Luciano Capistrano
Professor e Historiador
Festas juninas, fogueiras, balões, bandeirinhas e um
baú de memórias a dizer de uma cidade que ficou no passado. A Natal avançou
para além das Quintas e as cinzas das fogueiras de outrora, os sons dos fogos,
traques, chumbinho, quase não se vê, A modernidade da urbe reservou para o
antigo e empoeirado álbum as recordações dos festejos juninos.
As brincadeiras em volta da fogueira, as comidas a
base de milho, eram tudo motivo para a criançada e adultos abraçarem a noite de
céu estrelado, a espera da lua ou do sol. Quadrilhas improvisadas e as
ensaiadas, com o marcador ao centro, e o trio a tocar, sanfona, triangulo e
zabumba, dando o ritmo do forró deixando os casais com o suor pingando,
escorrendo pelo rosto.
Oxente, seu menino, sua menina, este texto segui uma
pagada saudosista, me vejo como a escrever em uma Remington, e a ouvir nas
ondas do rádio Elino Julião e seu Forró da Coréia:
Barco perdido, bem carregado
Eu tinha chegado em Natal
Muito mal eu sabia
Onde eram as Rocas
Caí na fofoca legal
Do Arial eu fui à pista
Limpei a pista na Vedéia
Saí tomando uns capilés
Quando eu dei fé
Tava na coréia
Só tem véia
Só tem véia
É neste embalo que trago à memória meus dias de
criança, calças curtas, correndo, na Vila Mauricio. Meu mundo encantado, lugar
das alegres fantasias, ao doce sabor das pinhas encontradas no quintal de casa,
meu refúgio. Menino, da vila, me alegrava os dias de chuva, quando, senhor dos
mares, via naufragar na correnteza de águas turvas, que invadiam a vila, e,
muitas vezes minha casa e dos vizinhos, os barquinhos de papéis.
Infantis
Navegantes
Navegadores dos
tempos de outrora
Em barquinhos de
papéis
Dos dias de chuvas
Córregos
Enxurradas
Límpidas, puras ,
crianças a brincar
Nas ruas, por
entre bicas e gotas,
A molhar
De felicidades
inocentes
No infinito mundo
Da Vila Maurício,
guardada
No baú das alegres
brincadeiras
De crianças
Infantis
navegantes.
(Luciano
Capistrano)
Nestes
tempos confusos, em que a humanidade, caminha em direção ao fundo do abismo da
individualidade, relembrar a infância chega a ser uma dose de ânimos para
acreditar em um mundo mais solidário, mais alegre, como alegre foram meus dias
na Vila Mauricio. Apesar das noites sombrias.
Lá na vila, descobri também a dor do outro. Duas
imagens não saem das minhas lembranças. Uma de um menino, não recordo o nome,
sendo carregado nos braços, já sem vida, depois de ter se acidentado na linha férrea
quando brincava com seu carrinho de rolimã, e , a outra imagem que me impactou,
foi quando em uma certa manhã, entrei na mercearia de seu Albano e vi no chão
uma senhora a comer restos de macarrão, me pareceu uma mistura de macarrão com “graxa”
de galinha, derramada no chão.
Essas imagens seguem meu viver.
O mundo da Vila Maurício, na avenida 12, bairro das Quintas,
tem também a marca das noites, que eu e meus irmãos, acompanhados com minha mãe
Ceci, dormíamos, juntinhos, nas noites frias em que papai, Benjamin, viajava
para Recife, onde respondia um processo na justiça militar, por suas ideias nos
obscuros anos do pós abril de 1964. Tempos de perseguição as ideias, quando o
autoritarismo verde oliva, unido a setores da sociedade brasileira, interromperam
o governo do Presidente João Goulart, e, instauraram um governo de caráter ditatorial.
Ecoa nos ouvidos das minhas lembranças, sons dos
medos de minha mãe, de uma possível prisão de papai. A cada viagem a Recife, a
cada intimação, um descompasso no coração. Naqueles tempos mamãe já sabia das
diversas histórias de torturas e desaparecimentos de presos políticos. Em 09 de
abril de 1964, papai foi enquadrado no Ato Institucional Nº 1, sendo afastado
do serviço público, passou junto com mamãe e minha irmã mais velha, Rejane, momentos
de aflição e privações. Fez Noite escura na Vila Mauricio de minha infância!
O som de Elino Julião, as fogueiras e os chumbinhos, já
fazem parte de um pôr do sol a anunciar que a noite não é para sempre e apesar
das noites obscuras, o sol das liberdades democráticas, sempre vem.
Façamos das nossas inquietações, sempre, um diálogo
democrático.
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