terça-feira, 25 de junho de 2019

Natal: entre poetas, memorialistas... a urbe!


Natal: entre poetas, memorialistas... a urbe!
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

Uma cidade não se abre fácil,
como um guarda-chuva,
a quem sequer não a tem.
Uma cidade é como a luva:

sem o gesto e a medida
exatos de quem a calça,
jamais se entrega a alguém
por mais força que se faça
para tê-la ou possuí-la.

Pode tê-la, mas sem uso.
simples adorno ocultando
a sua alma ao intruso.

Mas possuí-la, através
de um exercício constante
de amor e contemplação,
é ver o quanto de amante
uma cidade esconde em si.

Ao menor gesto, qualquer,
Que venha de quem a ama,
Ela transcende: mulher.

Mulher lânguida que, amada,
mais ama, além, sobre a dor.
E nos devolve em silêncio
O que lhe damos de amor.

Silêncio que pensa no homem
o seu ingênito pasmo,
como a paz que nos oferta
a mulher depois do orgasmo.

Natal não foge à regra
Que a experiência assinala.
Íntima, entre o rio e o mar,
se estende. Convém amá-la.
(Nei Leandro de Castro – Romance da Cidade de Natal)

            A poesia de Nei Leandro de Castro é um convite ao leitor para conhecer a cidade desbravar seus rincões, adentrar em seus mistérios. Nascido na terra de Santana, em uma Caicó de 1940, desde cedo, sua vocação para a escrita aflorou, estudante do Externato São Luís, Atheneu Norte-rio-grandense, Faculdade de Direito de Natal, percorreu sua vida escolar do fundamental ao ensino superior, acompanhado das letras.
Sua escrita é uma grande contribuição para a produção literária do Rio Grande do Norte, com uma vasta obra, da prosa a poesia, entre seus livros, “As Pelejas de Ojuara”, ganhou destaque nacional ao ser adaptado para o cinema em 2007. Como não é objetivo deste artigo, fazer uma análise da literária, me, restrinjo a chamar a atenção do leitor para as possibilidades de utilização da poesia de Nei Leandro de Castro, no livro já citado, para conhecer a cidade de Natal e seus lugares de memórias.
Um circuito histórico lírico na companhia de poetas, memorialistas, personagens narradores da urbe, a apresentarem as ruas e becos, este é o que proponho neste artigo. Guias de turismo, arquitetos, geógrafos, geólogos, historiadores, e, todos os profissionais que de um modo ou de outro, tem a cidade como objeto de estudo e trabalho, tem um acervo aberto na nossa literatura para partir dela embrenhar-se na identidade do natalense.
A cidade é uma página para ser lida, o transeunte, o habitante ou o visitante, ao caminhar pela cidade faz também uma leitura dos seus espaços, ou, dos “eus” que a cidade comporta. O historiador José D’Assunção Barros, faz uma narrativa sobre a cidade como um texto aberto a ser desvendado por seus habitantes. Diz Barros:

[...] A cidade também fala aos seus habitantes e aos seus visitantes através dos nomes próprios que abriga: dos nomes de ruas, de edifícios, de monumentos. O grande texto urbano aloja dentro de si textos menores, feitos de placas de ruas que evocam memórias e imaginários, de cartazes que são nas avenidas para seduzir e informar, de sinais de trânsito que marcam o ritmo da alternância entre a passagem permitida e os interditos aos deslocamentos no espaço. A cidade é um grande texto que tece dentro de si uma miríade de outros textos, inclusive os das pequenas conversas produzidas nos encontros cotidianos. (BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes, 2012, p. 45)

            Os cronistas, poetas e memorialistas, são porta vozes dessa cidade/texto, assim, aponto neste curto artigo, além do já citado Nei Leandro de Castro, o poeta de Areia Branca, que adotou e foi adotado por Natal, Deífilo Gurgel, pesquisador de primeira linha das manifestações culturais do Rio Grande do Norte, o mestre Deífilo também cantou em versos os encontros e desencontros da cidade de Natal. Em Ribeira Velha de Guerra, poema dedicado ao pesquisador Gutemberg Costa, o poeta faz uma narrativa sentimental sobre o antigo bairro que não mais existe:


Ribeira Velha de Guerra
 A Gutemberg Costa

Na Campina da Ribeira,
o poeta Itajubá
- sentimental, mas viril,
empina nos céus de agosto
(o suor escorre no rosto),
um tremendo “papagaio”,
o maior que já se viu.

Mestre Cascudo passeia
na antiga Rua das Virgens.
Na casa número tal
nasceu um super-herói.
(O super-herói é ele,
vencedor de tanta guerra,
tanta luta cultural).

Hidroplanos alçam vôo
na barra do Potengi.
São aves da Latecoere,
enfrentando as intempéries,
pelas mãos de Exupéry.

Em frente ao “Cova da Onça”,
Perrepistas, Liberais
trocam mais que insultos, tiros.
Morre o povo, corre o povo,
que todos somos mortais.

“Tabuleiro da Baiana”,
“Fumaça” serve cartolas
- banana, queijo e canela –
para a fome dos bacanas.

[...]

Sentam todos na calçada
do “Carneirinho de Ouro”
em velhas mesas da “Antártica”
e, entre sorrisos e abraços,
e muitas “louras” geladas,
vai começar a função.
(Deífilo Gurgel – Ribeira Velha de Guerra)

            Na poesia de Deífilo Gurgel, encontramos uma Ribeira existente apenas nas memórias de quem viveu a Natal do passado, em cada verso o poeta descortina o tempo de outrora, deixando para nós, através dos seus versos, o cotidiano de Natal, seus lugares, sua gente e os fatos ocorridos ao longo do tempo na cidade baixa. Uma narrativa poética fazendo submergir memórias do fazer. São os caminhos percorridos pela urbe.
            Conhecer a cidade implica em fazer escolhas, traçar rotas. Não tem como não pensar a cidade sem enfrentar o labirinto no qual ela é desenhada, continuamente, afinal, não se trata de algo estático, parado no tempo, pelo contrário a urbe urge modificações, algumas de difícil percepção, mas estamos andando em um terreno dunar e um tanto pantanoso. Para não me perder nessa caminhada, faço das pegadas deixadas  por escritores e escritoras, das coisas da cidade, a trilha mais segura a seguir. Como por exemplo, ir no passo de Clementino Câmara e conhecer dos primeiros momentos do terceiro bairro de Natal, Cidade Nova, hoje TIrol e Petrópolis:

O terreno não era uma mata: era um mato de jurubeba, camboim, mangabeira, cajueiro, caboatã, guabiraba, ubaia. Aqui e ali alguns mocambos, distanciados, e entre eles o do negro Paulo, onde havia aos domingos zambê puxado a puíta e fartamente regado a cachaça. Com frequência davam-se conflitos de soldados do Exército, que não primavam naquele tempo, pelo amor à ordem. [...] Só uma ruazinha lá se encontrava – a do Morcego, que depois veria a ser Vai-quem-quer. [...] No local reservado para a futura matriz uma casa de farinha, e a rua João Pessoa era chamada do Sarmento. (CÂMARA, Clementino. Década. Natal: EDFURN, 2018. p. 77).

            Faço deste “Natal: entre poetas, memorialistas... a urbe”, uma provocação para dialogarmos sobre as possibilidades, dos livros, alguns empoeirados nas estantes, em contribuir para a construção de roteiros sobre a cidade. Lembro do Alvissareiro, descrito por Câmara Cascudo, em sua História da Cidade do Natal, que lá do alto da torre da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação testemunhou o crescimento da cidade. Neste artigo ouso, repito como provocação par ao diálogo, o caminho dos versos e memórias, de poetas e memorialista da cidade de Natal. Façamos o diálogo.

    Foto: Luciano Capistrano - Olhar de Câmara Cascudo sobre a cidade.



2 comentários:

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