Natal: entre poetas,
memorialistas... a urbe!
Luciano Capistrano
Professor e Historiador
Uma cidade não se
abre fácil,
como um
guarda-chuva,
a quem sequer não
a tem.
Uma cidade é como
a luva:
sem o gesto e a
medida
exatos de quem a
calça,
jamais se entrega
a alguém
por mais força que
se faça
para tê-la ou
possuí-la.
Pode tê-la, mas
sem uso.
simples adorno ocultando
a sua alma ao
intruso.
Mas possuí-la,
através
de um exercício
constante
de amor e
contemplação,
é ver o quanto de
amante
uma cidade esconde
em si.
Ao menor gesto,
qualquer,
Que venha de quem
a ama,
Ela transcende:
mulher.
Mulher lânguida
que, amada,
mais ama, além,
sobre a dor.
E nos devolve em
silêncio
O que lhe damos de
amor.
Silêncio que pensa
no homem
o seu ingênito
pasmo,
como a paz que nos
oferta
a mulher depois do
orgasmo.
Natal não foge à
regra
Que a experiência
assinala.
Íntima, entre o
rio e o mar,
se estende. Convém
amá-la.
(Nei Leandro de
Castro – Romance da Cidade de Natal)
A poesia de Nei Leandro de Castro é um convite ao leitor
para conhecer a cidade desbravar seus rincões, adentrar em seus mistérios.
Nascido na terra de Santana, em uma Caicó de 1940, desde cedo, sua vocação para
a escrita aflorou, estudante do Externato São Luís, Atheneu
Norte-rio-grandense, Faculdade de Direito de Natal, percorreu sua vida escolar
do fundamental ao ensino superior, acompanhado das letras.
Sua escrita é uma grande
contribuição para a produção literária do Rio Grande do Norte, com uma vasta
obra, da prosa a poesia, entre seus livros, “As Pelejas de Ojuara”, ganhou
destaque nacional ao ser adaptado para o cinema em 2007. Como não é objetivo
deste artigo, fazer uma análise da literária, me, restrinjo a chamar a atenção
do leitor para as possibilidades de utilização da poesia de Nei Leandro de
Castro, no livro já citado, para conhecer a cidade de Natal e seus lugares de memórias.
Um circuito histórico lírico
na companhia de poetas, memorialistas, personagens narradores da urbe, a
apresentarem as ruas e becos, este é o que proponho neste artigo. Guias de
turismo, arquitetos, geógrafos, geólogos, historiadores, e, todos os
profissionais que de um modo ou de outro, tem a cidade como objeto de estudo e
trabalho, tem um acervo aberto na nossa literatura para partir dela embrenhar-se
na identidade do natalense.
A cidade é uma página
para ser lida, o transeunte, o habitante ou o visitante, ao caminhar pela
cidade faz também uma leitura dos seus espaços, ou, dos “eus” que a cidade
comporta. O historiador José D’Assunção Barros, faz uma narrativa sobre a
cidade como um texto aberto a ser desvendado por seus habitantes. Diz Barros:
[...] A cidade também fala aos seus habitantes e aos seus visitantes através dos nomes próprios que abriga: dos nomes de ruas, de edifícios, de monumentos. O grande texto urbano aloja dentro de si textos menores, feitos de placas de ruas que evocam memórias e imaginários, de cartazes que são nas avenidas para seduzir e informar, de sinais de trânsito que marcam o ritmo da alternância entre a passagem permitida e os interditos aos deslocamentos no espaço. A cidade é um grande texto que tece dentro de si uma miríade de outros textos, inclusive os das pequenas conversas produzidas nos encontros cotidianos. (BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes, 2012, p. 45)
Os cronistas, poetas e memorialistas, são porta vozes
dessa cidade/texto, assim, aponto neste curto artigo, além do já citado Nei
Leandro de Castro, o poeta de Areia Branca, que adotou e foi adotado por Natal,
Deífilo Gurgel, pesquisador de primeira linha das manifestações culturais do
Rio Grande do Norte, o mestre Deífilo também cantou em versos os encontros e
desencontros da cidade de Natal. Em Ribeira Velha de Guerra, poema dedicado ao
pesquisador Gutemberg Costa, o poeta faz uma narrativa sentimental sobre o
antigo bairro que não mais existe:
Ribeira
Velha de Guerra
A Gutemberg Costa
Na
Campina da Ribeira,
o
poeta Itajubá
-
sentimental, mas viril,
empina
nos céus de agosto
(o
suor escorre no rosto),
um
tremendo “papagaio”,
o
maior que já se viu.
Mestre
Cascudo passeia
na
antiga Rua das Virgens.
Na
casa número tal
nasceu
um super-herói.
(O
super-herói é ele,
vencedor
de tanta guerra,
tanta
luta cultural).
Hidroplanos
alçam vôo
na
barra do Potengi.
São
aves da Latecoere,
enfrentando
as intempéries,
pelas
mãos de Exupéry.
Em
frente ao “Cova da Onça”,
Perrepistas,
Liberais
trocam
mais que insultos, tiros.
Morre
o povo, corre o povo,
que
todos somos mortais.
“Tabuleiro
da Baiana”,
“Fumaça”
serve cartolas
-
banana, queijo e canela –
para
a fome dos bacanas.
[...]
Sentam
todos na calçada
do
“Carneirinho de Ouro”
em
velhas mesas da “Antártica”
e,
entre sorrisos e abraços,
e
muitas “louras” geladas,
vai
começar a função.
(Deífilo
Gurgel – Ribeira Velha de Guerra)
Na poesia de Deífilo Gurgel, encontramos uma Ribeira
existente apenas nas memórias de quem viveu a Natal do passado, em cada verso o
poeta descortina o tempo de outrora, deixando para nós, através dos seus
versos, o cotidiano de Natal, seus lugares, sua gente e os fatos ocorridos ao
longo do tempo na cidade baixa. Uma narrativa poética fazendo submergir
memórias do fazer. São os caminhos percorridos pela urbe.
Conhecer a cidade implica em fazer escolhas, traçar rotas.
Não tem como não pensar a cidade sem enfrentar o labirinto no qual ela é
desenhada, continuamente, afinal, não se trata de algo estático, parado no
tempo, pelo contrário a urbe urge modificações, algumas de difícil percepção,
mas estamos andando em um terreno dunar e um tanto pantanoso. Para não me perder
nessa caminhada, faço das pegadas deixadas por escritores e escritoras, das coisas da
cidade, a trilha mais segura a seguir. Como por exemplo, ir no passo de Clementino
Câmara e conhecer dos primeiros momentos do terceiro bairro de Natal, Cidade
Nova, hoje TIrol e Petrópolis:
O terreno não era uma mata: era um mato de jurubeba, camboim, mangabeira, cajueiro, caboatã, guabiraba, ubaia. Aqui e ali alguns mocambos, distanciados, e entre eles o do negro Paulo, onde havia aos domingos zambê puxado a puíta e fartamente regado a cachaça. Com frequência davam-se conflitos de soldados do Exército, que não primavam naquele tempo, pelo amor à ordem. [...] Só uma ruazinha lá se encontrava – a do Morcego, que depois veria a ser Vai-quem-quer. [...] No local reservado para a futura matriz uma casa de farinha, e a rua João Pessoa era chamada do Sarmento. (CÂMARA, Clementino. Década. Natal: EDFURN, 2018. p. 77).
Faço deste “Natal: entre poetas, memorialistas... a urbe”,
uma provocação para dialogarmos sobre as possibilidades, dos livros, alguns
empoeirados nas estantes, em contribuir para a construção de roteiros sobre a
cidade. Lembro do Alvissareiro, descrito por Câmara Cascudo, em sua História da
Cidade do Natal, que lá do alto da torre da Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Apresentação testemunhou o crescimento da cidade. Neste artigo ouso, repito
como provocação par ao diálogo, o caminho dos versos e memórias, de poetas e
memorialista da cidade de Natal. Façamos o diálogo.
Foto: Luciano Capistrano - Olhar de Câmara Cascudo sobre a cidade.
Parabéns, amigo!
ResponderExcluirObrigado, amigo
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