sexta-feira, 7 de julho de 2017

Natal: Cidade Memória

Natal: Cidade Memória
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Pós-graduando em Educação Ambiental / Instituto kennedy
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


“Não te esquecerei, Natal!
A Ribeira subindo em direção à Cidade,
Os teus primeiros bairros Rocas e Alecrim,
O Grande Ponto dos dias de hoje,
Convergência de todos os encontros
E foco de todos os boatos.
Os bairros novos:
Tirol, Petrópolis, Quintas, Conceição,
Lagoa Seca, Juruá, Guarita, Carrasco,
(Que aqui em Montevideo, onde estou exilado, 
É nome de uma praia chic),
E como estava falando em praia,
Vem a saudade de Ponta Negra e Redinha,
Areia Preta, do Meio e Circular” 
(Djalma Maranhão)

         Em sua evocação à Natal, o prefeito dos folguedos populares, Djalma Maranhão expressou toda a saudade, vivida na distante Montevideo. Exilado, banido de sua querida Natal. Na cidade Uruguaia, Djalma Maranhão e sua esposa Dária, vivenciaram a dor daqueles que não podem estar junto à “coisa” amada. 
A memória evocada pelo ex-prefeito, num primeiro instante é resultado da individualidade. Mas o fenômeno da memória está presente na coletividade, o imaginário social forma as lembranças da sociedade. Neste sentido, a memória social, reflete os sentimentos herdados de gerações, ou seja, existe um elo, atemporal, entre os membros de uma mesma sociedade. Digamos que o sentido de inserção quando cidadãos, do hoje, se reconhecem na paisagem do ontem. Como afirmou o professor Mesentier (2005, p.168):

Diferente da memória individual, a memória social se constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por estruturas sociais. A construção da memória social implica na referência ao que não foi presenciado. Trata-se de uma memória que representa processos e estruturas sociais que já se transformam. A memória social é transgeracional e os suportes da memória contribuem para o transporte da memória social de uma geração a outra.

A memória não é algo pacífico, em sua construção estão implícitas escolhas, pode-se afirmar, não existe neutralidade quando o assunto é memória coletiva. Os suportes da memória, citados pelo professor Mesentier, são os monumentos, os lugares de sociabilidade, ou seja, tudo aquilo que a sociedade preserva como meio de guardar seu passado.
A cidade presente guarda lugares de memória, símbolos cheios de significados, porque dependentes de quem olha ou conforme a perspectiva deste olhar. Os suportes da memória estão espalhados pela urbe, readquirindo vida, ganhando novas funções a partir do tempo moderno. Conforme a historiadora e professora Brescianni (2003, p.237):

As cidades são antes de tudo uma experiência visual. Traçado de ruas, essas vias de circulação ladeadas de construções, os vazios das praças cercadas por igrejas edifícios públicos, o movimento de pessoas e a agitação das atividades concentradas num mesmo espaço. E mais, um lugar saturado de significações acumuladas através do tempo, uma produção social sempre referida a alguma de suas formas de inserção topográficas ou particularidades arquitetônicas.
A cidade de Natal descrita por Djalma Maranhão, não existe mais. Aquela cidade da década de 1960 transformou-se, expandiu seus limites, sua topografia e muitos de seus topônimos modificaram. Hoje à encontramos na memória dos contemporâneos do antigo prefeito, nos museus, arquivos e nos traçados urbanos que continuam, como testamento da cidade, que a cada dia se verticaliza.
O professor Deífilo Gurgel, pesquisador da cultura Potiguar, em seu “Romance da cidade do Natal”, também recorda a cidade do seu tempo de rapaz. Em seus versos expressa a saudade de um tempo passado. Uma certeza apenas, tem o poeta, a velha urbe não volta mais, pois:

Depois o tempo passou,
O bonde não voltou mais,
Não voltou mais a cidade
Do meu tempo de rapaz.

 Agora, a cidade antiga
Cresce  no tempo e no espaço
E o progresso a moderniza,
A cada dia que passa.
( Gurgel, 2005, p.135 )

A cidade de Natal, de tempos passados, vive não somente na memória individual, ela, como já foi dito, está presente nos diversos lugares de memória. Construir este passado é caminhar por entre os ditos lugares de memórias. Andar pelos museus, pelas ruas, olhar as edificações antigas, “remexer” ou “vasculhar” as gavetas e estantes empoeiradas dos nossos arquivos, enfim, buscar os vestígios da paisagem urbana de outrora.
Um destes lugares de memória é o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, templo da nossa história. O IHGRN,  entre seu vasto acervo, guarda imagens da cidade de Natal do passado, documento “vivo” de sua evolução urbana. São fotos de João Galvão, Bruno Bourgard, Manoel Dantas e outros não identificados. Nestas imagens pode-se imaginar a Natal do bonde puxado a burro, época em que acompanhar um cortejo fúnebre não era tarefa fácil, e, em muitos casos quando o morto residia na Ribeira havia necessidade de ir de trem até o antigo Oitizeiro. Vê estas fotos é para a geração atual um convite à reflexão, sobre os caminhos e descaminhos da cidade dos Potiguaras.
Olhar as imagens de Natal antiga é como caminhar em uma “Cidade Memória”. Verificar as transformações ocorridas, aquela rua ou aquela edificação que não mais estão presentes na paisagem urbana, sinais de novo tempo e das intervenções ocorridas ao longo dos anos. Estes “clicks” ouvidos, alguns a mais de cem anos passados, registraram um cenário, hoje, apenas existente em “velhos e empoeirados álbuns”.

Do alto da torre da Igreja Matriz Bruno Bougard vê uma cidade a descortinar-se - Natal na primeira década do século XX - Acervo HIGRN

Imagens que expressam além das aparências, pois, apresentam a cultura de nossos antepassados, seja nos estilos arquitetônicos ou no conjunto representativo do Patrimônio Imaterial. A professora Ecléa Bosi, referência no estudo da memória, bem afirmou:

[...] Ao lado da história escrita, das datas, da descrição de períodos, há correntes do passado que só desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala, em certas pessoas, como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira de pensar, sentir, falar, que são resquícios de outras épocas. Há maneiras de tratar um doente, de arrumar as camas, de cultivar um jardim, de executar um trabalho de agulha, de preparar um alimento que obedecem fielmente aos ditames de outrora.
(BOSI, 1998,p. 75)

Esta é a Cidade Memória, viva nas fotos do ontem  a representar a evolução urbana da Cidade de Natal, assim, como sentenciou Dr. Manoel Dantas, em sua famosa conferência de 1909, "Natal D'Aqui a Cinquenta Anos":

O’ tu, cidade bendita, que soubeste viver sob o 
sudário de areia, sem blasfemar a vida;
O’ tu, que escreveste a primeira epopéia da 
coragem guerreira de Felipe Camarão;
O’ tu, que engendraste a alma forte de 
Miguelinho e o espírito varonil de André de Albuquerque;
O’ tu, que presidiste a eclosão da atividade
industrial de Juvino Barreto e da caridade cristã de João Maria;
Tu foste o berço onde se aninhou o
sonho alado de Severo e a Crisálida donde partiu o 
gênio criador de Pedro Velho;
Tu, que Auta de Souza purificou com a 
prece imaculada de seus versos e Segundo
Wanderley enalteceu com arroubos de 
sua inspiração;
Surge et ambula!
(Manoel Dantas)

Do mirante ver-se uma comunidade a descortinar-se - Conjunto Gramoré - década de 1980 - Acervo Datanorte


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