domingo, 12 de maio de 2019

Mailde Pinto Galvão, obrigado!


Mailde Pinto Galvão, obrigado!
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

1964: aconteceu em abril*
(Para Mailde)

Abril tempos de repensar
Falar é necessário
Democracia liberdades em risco
Tempos de uma legalidade interrompida
Dias sombrios
Golpe, não revolução!
21 anos de obscurantismo
Torturas
Prisões
Desaparecidos políticos!
*Título do livro de Mailde Pinto Galvão
(Luciano Capistrano)

            Conheci Mailde Pinto Galvão, através do seu livro 1964: aconteceu em abril, uma publicação da Livraria Clima, do saudoso livreiro Carlos Lima, faço aqui um pequeno parêntese, para dizer da importância do livreiro da rua dr. Barata, o homem da Livraria Clima, para as letras potiguares. Grande Carlos Lima. Bom retornemos ao texto.
            Mailde Galvão em seu 1964: aconteceu em abril, encontrei um relato pujante sobre os dias que se seguiram a tomada do Poder pelos golpistas, militares e civis associados, desferiram um golpe a frágil democracia brasileira. Em seu relato escancara as ações ocorridas em solo potiguar, tecendo um cenário com diversos personagens e suas atitudes perante a defesa ou o ataque ao regime democrático.
Na dedicatória um silencioso desabafo de quem sofreu as agruras dos perseguidos injustamente por um Estado autoritário:” É igualmente, a oportunidade para lembrar e agradecer os gestos de solidariedade que todos nós, os “subversivos”, recebemos de pessoas que participaram da nossa história.”(PINTO, Mailde Galvão. 1964: Aconteceu em abril. Natal: Clima, 1964)
Mailde Pinto, aproveito a oportunidade para lhe agradecer, in memória, pela coragem e altivez com que enfrentou as tribulações e por ter publicado tão importante contribuição para nossa história. Gratidão.
Não é fácil para quem vivenciou o trauma da prisão, os anos das liberdades proibidas, falar ou escrever sobre este período de nossa história. Como disse Mailde Pinto(1994, p.1):

Este relato de fatos ocorridos em 1964 tem a pretensão de contribuir para o conhecimento da história do golpe militar no Rio Grande do Norte, focalizando, preferencialmente, os acontecimentos que atingiram a Prefeitura Municipal de Natal, nos quais fui envolvida, com alguns companheiros de trabalho do setor de educação e cultura do município. 
Por dificuldades emocionais, muitas vezes tive que interromper esta reconstituição; mas eu vivi, sofri e sobrevivi à perseguição da ditadura. Sinto-me, pois, moralmente comprometida a tirar da escuridão as minhas lembranças reprimidas.

            Mailde Pinto Galvão, participou de um dos grandes projetos de educação já ocorrido na cidade de Natal, na Campanha de Pé No Chão Também Se Aprende A Ler, durante a administração do Prefeito Djalma Maranhão. Seu crime o de ter trabalhado em uma administração perseguida por:

[...] alfabetizar vinte e cinco mil crianças, na primeira campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, reconhecido pela UNESCO como válida para as regiões subdesenvolvidas do mundo, num país de humilhante maioria de analfabetos, e lutar para dar ao povo acesso às fontes do saber, no plano de democratização da cultura. 
[...] fazer feira de Livros, de construir uma galeria de arte e estimular o teatro do povo. De restaurar e promover a revalorização dos autos folclóricos. De abrir bibliotecas populares que estabeleceram recordes nacionais de empréstimos de livros, numa cidade que não tinha nenhuma biblioteca pública. (GÓES, Moacyr de (org.) Dois Livros de Djalma Maranhão no Exílio. Natal: Prefeitura Municipal do Natal, 1999, p. 262).

            Aconteceu em 1964 uma ruptura da democracia, governos como o de Djalma Maranhão foram interrompidos e seus gestores presos ou exilados, seus programas interrompidos. Neste sentido faço neste artigo ao trazer a memória de Mailde Pinto, um canto de lembranças destes tempos sombrios vividos pela sociedade brasileira.
 Hoje vivemos uma tal onda de revisionismo histórico a fazer nos lembrar dos embates historiográficos na Alemanha dos anos 1980. Vozes como a do historiador Ernst Nolte com sua tese de justificativa do nazismo alemão. Conforme diz a historiadora Ana Lima Kallas, em seu artigo Usos públicos da história: origens do debate e desdobramentos no ensino de história, “Segundo Nolte, diante de tantos massacres em massa no século XX, tais como os realizados pelos Estados Unidos no Vietnã e o Gulag soviético, os alemães ocidentais deveriam ficar em ‘paz consigo mesmos’ e deixar ‘o passado em passar’”(Revista de História Hoje, vol. 6, nº 12, p.132, 2017).
Enfrentar o passado e não deixar passar os traumas vividos nos pós 1964 pela sociedade brasileira é uma função urgente dos historiadores.
Ao abordar esse tema a luz de relatos como o de Mailde Pinto Galvão, faço um convite para embarcarmos na locomotiva do passado e de forma clara compreender os caminhos de nossa história recente. Pois:

De fato, o Golpe Militar de 1964 pode ser acusado de muitas coisas menos de ter sido uma mera quartelada. Havia muito, tal intervenção era discutida em instituições, como a Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), fundado em 1962 por lideranças empresariais. Outro indício de que o golpe vinha sendo tramado havia tempos ficou registrado nos documentos da operação ‘Brother Sam’, através da qual se prevê, caso houvesse resistência, que o governo norte-americano ‘doaria’ 110 toneladas de armas e munições ao Exército brasileiro. Por ser fruto desse planejamento, não é surpreendente que a instituição militar apresente um projeto próprio de desenvolvimento para o país – aliás, compartilhado pela maioria do empresariado nacional. Em larga medida, tal projeto consiste em retomar o modelo implantado em fins da década de 1950, aquele definido como tripé, baseado na associação entre empresas nacionais privadas, multinacionais e estatais. (DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, p. 275 e 276)

            Mailde Pinto, 1964 aconteceu antes de abril e ainda acontece, quando nos vemos diante de uma onda revisionista a dizer equivocadamente ter sido o golpe Militar/Civil-1964 um movimento ou uma “ditabranda”. Mailde Pinto Galvão obrigado por ter deixado um relato sobre os tempos sombrios ocorridos na Natal da década de 1960.
            Façamos de nossas inquietações, sempre, um diálogo democrático.
           

           




quarta-feira, 8 de maio de 2019

Patrimônio Cultural de Natal: um convite à preservação



Patrimônio Cultural de Natal: um convite à preservação 
Luciano Capistrano 
Professor e Historiador 


Uma cidade não se abre 
Fácil, como um guarda-chuva, 
A quem sequer não a tem. 
Uma cidade é como a luva: 
Sem o gesto e a medida 
Exatos de quem a calça, 
Jamais se entrega a alguém 
Por mais força que se faça 
Para tê-la ou possuí-la. 
Pode tê-la, mais sem uso, 
Simples adorno ocultando 
A sua alma ao intruso... 
(Romance da Cidade de Natal – Nei Leandro de Castro) 



         A cidade é um lugar de múltiplas identidades, andar por ruas e vielas é viver uma rica experiência do espaço urbano. Em meu ofício de historiador me encaminhei pelos caminhos sinuosos da cidade de Natal em busca de compreendê-la, entender sua expansão ao longo do tempo. A cidade, como diz a poesia de Nei Leandro de Castro “não se abre fácil”. Neste percurso, trilhei as veredas abertas por memorialistas, cronistas, poetas, fotógrafos, urbanistas, historiadores, enfim, por escritos sobre o espaço urbano. 
           O historiador José D’Assunção Barros, nos dá pistas para abrir as veredas da cidade de forma a nos apropriarmos de seus significados. Caminhar pelo espaço urbano é então um exercício do olhar edificações, praças, monumentos, ruas... gentes. A cidade é um texto aberto: 

Uma última implicação da metáfora da cidade como texto ou como discurso é a de que o complexo discurso urbano aloja dentro de si diversos discursos de todas as ordens. A cidade também fala aos seus habitantes e aos seus visitantes através dos nomes próprios que ela abriga: dos nomes de ruas, de edifícios, de monumentos. O grande texto urbano aloja dentro de si textos menores, feitos de placas de ruas que evocam memórias e imaginários, de cartazes que são expostos nas avenidas para seduzir e informar, de sinais de trânsito que marcam ritmo da alternância entre a paisagem permitida e os interditos aos deslocamentos no espaço. A cidade é um grande texto que tece dentro de si uma miríade de outros textos, inclusive os das pequenas conversas produzidas nos encontros cotidianos. (BARROS, José D’Assunção. Cidade e História. Petrópolis: Vozes, 2012, p.45) 

           O Patrimônio Cultural é o percurso mais seguro para desvendar a cidade. Natal com seu acervo a céu aberto nos ensina sobre sua história, descer a ladeira da avenida Câmara Cascudo tem um sentido de sala de aula. São os sinais das intervenções realizadas na década de 1910, a balaustrada, as iluminarias, o bonde elétrico, as novas edificações, dando uma nova ressignificação ao espaço urbano. O relógio a marcar o tempo de quem descia ou subia a ladeira, sobre os olhares dos estudantes do Atheneu e as orações dos membros da Igreja Presbiteriana. 
           O tempo, implacável, segue o sinal da fábrica de tecido, lá no “pé da ladeira”, fronteira dos Xarias e Canguleiros, marcas de um passado guardado nas Actas Diurnas de uma cidade que cresceu para além das Quintas. 
             Neste emaranhado de histórias, se faz necessário o fazer pedagógico, a Educação Patrimonial é o instrumento a ser utilizado na perspectiva do cidadão ou visitante da urbe conhecer os traços urbanos e incorporar a identidade ou, melhor dizendo, se sentir pertencente a cidade. O sentimento de pertença, de identificação com uma praça ou um monumento, é o melhor instrumento de preservação. 
         A ideia deste texto é trazer ao diálogo as questões referentes as políticas de preservação do Patrimônio Cultural. A ausências das politicas ou as politicas existentes, este é o mote a ser enfrentado por historiadores, urbanistas, técnicos dos órgãos de preservação, IPHAN, Fundação José Augusto, Funcart (Secretaria Municipal de Cultura) e Semurb , e, claro a sociedade civil, partícipe, deste processo de construção de programas de Estado sobre a Preservação do Patrimônio Cultural. 
      O Pac das Cidades Históricas, as diversas legislações - nos três níveis da federação, União, Estado e Município -, são mecanismos de preservação importantes, mas, temos de pensar ações para além destes instrumentos. Finalizo aqui este, Patrimônio Cultural de Natal: um convite à preservação. Continuarei a fazer deste tema um labutar diário enquanto historiador. 

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Zuzu Angel: a dor de uma mãe


Zuzu Angel: a dor de uma mãe 
Luciano Capistrano 
Historiador e Professor 



Do Galeão 


Do Galeão 
Voos 
Gritos 
Dores 
Um algoz 
Burnier 
Estado cadafalso de legalidade 
Angel 
Vira 
Desaparecido político. 
(Luciano Capistrano) 



           Zuleika Angel Jones, estilista, uma das personalidades mais importante da história da moda brasileira. Zuzu Angel, simplesmente, como era conhecida. Mãe de Stuart Edgar Angel Jones, torturado e morto pelos órgãos de repressão. Uma mãe, como tantas outras, que perderam seus filhos. Zuzu Angel, passou sua vida, depois do triste outubro de 1971, denunciando os algozes do seu filho. Em 1976, em um suspeito acidente de carro, morreu. Morreu sem saber poder enterrar o corpo do seu filho, até hoje inserido na lista dos desaparecidos. 
          As mães são seres iluminados, ao trazer as lembranças doloridas, deste caso, neste mês de maio, mês das mães, faço para provocar uma reflexão sobre os desmandos dos governos autoritários. 
           Segundo o ex preso político Alex Polari de Alvarenga, Stuart Angel, foi torturado e morto na Base Aérea do Galão: 

Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA (Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica). Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre ás acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem números de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos. (Direito à Memória e à Verdade: Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007, p. 161) 

         Sobre o desaparecimento do corpo de Stuart Angel existem diversas versões, desde de ter sido enterrado em um cemitério do Rio de Janeiro, numa vala comum, como indigente sem identificação, até o de ter sido levado em um helicóptero e jogado seu corpo em alto mar. 

Quem é essa mulher 
Que canta sempre esse estribilho? 

Só queria embalar meu filho 
Que mora na escuridão do mar. 

Quem é essa mulher 
Que canta esse lamento? 

Só queria agasalhar meu anjo 
E deixar seu corpo descansar. 
( Angélica – Letra Chico Buarque) 

             Zuzu Angel, como diz a letra de Chico Buarque, não conseguiu “embalar seu filho” para deixar “seu corpo descansar”. Mãe, enquanto viveu, fez do seu ofício de estilista uma barricada de resistência. Em 1971 promove um desfile no consulado brasileiro em Nova York com peças denunciando o desaparecimento do seu filho. Suas criações passaram a estampar canhões, pássaros engaiolados, meninos e anjos amordaçados. 

    O mundo da moda e a Ditadura escancarada na passarela - Zuzu Angel denuncia as torturas no  Brasil.
               O Brasil Tri Campeão do Mundo, na Copa do México de 1970 no ano seguinte  era estampado nas passarelas do mundo como o país das torturas e violações dos direitos humanos. Essa realidade brasileira de prisões ilegais era uma prática crescente nos anos iniciais do governo do General Presidente Emílio Garrastazu Médici. Conforme o Brasil Nunca Mais: 

[... ] Médici dá início, em 30 de outubro de 1969, ao governo que representará o período mais absoluto de repressão, violência e supressão das liberdades civis de nossa história republicana. Desenvolveu-se um aparato de “órgãos de segurança”, com características de poder autônomo, que levará aos cárceres políticos milhares de cidadãos, transformando a tortura e o assassinato numa rotina. (BRASIL, Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 63) 

          Ao encerrar este curto artigo lembro que no Brasil, mesmo no período do governos dos generais presidentes a tortura não fazia parte da Constituição, a Lei de Segurança Nacional não tinha em seus artigos o Pau-de-arara ou o Choque elétrico, como instrumentos legais de investigação, então, esses crimes cometidos pelos agentes de segurança do Estado Brasileiro são atos cometidos, pelo submundo da ditadura militar/civil, contra o próprio Estado. 
Façamos das nossas inquietações, sempre, um diálogo democrático. 







A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...