segunda-feira, 26 de março de 2018

De cinemas e memórias: Divagações


De cinemas e memórias: Divagações
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade

Quando criança, além das brincadeiras de rua, o que me animava era a ida ao cinema, quanta alegria nos domingos, quando papai e mamãe levavam eu e meus irmãos para ver a sétima arte. O Rio Grande, o Rex, o Cine Nordeste e o Panorama, fazem parte de minha memória afetiva, tempos bons, filmes, brincadeiras, pipocas com guaraná “champanhe” e, nos dias de “esbanjamento”, tinha torrada com vitamina de abacate na Casa da Maçã, delicias.
Uma época de cidade pacifica, andávamos sem preocupação com a violência, assaltos era coisa rara de acontecer.
Nestes dias, de crises, ‘carne fraca”, “lava jato”, “golpe”, violência sem limite, dias de tantas interrogações, aproveitei para reler alguns livros, entre eles “Écran Natalense”, clássico sobre a história do cinema em Natal, obra de referência para quem deseja conhecer os caminhos da história cinematográfica potiguar. Anchieta Fernandes, pesquisador e participe da cena urbana de Natal, enveredou com outros amantes do cinema pelos caminhos dos Cine Clube Tirol, “movimento” importante na difusão entre parte da juventude dos anos de 1950/1960, da Sétima Arte, o pesquisador nos presenteia com uma excelente publicação, do Sebo Vermelho, sobre este universo da “telona” na cidade de Natal.
Publicado em 1992 “Écran Natalense” é leitura obrigatória para quem deseja conhecer o mundo do cinema em Natal. O Cine Nordeste, por exemplo, é apresentado por Anchieta Fernandes:

Quase ao final da década de 50, Natal teve inaugurado seu primeiro cinema com ar condicionado. O Cine Nordeste, da Cireda. A primeira sessão para o público foi a 20 de dezembro de 1958, exibindo o filma “O Príncipe e a Parisiense”, do diretor francês Michel Boisorond. [...] {lembranças} do tempo em que passava o Cinema de Arte no Nordeste, e todos íamos conversar nas mesas da Sorveteria Oásis, tomando algum sorvete ( a preferência era por sorvete de abacate) antes de começar a sessão. A sorveteria hoje não existe mais, e seu espaço agora é ocupado pela Farmácia Padre João Maria. (FERNANDES, Anchieta. Écran Natalense. Natal: Sebo Vermelho, 1992, p.119-123)

          Hoje, muito em decorrência da violência e da comodidade encontrada nos shoppings, não temos mais os “cinemas de rua”, as grandes salas de cinema, do bairro da Cidade Alta ao bairro do Alecrim, desapareceram. A geração atual, chega a ficar “espantada” , quado dizemos, “sim, o Alecrim tinha cinema”:

Se indagássemos aos jovens do século XXI sobre cinemas em Natal, muitos falariam das salas cinematográficas que existem nos shopping centers da capital. A maioria não se recorda das salas de cinema do Rex, Rio Grande, Nordeste, Panorama e Rio Verde, famosas nas décadas de 1970, 1980 e primórdios da década de 1990, nem daquelas localizadas na Cidade Alta, Rocas ou Petrópolis. Mas era no bairro do Alecrim onde se concentrava o maior número de salas de cinema da cidade entre as décadas de 1920 e 1950, frequentadas em sua juventude por avós, tios e pais.( ALVEAL, Carmen M. O. etal . Memória minha comunidade: Alecrim. Natal: SEMURB, 2011, p.114)

          De cinemas e memórias: divagações, como uma colcha de retalhos, feita por minha avó Paulina, vou caminhando na estrada de Clio, buscando compreender a urbe e suas resignificações ao longo do tempo. A cidade traz na sua essência a transformação da paisagem, os lugares ganham em tempos outros, funções diferentes e assim, entre o antigo e o novo, me encontro, neste tempo presente a olhar o passado.
           Ao fazer este percurso sobre o “asfalto” do passado, sigo as palavras do Historiador Jacques Le Goff: “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”. (GOFF, Jacques Le. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, p.471)
         Enfim a cidade cresceu - os cinemas de ruas, encontraram abrigos nos shopping centers, as conversas de calçadas, na “boca da noite”, são momentos raros, as ruas viraram espaços temerários -, as incertezas, neste caldeirão dos tempos presentes, é o que temos de mais promissor. Nos resta escrever e provocar o dialogo sobre os caminhos e descaminhos da urbe.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.


Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5:
Sangra-se as liberdades.
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


           No dia 28 de março de 1968, um jovem estudante secundarista, Edson Luís de Lima Souto, foi morto em um conflito entre estudantes e a Polícia Militar. O cenário de “guerra” aconteceu no restaurante Calabouço, o uso de armas de fogo, por parte das forças de segurança pública, causou a morte de um jovem, em meio ao agitado ano de 1968. Nesta época, os “ventos” vindos de diversas partes da Europa, principalmente da França, incentiva, em todo Brasil uma reação de parte da sociedade contraria ao rompimento do processo democrático ocorrido com o golpe militar civil de 1964.
          O ano de 1968 é um capítulo importante na mobilização contra o golpe, as praças são ocupadas, o grito por democracia ecoa em diversos lugares do país. A morte de Edson Luís, causa uma comoção em setores, antes silenciados, a classe média vai as ruas protestar contra as ações autoritárias implantadas com os generais presidentes. Conforme o Historiador Carlos Fico:

O impacto na opinião pública foi muito grande. A censura rigorosa da imprensa ainda não havia sido implantada, de modo que os jornais puderam noticiar o ocorrido, inclusive com fotos dramáticas do cadáver do jovem morto. […] Uma faixa exibia frase contundente para a classe média: “mataram um estudante: podia ser seu filho.” […] A morte de Edson Luís gerou protesto pelo Brasil afora […] O governo decidiu reprimi-las. No dia 4 de abril, a polícia montada atacou as pessoas que saíam da missa de sétimo dia de Edson Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. (FICO, Carlos. São Paulo: Ed. Contexto, p. 63-64, 2015).

        A livre manifestação é reprimida, em uma demonstração de força autoritária, os militares impunham a “paz” das baionetas, muitos foram os casos de ataques, como o ocorrido durante a missa de sétimo dia, quando o as escadarias da igreja de Nossa Senhora da Candelária, na cidade maravilhosa, testemunhou a truculência, como salientou Carlos Fico.

A palavra
Silenciada
Não é Palavra
É calabouço.
(Luciano Capistrano)

          A sociedade brasileira viveu dias de idas e vindas, nas veredas das liberdades, os movimentos sociais, espalharam por todas as regiões ações de mobilização contras as atitudes repressivas, abria-se uma “fresta” nas portas do arbítrio. O mês de junho é marcado por um dos mais fortes atos em defesa das garantias individuais, a “Marcha dos Cem Mil”. Sobre este momento, o Historiador Jacob Gorender, em Combate nas trevas, faz a seguinte observação:

O dia 26 de junho marcou o momento de auge com a Passeata dos Cem Mil, que se concentrou na Cinelândia carioca e percorreu a avenida Rio Branco, até a Praça Quinze. […] Presentes vedetes da música popular, da televisão e do teatro, escritores, jornalistas e políticos, professores e líderes sindicais. Tal a repercussão que o Presidente Costa e Silva se dispôs a receber em Brasília a comissão representativa dos organizadores da passeata. Nada resultou do diálogo, mas esta foi a única e última vez que um general-presidente concedeu a uma comissão popular. (GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ed. Ática,p. 148, 1997)

       O ano de 1968, com  março marcado com o sangue do jovem Edson Luís, e, junho com a grande marcha dos Cem Mil, não terminou bem para o restabelecimento da democracia. Em 13 de dezembro, o governo do general-presidente, decreta o Ato Institucional n. 5. Este famigerado AI-5, dotou o general-presidente de poderes ditatoriais. Fecha-se o Congresso Nacional, faz escuro a democracia.

1964… sangra-se liberdades!

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Tortura-se
Prende-se
Exila-se
Silencia-se
Desaparecidos políticos.

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Censura-se
O pensar
Mordaça-se
A fala
Democracia interrompida
1964… sangra-se liberdade!
(Luciano Capistrano)

       Nestes tempos de democracia em risco, façamos o bom diálogo, lembrar para não repetir. Finalizo, com essa provocação: Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.

domingo, 18 de março de 2018

Da Ribeira às Quintas: a leitura da urbe através dos seus poetas, cronistas, fotógrafos. Inquietações!


Da Ribeira às Quintas: a leitura da urbe através dos seus poetas, cronistas, fotógrafos. Inquietações!
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade

O poeta e folclorista Deífilo Gurgel nos transporta em sua poesia a Ribeira Velha de Guerra, uma Ribeira de um tempo passado, uma Ribeira a permanecer na escrita de cronistas e memorialistas, presente ainda, em fotos amareladas guardadas em empoeirados arquivos. Diz o poeta:
[ ... ]
Em frente ao ‘Cova da Onça’,
Parrepistas liberais
Trocam mais que insultos, tiros.
Morre o povo, corre o povo,
Que todos somos mortais.

Tabuleiro da Baiana”,
Fumaça” serve cartolas
- banana, queijo e canela –
Para a fome dos bacanas.

Ai perto, o Potengi
delira em festas, é tarde
de regatas, o sol arde
e arde o povo, em frenesi
[ ... ]

Ribeira velha de guerra,
às tuas noites de paz,
retornam velhas figuras
que os anos não trazem mais.
[ ... ]
( Deífilo Gurgel – Os Bens Aventurados, 2005)

A poesia caminha na nostalgia, falando de um lugar distante no tempo, um lugar vivo na memória de quem ao andar no largo do Teatro Alberto Maranhão, onde hoje funciona o museu de cultura popular Djalma Maranhão, antes de ser erguida a antiga rodoviária, encontrava-se o Tabuleiro da Baiana, lugar de encontro da boêmia da cidade que se fazia “metrópole”, ainda muito provinciana.
        A cidade de Natal tem na Ribeira um dos seus primeiros bairros. Lugar de canguleiros, lugar berço das atividades comerciais. Região portuária, tem na rua Chile, antiga rua do Comércio, às marcas, o testemunho das embarcações embarcando e desembarcando produtos, viajantes saindo e chegando na terra do rio grande, fervilhando vida no Cais da Tavares de Lyra. Era um prenúncio de uma urbe em rota de desenvolvimento.
Bairro das grandes lojas, a Ribeira era o centro comercial, lugar chic de Natal, como bem informou Lair Tinôco, em Tempo de Saudade, saudosa, assim se refere ao bairro de suas memórias:
A Ribeira era formada de comércio e residências. A rua Dr Barata era a rua chic da cidade, isto no que diz respeito aos seus estabelecimentos comerciais. Destes estabelecimentos salientavam-se “A Formosa Síria Armazém Potiguar”, “Armarinho Santa Terezinha”, Tácito M. Brandão”, “Relojoaria Farache”, “Sapataria Nolasco”, “Casa Lux”, “Sérgio Severo”, com ótimas representações, entre elas, rádio Philips, Holandeses legítimos, além de outros tantos estabelecimentos. ( TINÕCO, 1992, p. 48)
          Percebe se na fala/escrita de Lair Tinôco, o quanto era importante o comércio, deste que é apontado por alguns como o segundo bairro a ser criado em nossa cidade, uma circulação de mercadorias e pessoas davam ao bairro no início do século passado, nas primeiras décadas do século XX, uma feição de cidade polo, fazendo jus ao título de capital do Rio Grande do Norte, condição muitas vezes posta em questão por ter ao longo do tempo um desenvolvimento econômico inferior a outros municípios potiguares, como por exemplo Macaíba, cidade vizinha , Macaíba exerceu até o início do século XX, intensa atividade econômica, tendo sua balança comercial em alguns momentos ultrapassado a capital do estado. O empório instalado naquele município por Fabricio Gomes Pedroza, transformou o porto do Guarapes, em diversos momentos, mais movimentado do que o porto de Natal. Os desafios enfrentados por antigos administradores foram enormes. Em fins do século XIX, já existia por parte de comerciantes uma demanda com relação a modernização do porto da capital potiguar, como bem assinala a professora Giovana Paiva de Oliveira, em De Cidade a Cidade:
Por sua vez, o comércio local reivindicava também as obras de melhoramento do porto de Natal, pois dependia da compra de mercadorias em centros produtores, e a entrada da barra do rio não permitia o acesso de vapores de maior porte. Acreditava-se que superado esse obstáculo, o comércio natalense importaria diretamente, inclusive da Europa, facilitando o abastecimento da cidade. ( OLIVEIRA, p.45, 1999)

        Essas intervenções urbanas possibilitaram ganhos para a cidade, com o porto ampliado ocorreu uma intensificação das atividades comerciais entre a capital com os outros municípios e com outros estados, deste formatando novas perspectivas econômicas para os potiguares. Esse aspecto comercial da Ribeira, suas lojas, seus comerciantes, é bem registrado na obra Comerciantes e Firmas da Ribeira (1924 -1989)) – Reminiscências , Júlio César de Andrade, faz uma verdadeira “peregrinação” por ruas fervilhantes do ponto de vista comercial. Entre outras ruas e avenidas Andrade destaca a rua Dr Barata, conforme suas memórias: “Era o local de comércio chique da cidade. Aqui ficavam as principais casas da moda, por isso o lugar indicado para o footing”. Na época da 2ª Guerra Mundial o movimento e os negócios ali mais cresceram”.(ANDRADE, p. 69, 1989)
    Um ponto interessante para ser lembrado sobre a Ribeira é o encontro da intelectualidade natalense nas livrarias de intelectuais, estudantes, enfim, homens e mulheres amantes dos livros e de uma boa prosa. Assim:

[ ... ] na frente da Livraria Cosmopolita, reúne-se, todas as tardes, uma turma de primeira grandeza, de homens sérios, bem instalados na vida. O mais assíduo é o Dr. Nestor Lima, advogado famoso, presidente do Instituto Histórico, membro de todas as sociedades literárias da terra. Ali também assinam o ponto os juristas de notável saber, austeros desembargadores. Na Livraria Internacional, de João Rodrigues, depois de uma rápida passagem na Loja de Livros, de Santana e na Agência de Luís Romão, reúne-se a turma mais moça [ ... ] A Livraria Lima, de João Nicodemos de Lima, não é somente ponto de intelectuais, como também de estudantes [ ... ] Mas a freguesia da Livraria de João Nicodemos é principalmente ao “sebo” de livros velhos lá existente, onde encontra obras de real valor, misturados com aranhas caranguejeiras ... (MARANHÃO, p.61-62, 2004)

       Neste universo das escritas, reminiscências, poesias, crônicas, pesquisas acadêmicas, enfim, memórias são construídas ou preservadas de uma urbe do passado, além destes caminhos trilhados para adentrarmos a uma cidade não mais existente, a fotografia também se reveste como um importante instrumento de compreensão das transformações ocorridas ao longo do tempo. A cidade é sua escrita:
[...] Por vezes imperceptível na paisagem de um dia a outro, este deslocamento da escrita urbana deixa-se registrar e entrever na longa duração. [...] Este “deslocamento social do espaço” também acaba por se constituir em uma forma de escrita que pode ser decifrada. As motivações para este deslocamento podem ser lidas pelo historiador: a história da deterioração de um bairro pode revelar a mudança de um eixo econômico ou cultural, uma reorientação no tecido urbano que tornou periférico o que foi um dia central ou ponto de passagem importante. (BARROS, p.41-42, 2012)

São cenários, paisagens, ordenamentos, fronteiras, expansão do território urbano para depois dos limites do canal do Baldo, subida do areal do cemitério do Alecrim, antes zonas rurais, compondo deste modo a paisagem histórica da cidade de Natal. A cidade escrita – façamos a leitura da urbe através dos seus poetas, cronistas, fotógrafos -, diz da Ribeira que subiu a ladeira e expandiu-se por dunas e se estendeu para além das Quintas. Enfim, são inquietações, façamos o diálogo sobre a história e os caminhos da urbe.

REFERENCIAS
ANDRADE, Júlio César de. Comerciantes e firmas da Ribeira (1924 – 1989) – Reminiscências. Natal: Fundação José Augusto, 1989.
BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes, 2012)
MARANHÃO, Djalma. Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, centro convergente e irradiador da vida natalense. Natal: Sebo Vermelho, 2004. (Org. Notas e Pesquisa: Cláudio Galvão)
OLIVEIRA, Giovana Paiva de. De cidade a cidade. Natal: EDUFRN, 1999.
TINÔCO, Lair. Tempo de saudade. Natal: Fundação José Augusto,1992.


                  Teatro Alberto Maranhão - Foto João Galvão - Década de 1920 - Acervo IHGRN


      Porto de Natal - Década de 1910 Foto Bruno Bourgard Acervo IHGRN









quarta-feira, 14 de março de 2018

13 de março de 1964, um discurso, muitas reflexões


13 de março de 1964, um discurso, muitas reflexões
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?
Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.
A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver. ” (Trecho do discurso de João Goulart no dia 13 de março de 1964 na Central do Brasil – Acessado em http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-de-jango-na-central-do-brasil-em-1964)
           O comício da Central do Brasil, é apontado por diversos historiadores como sendo a gota d’água na fervura vivida pela sociedade brasileira, nos tumultuados dias anteriores ao golpe civil-militar de abril de 1964. As forças conspiradoras, encamparam o discurso acusador de Jango “comunista”.
         O Presidente João Goulart (Jango), político “cria” do antigo PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, expoente da linhagem nacional desenvolvimentista, não era aceito por setores militares e civis, capitaneados por interesses estrangeiros, notadamente, articulados a partir da embaixada norte-americana, chefiada no Brasil, a época, por Lincoln Gordon:
Obviamente não podia imaginar que aquilo fosse acabar em regime de exceção prolongado. Se alguém me sugerisse naquele dia que o governo militar iria durar 21 anos, eu diria que o sujeito era louco. A famosa operação Brother Sam, que se atribui à CIA, foi na verdade uma operação da marinha de guerra orquestrada por mim (GORDON apud COUTO, 1999, p.57).
          Fica claro no depoimento do ex embaixador Lincoln Gordon, a participação direta dos EUA, na derrubada do governo de Jango e instalação em solo brasileiro de um regime ditatorial comandado pelos militares associados aos interesses externos com apoio de grupos políticos internos, para cita apenas algumas das lideranças civis, apoiadores do golpe de 1964, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Aluízio Alves,e, outros governadores e parlamentares, alguns destes foram cassados pelos próprios militares.
         Ao me reportar aos tristes acontecimentos da década de 1960, o faço, de certo modo, movido pelos discursos, as vezes “ingênuos”, as vezes “convictos”, defendendo a “intervenção militar”, como forma de retirar o Brasil da crise política vivida nos tempos presentes. Ora, a historiografia, extensa, já comprovou o equívoco que foi a ação “dantesca” que levou ao golpe civil-militar de 1964, isso, é um ponto passivo. Agora, se existem quem levante a bandeira da intervenção militar, cabe, sim, uma reflexão sobre os fatos passados, assim, penso ser importante travar o bom diálogo diante da atual conjuntura.
          Algo me faz pensar sobre os caminhos que levaram a democracia brasileira a cair no “poço sem fim” da ditadura civil militar-1964, é o discurso, transvestido de democrata, que acusava Jango de comunista. Em seu discurso, na Central do Brasil, naquele 13 de março, o Presidente Jango, fez acertadamente uma referência as medidas adotadas, no Japão do pós Segunda Guerra pelo General MacArthur, sobre a distribuição de terras naquele país do pacífico. O general norte-americano, em nenhum momento foi acusado de comunista por defender uma distribuição de terras. Faço, essa referência, para dizer do risco que existe no discurso, dito por muitos “analistas das redes sociais”, inquisidor apontando como comunistas qualquer atitude, mesmo, a simples referência a “democracia” como único caminho para sairmos da crise politica brasileira.
         Vivemos, guardadas as devidas diferenças, uma conjuntura muito próxima da vivida na década de 1960. Quando propor reformas dentro do sistema capitalista era tido como ato subversivo.
         O golpe civil-militar de 1964, não foi a solução para a “crise”, o comício da Central do Brasil, do dia 13 de março de 1964, não foi o culpado pela queda do governos eleito democraticamente, do Presidente João Goulart. O acontecimento do dia 13 de março, foi apenas uma gota, um pretexto, par ao golpe que estava em curso, sobre as diretrizes da embaixada norte-americana. Resultado, vivemos os priores tempos de torturas e violações de direitos universais.
Houve muita violência após o golpe de 1º de abril, ao contrário do que sustentam alguns analistas que insistem em caracterizar a derrubada de Goulart como uma ação incruenta. […] em Recife, o velho líder comunista Gregório Bezerra teve seu cabelo arrancado com alicate, seus pés molhados com ácido e seu pescoço amarrado com cordas. Bezerra foi arrastado pelas ruas e seus algozes conclamavam a população – que assistia aterrorizada – a execrá-lo.(FICO, p. 55-56, 2015).

          Finalizo, este curto artigo, reafirmando a disposição para o diálogo fraterno sobre os fatos de nossa história.
Referencias 
COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil (1964-1985). Rio de Janeiro: Record, 1999.
FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São Paulo: Contexto, 2015.



domingo, 11 de março de 2018

Fraternidade e superação da violência, Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8): Uma reflexão sobre a Campanha da Fraternidade 2018


Fraternidade e superação da violência, Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8):
Uma reflexão sobre a Campanha da Fraternidade 2018.
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade

              A Igreja Católica todos os anos no período da Quaresma, realiza a CAMPANHA DA FRATERNIDADE, nascida em Natal na década de 1960, sobre a coordenação de Dom Eugênio de Araújo Sales. Natal, provinciana, inaugura um grande projeto de evangelização da Igreja Católica, no início o apoio efetivo das “Cáritas Brasileiras”, em uma ação com objetivos de intervir nas atividades sociais das paróquias, além de arrecadar fundos para os projetos sociais, teve desde a origem a finalidade de divulgar o evangelho nas diversas comunidades do Rio Grande do Norte, logo o ideal da Campanha ganhou outros estados nordestinos, para tanto contou com a ajuda financeiras de bispos norte-americanos. Abro, aqui, um parêntese para lembrar meu amigo velho, vivíamos o período da chamada “Guerra Fria”, mundo polarizado entre EUA e a antiga União Soviética, neste sentido a Igreja de certo modo concorre com os sindicatos rurais nas áreas de influência do campo.
         Claro que para além das questões políticas ideológicas, floresceu dentro do clero nordestino e se espalhou por todo o território brasileiro, o desejo de fazer do evangelho algo “vivo”, neste sentido a Campanha da Fraternidade ganha as diversas arquidioceses e no dia 26 de dezembro de 1963, sob os ventos soprados do Concilio Vaticano II, é lançado a nível nacional a Campanha da Fraternidade para se efetiva na Quaresma de 1964, da cidade provinciana para o Brasil. Desde de 1970 que a abertura da Campanha da Fraternidade recebe uma mensagem especial do Papa, assim, o movimento Natal da década de 1960, transcende as fronteiras regionais e se transforma num dos mais significativos momentos da Igreja Católica, agora sob as diretrizes da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
      Nestes anos a Campanha tem como tom as questões sociais, fazendo da evangelização um movimento de libertação/reflexão das condições vividas por todos os segmentos sociais, sempre com temáticas instigantes/provocadoras a partir das questões sociais.
       “Fraternidade e superação da violência, tendo como lema Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8)”. Este é o lema da Campanha da Fraternidade – 2018, importante e inquietante temática, ao trazer para as paróquias e as diversas comunidades cristãs a proposta de dialogar e refletir sobre a violência faz-se, deste modo, uma contribuição para superar tão grave chaga da sociedade brasileira.
       Os números assustam, conforme o Atlas da Violência 2017, a partir dos dados de homicídios ocorridos no Brasil, entre 2005 e 2015, registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em 2015 alcançamos a triste marca dos 59.080 homicídios.
        Como pensar em paz diante de um triste dado estatístico? 59.080, este foi o número de mortes violentas acontecidas no Brasil em 2015. Uma estatística que traduz uma sociedade violenta e violentada. Vivemos uma silenciosa guerra, silenciosa porque muitos de nós não enxergamos o risco em nossos lares, vivemos a ilusão de quem diz: “aconteceu com o vizinho, que triste.” Meu caro amigo, minha querida amiga, leitores, ninguém está a salvo neste estado de guerra.

Luto
(às famílias vítimas da violência)

Corpos,
Dores,
Dor,
Fatídico,
Sinistro,
Vidas interrompidas.

Família,
Partida,
Luto,
Dor,
Dores,
País da ingenuidade perdida.
(Luciano Capistrano)

          Acredito ser fundamental caminhar em duas vias, o combate efetivo, repressivo, para desbaratar as ações das quadrilhas, principalmente as organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Para além das ações repressivas, tem de ser ocupadas as ruas e praças dos diversos bairros com projetos culturais, esportivos, projetos de inclusão de crianças e jovens, numa rede de proteção contra a criminalidade. Não temos como esperar mais, é urgente uma ação por uma sociedade pacifica.
          As praças, raras exceções, são espaços vazios, sem uma presença real do poder público, quando as lâmpadas não estão queimadas é o mato, o lixo, o abandono. Claro que muito dos aspectos de abandono das praças é fruto da ação da própria comunidade. Então que o poder público estimule, através de projetos, a participação da comunidade na conservação das praças, das ruas, como lugares de todas e todos.
A onda de violência crescente em nossas cidades, provoca nas pessoas de bem o desejo, na minha opinião “ingênuo”, da volta do “mão branca”, como o mágico capaz de acabar com a violência. Minha formação humanista/cristã, não me permite apoiar esquadrões da morte, grupos de extermínio. Sou contrário a essa ideia, acredito ser o Estado o responsável sobre o monopólio das armas, do policiamento, da aplicação da Lei.
Nada fora da Lei.
           As comunidades não podem conhecer apenas a força das armas, do cassetete, é preciso avançar nas ações preventivas, ruas iluminadas, atividades culturais e esportivas, deste modo ocupando as praças e as ruas com o bem.
      Nesta perspectiva, a Campanha da Fraternidade é um chamamento, a princípio aos cristãos, mas estendido a todas e todos, homens e mulheres de bem, é preciso fazer o enfrentamento da violência de modo rígido, agora de tal modo que seja eficaz, construindo uma rede pela paz, nas pequenas e grandes cidades. Termino, este curto artigo, me permitam, deixando a oração da Campanha da Fraternidade 2018, e , convidando os cristãos e não cristãos para um dialogo fraternos, sobre os caminhos e descaminhos, das ações a médio e longo prazo para construirmos um outro mundo, um mundo de paz.

Deus e Pai, nós vos louvamos
pelo vosso infinito amor e vos
agradecemos por ter enviado Jesus,
o Filho amado, nosso irmão. Ele
veio trazer paz e fraternidade à
terra e, cheio de ternura e compaixão,
sempre viveu relações repletas de perdão
e misericórdia. Derrama sobre nós
o Espírito Santo, para que, com o coração
convertido, acolhamos o projeto de
Jesus e sejamos construtores de uma
sociedade justa e sem violência,
para que, no mundo inteiro, cresça o
vosso Reino de liberdade, verdade e de paz. Amém.
(Oração da Campanha da Fraternidade - 2018)








A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...