domingo, 2 de junho de 2019

Inquietações: "o outro lado da questão"; “o outro lado da história ...”.

Inquietações: "o outro lado da questão"; “o outro lado da história ...”.
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

            Costumo finalizar meus escritos com “Façamos de nossas inquietações, sempre, um diálogo democrático”, este não será diferente. Mas, confesso, algo me incomoda no tema que apresento para nosso diálogo neste curto artigo. A negação da história. Sim, nestes últimos anos, dizem que resultado do pós-modernismo, existe uma onda “revisionista” da história. Antes de me acusarem de fundamentalista, sim apenas os fundamentalistas, não aceitam o caráter falível, como historiador, meu ofício é a ciência histórica, compreendo ser a história passível de revisão. Agora, claro, a partir de pesquisa histórica e não “revisões” fundamentadas em simulacros de documentação histórica analisadas, em simulacros de análises historiográficas. 
         Como exemplo dessa onda negativista, perigosa , recorro a um acontecimento ocorrido no estado de Illinois, EUA, em 1990, conforme A Cronologia da Negação do Holocausto: 

Em 1990: Após Illinois se tornar o primeiro estado norte-americano a obrigar o ensino do Holocausto em escolas públicas, os casais Ingeborg e Safet Sarich fazem um protesto público retirando sua filha de 13 anos da escola. Os Sarich também remeteram 6.000 cartas a autoridades públicas, acadêmicas, jornalistas e sobreviventes do Holocausto, atacando o registro histórico como sendo “rumores e exageros”. (Acessado em 02/06/2019, no sitio: https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/holocaust-denial-key-dates

        “Rumores e exageros”, diziam grupos familiares sobre o Holocausto. Críticos da obrigatoriedade do ensino do Holocausto em escolas Públicas norte-americana, defendiam a tese da liberdade, e, transformavam as vítimas em culpados. Infelizmente essas famílias “beberam” nas “fontes” de ódios antissemitas produzidas por grupos de extrema direita, tipos “Ku Klux Klan a skinheads”, desejosos de restaurar o legado nazifascista de Adolf Hitler. Neste caso específico, chamo atenção para os cuidados que temos de ter ao nos posicionarmos com relação a dois temas bem presentes na agenda, o ensino domiciliar e as liberdades individuais. O desafio é garantir o estado democrático sem ter o processo democrático minado por uma extrema direita desvairada. 
       Estes casos de negacionismos do Holocausto se fundamentam, em muitas das vezes, em pretensas pesquisas cientificas. O caráter científico é buscado a todo custo numa operação, digamos pitoresca, das teorias da conspiração. A formula parece simples, pretensos especialistas, apresentam estudos, pareceres, documentos... uma série de fontes, num emaranhado obscuro de teorias que partem do principio de desqualificar a produção cientifica consolidada e aceita pela Comunidade Cientifica, já adianto, não digo isso para reforçar a defesa da Autoridade inconteste do Cientista, não é isso. Repito a ciência requer crítica, a ciência é falível. O problema reside no argumento que foge do campo da ciência e envereda por caminhos sinuosos das conspirações “terraplanistas”. 
         O caso de negação das ações nazistas é muito emblemático e faço essa referência para não nos deixarmos levar pelo “canto encantado” das “redes sociais”, este mundo que se quer paralelo, mas é um espaço, mesmo virtual, a ser regido por questões éticas e leais. A internet não é um mundo sem lei. A internet e o ciberespaço é um lugar de chão batido fértil para a propagação de grupos de ultradireita e suas ações saudosistas dos ideais nazistas. O historiador Dilton Maynard aponta para a ocupação da rede mundial de computadores por grupos revisionistas da direita radical: 

Com a emergência de diferentes portais na World Wide Web, desenhou-se um oceano de informações. Afloraram daí múltiplas memórias e tentativas de reescrita da história. Entre tais projetos de reconstrução historiográfica, está o uso feito da rede mundial de computadores por grupos de extrema-direita. Espaços virtuais destinados a servir como suportes pedagógicos, encontrando um ambiente atraente e de baixo custo, neofascistas de diferentes países construíram sites que tem sido veículos para divulgação de seus ideais, oferta de um diversificado merchandising e para a apresentação de supostas revisões da história. Nelas o navegante pode encontrar verbetes, artigos, vídeos, imagens e participar de fóruns voltados a, por exemplo [...] rever seus conceitos sobre figuras como Adolf Hitler (1889-1945), Benito Mussolini (1883-1945), transformados em estadistas benevolentes e Martin Luther King (1929-1968), descrito como um “agitador racial”. (MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Escritos sobre história e internet. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011, p. 44-45) 

            Uma onda de empoderamento neofascistas neste oceano de águas turvas e agitadas da rede mundial de computadores, fica bem nítida quando em uma pesquisa rápida encontra-se “páginas e páginas” com o caráter ultra conservador a jogar nos ares o “lixo” da história, que pensávamos já fazer parte do cemitério do passado, enterrado junto com a queda dos regimes nazifascistas liderados por Mussolini e Hitler. As trevas foram abertas. 
           A Historiadora Deborah Lipstadt, desnuda os negacionistas do holocausto, a autora do clássico, A Negação do Holocausto, é enfática: 

Eles afirmam que os nazistas não assassinaram seis milhões de judeus, que a noção de que havia câmaras de gás para matar em massa é um mito, e que qualquer morte de judeus ocorrida sob o domínio nazista foi resultado da guerra e não de uma perseguição sistemática e assassinato em massa organizado pelo Estado. ( Acessado em 02/06/2019, https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-44897985

          Deborah Lipstadt, historiadora norte-americana, enfrentou os que negavam o holocausto, e, procuravam dá um significado cientificista aos argumentos apresentados. Uma situação de risco para as liberdades, pois enaltecer ou no mínimo dizer que é "mimimi" o ocorrido nos campos de concentração nazistas ou chegar ao cumulo dos “terra planista”, de afirmar não ter existido os campos de concentração e nem tão pouco as câmaras de gás, onde foram executados milhares de centenas de judeus. Como nos alertou do perigo Lipstadt. Levemos a sério essas asneiras, pois, narrativa do ódio nasce disfarçada de "burra".
           Finalizo este artigo citando o fundador do Facebook Zuckerberg, mesmo na condição de judeu, mesmo condenando os conteúdos negacionistas do Holocausto,  defende o direito a livre expressão, nas redes sociais: 

Acho isso profundamente ofensivo. Mas, no fim das contas, não acho que nossa plataforma deva excluir (esses usuários), porque creio que existem coisas sobre as quais as pessoas se equivocam. Não acho que estejam intencionalmente interpretando os fatos de forma errada", disse Zuckerberg. (Acessado em,   02/06/2019,  Acessado em 02/06/2019, https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-44897985 ) 

            Das minhas Inquietações: "o outro lado da questão"; “o outro lado da história ...”, das  nossas inquietações, sempre, um diálogo democrático.

4 comentários:

  1. Professor Luciano, parabéns pelo belo texto. Vivemos tempos nos quais a ignorância voluntária é lugar comum. As pessoas se posicionam conduzidas pelo ódio e para o ódio vivem.

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    1. Obrigado pela leitura,Francisco Carlos, seu comentário é bem pertinente, continuemos a usar de nossas armas: o saber é nossa trincheira, um abraço

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  2. Professor Luciano capistrano, parabens pelo texto rico em pesquisas com informações documentadas, de um legitimo conhecedor profissional da materia...

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