo
Wanderley enalteceu com arroubos de 
sua inspiração;
Surge et ambula!
(Manoel Dantas)

Do mirante ver-se uma comunidade a descortinar-se - Conjunto Gramoré - década de 1980 - Acervo Datanorte


A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...