segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Fotografia e história: algumas reflexões

Fotografia e história: algumas reflexões
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

“De todos os meios de expressão, a fotografia é o 
único que fixa para sempre o instante preciso e transi-
tório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente
desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo
capaz de fazê-las voltar. Não podemos revelar ou copiar a memória.”
(Henri Cartier-Bresson)

Em minhas idas e vindas aos sebos, me deparei no Sebo Vermelho com o livro de João Maurício Fernandes Miranda - arquiteto urbanista, professor da UFRN, ocupou diversos cargos públicos, em órgãos de planejamento urbano, na cidade do Natal/RN -, “Evolução urbana de Natal em 400 anos: 1599-1999”. Eu recém nomeado historiador da Secretaria do meio ambiente de Natal, “garimpava” tudo que se relacionava a história urbana, pulsava em mim, o desejo de saber dessa história da cidade, minha nova função exigia este conhecimento.
Leitura agradável, com informações importantes para compreensão dos caminhos trilhados pela cidade de Câmara Cascudo. A partir dessa obra de João Maurício, me chamou a atenção outro livro de sua autoria, “380 anos de história fotográfica da cidade de Natal: 1599/1979”, passei, então, a catar nos diversos sebos da cidade o tão desejado livro. 
Em uma tarde despretensiosa, a bela surpresa, ao acessar o site da Estante Virtual, especializado em livros usados, me deparo com um exemplar, rapidamente realizo a compra virtual, enfim, tenho o livro em minhas mãos.
Bom faço este relato com a finalidade de convidar meu caro leitor, minha cara leitora, para, neste curto artigo, fazer algumas reflexões sobre fotografia e história, motivado, por duas das minhas paixões: a fotografia e a história. Em seu livro, João Maurício, faz uma viagem sobre a Natal a partir da fotografia, nesses “380 anos  de história fotográfica”, as fotos são postas no livro, fazendo um contraponto entre “o ontem e o hoje”, são imagens da Natal do início do século XX e final da década de 1970, uma verdadeira narrativa visual da cidade. A fotografia faz parte do cotidiano presente:

O impacto cultural da fotografia sobre os últimos cento e cinquenta anos, tanto em si mesma, quanto na forma da imagem visual em movimento a que ela também deu origem, tem sido imenso, alterando completamente o ambiente visual e os meios de troca de informação de uma grande parte da população do globo. (GASKELL, Ivan. História da imagem In BURKE, Peter (Org.). A escrita da história, São Paulo, 1992, p. 241)

No fazer histórico o uso da fotografia tem ao longo do tempo ganhado espaço na produção historiográfica. A evolução tecnológica e o impulso das mídias digitais possibilitaram o acesso a diversas fontes de pesquisa com a diversidade dos tipos de documentos, são um ganho dos tempos modernos. Vejamos:

A iconografia fotográfica diz respeito a partes ou ao conjunto da documentação pública ou privada que abrange um largo espectro temático, produzida em lugares e períodos determinados. As fontes que compõem são meios de conhecimento: registros visuais que gravam microaspectos dos cenários, personagens e fatos; daí sua força documental e expressiva, elementos de fixação da memória histórica individual e coletiva. Em função de tais características, constituem documentos decisivos para a reconstituição histórica. (KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: O efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007, p. 34-35)

As fotografias são narrativas, sejam em “álbuns públicos ou privados, a serem interpretadas por historiadores/pesquisadores, assim, a obra de João Maurício, traz em suas páginas uma narrativa da cidade de Natal através de um rico acervo fotográfico. São imagens de uma cidade “localizada” em determinado tempo, e, podemos aferir a partir deste “380 anos  de história fotográfica”, elementos fazedores da urbe. Como, exemplo, reproduzo, abaixo, algumas fotos pinçadas do livro supra citado.
Rua da Conceição com a Praça Padre João Maria - Foto Bruno Bourgard Acervo IHGRN

Do alto da torre da Igreja Matriz ver se a Rua Santo Antônio  - Década de 1910 Foto Bruno Bourgard Acervo IHGRN

As imagens compõem narrativas silenciosas, estão a espera de intérpretes, daqueles que retiraram delas seus significados. Claro que este caminho não é uma tarefa fácil. Existe um percurso a ser vencido. O olhar do historiador, é o olhar do pesquisador, atento as partes determinantes do documento, e munido desses instrumentos, se faz o caminhar historiográfico. Recorremos, de novo, ao historiador Boris Kossoy, pioneiro nessa temática:

Contudo, a imagem fotográfica é fixa, congelada na sua condição documental. Não raro nos defrontamos com sua condição documental. Não raro nos defrontamos com imagens que a história oficial, a imprensa, ou grupos interessados se encarregaram de atribuir um determinado significado com o propósito de criarem realidades e verdades. Cabe aos historiadores e especialistas no estudo das imagens, a tarefa de desmontagem de construções ideológicas materializadas em testemunhos fotográficos. Decifrar a realidade interior das representações fotográficas, seus significados ocultos, suas tramas, realidades e ficções, as finalidades para as quais foram produzidas é a tarefa fundamental a ser empreendida. (KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica: O efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2012, p. 22-23)

Conjunto Gramoré - acervo DATANORTE

Ao aproximar do fim, chamo a atenção para a importância de vê a fotografia como um documento histórico, neste sentido, temos de termos diante dessa importante fonte histórica a mesma postura assumida defronte de outros tipos de documentos, devemos ao explorar os caminhos inerentes a historiografia manter os cuidados particulares do pesquisador.  Pensar a fotografia, enquanto fonte, requer a compreensão da sua trajetória, pois:

Toda fotografia tem atrás de si uma história. Olhar para uma fotografia do passado e refletir sobre a trajetória por ela percorrida é situá-la em pelo menos três estágios bem definidos que marcaram sua existência. Em primeiro lugar houve uma intenção para que ela existisse; esta pode ter partido do próprio fotógrafo que se viu motivado a registrar determinado tema do real ou de um terceiro que o incumbiu para a tarefa. Em decorrência desta intenção teve lugar o segundo estágio: o ato do registro que deu origem à materialização da fotografia. Finalmente, o terceiro estágio: os caminhos percorridos por esta fotografia, as vicissitudes por que passou, as mãos que a dedicaram, o solhos que a viram, as emoções que despertou, os porta-retratos que a emolduraram, os álbuns que a guardaram, os porões e sótãos que a enterraram, as mãos que a salvaram. Neste caso seu conteúdo se manteve, nele o tempo parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo, envelheceu. (KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 29)


Avenida Rio Branco - 1935 - acervo IHGRN

          Fotografia e história: algumas reflexões, antes de um artigo conclusivo, não tem essa pretensão, busca fazer uma reflexão sobre fotografia e história, em um contínuo pensar sobre as possibilidades dos “vestígios”  deixados em “álbuns” para a historiografia. Finalizo, então, com um pecado poético e uma fotografia, que seja um convite à reflexão.

Clicks

Clicks instantes
Registra-se
Eterniza-se momentos
Inspira-se
Exprime-se
Emoções
Em uma objetiva
Olhares capturam
O belo
O feio
Transformam-se
Em clicks de pura poesia.
(Luciano Capistrano)
Pôr do sol - Luciano Capistrano

domingo, 14 de outubro de 2018

Escravidão: Um convite à reflexão

Escravidão: Um convite à reflexão
Luciano Capistrano
Professor e Historiador


Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
(O Navio Negreiro - Castro Alves)

A sociedade brasileira traz na sua formação a triste nódoa de ter seus pilares fundadores, erguidos em fundamentos escravocratas. O processo de construção da nação brasileira, carrega, assim, o peso de ser porto de chegada de negros, vítimas da diáspora não desejada. A engrenagem montada por “civilizados” lusitanos, nas palavras de Darcy Ribeiro, criaram, neste lado do Atlântico, uma “máquina de moer gente”.
Existe uma frágil ideia, muito mais na tentativa de naturalizar ou amenizar o modelo de escravidão ibérico, de se fazer uma referência a escravidão realizada por africanos. Apesar das dificuldades em conceituar a escravidão africana, a historiografia caminhando de mãos dadas com outros campos do saber, aponta para as particularidades das diversas comunidades existentes, naquele continente, no período em que situa-se o “empreendimento colonial”. As diferenças entre o modelo escravocrata português e das comunidades africanas são bem claras:


Não é correto afirmar que “africanos” escravizavam “africanos” para vendê-los como escravos. A consciência coletiva de uma identidade continental entre os povos das nações africanas surgiu apenas no século XX, no momento de sua emancipação frente aos europeus. Até então, o sentimento de identidade não ia além da comunidade de aldeia, da linhagem, grupo tribal ou, no máximo, grupo linguístico. [...] Costuma-se designar o tipo de cativeiro praticado na África de “escravidão de linhagem”. Sua finalidade não era exploração econômica em larga escala, e também a perda de liberdade pessoal não era completa, pois os cativos permaneciam integrados ao grupo social dos vendedores. (MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo: Editora Contexto, p.101, 2013)



O processo de colonização empreendido pela Coroa Portuguesa teve como característica a degradação humana, aqui nos trópicos, os verdes canaviais e as cores reluzentes das minas, expandiram as fronteiras da economia real, com o sangue do negro escravizado. Aqui se estabeleceu a escravidão, enquanto, sistema econômico. Toda uma cadeia de atividades sócio-econômica foi fruto do modelo de utilização da mão-de-obra escrava. A foto da ama de leite, a mucama e o "menino", nesta foto do século XIX, como afirmou o historiador Alencastro, é bem ilustrativa dessa sociedade, que se perpetua ao longo de nossa história
A sociedade brasileira tem em todas as suas instituições uma pesada herança colonial, pois, os tempos da “escravidão legal”, criou no imaginário social a ideia do “trabalho como algo indigno”, ou  visto como uma desprezível condição de inferioridade social. Por exemplo:


Na Bahia, no início do século XIX, os escravos que trabalhavam como carregadores ou em outras profissões, eram o único sustento de famílias inteiras, que nada faziam. O trabalho, na realidade era considerado, pelas pessoas livres, algo de desonroso e digno apenas de servos. [...] No Brasil, a escravatura era muito mais do que uma instituição econômica, já que a propriedade de escravos não só era lucrativa, como também elevava o status do proprietário aos olhos dos outros. (CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravidão no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p.14-15, 1978)

Ao trazer à baila essa temática, o faço, de forma provocadora, no sentido, da necessária reflexão sobre um tema tão caro para a compreensão do que seja o povo brasileiro, uma nação resultado do encontros de civilizações, distintas, a europeia, a dos povos indígenas e a africana. Nas palavras de Darcy Ribeiro:


Nenhum povo que passasse por isso como uma rotina de vida, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós brasileiros somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. [...] A mais terrível de nossa herança é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce ainda hoje, em tantas autoridades brasileiras predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem ás mãos. Ela, porém, provocando crescentes indignação nos dará forças amanhã para conter os processos e criar aqui uma sociedade solidária. (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, p 120, 1995)

Finalizo, este curto artigo, com os versos do poeta Castro Alves, como um convite à reflexão sobre os caminhos e descaminhos da formação do Brasil.

Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
(O Navio Negreiro - Castro Alves)




sábado, 6 de outubro de 2018

De Anne Frank á Winston Churchill!



De Anne Frank á Winston Churchill!
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

“Vejo a gente numa pequena nuvem, clara e azul, no meio de outras nuvens pesadas e escuras. O nosso lugar ainda é seguro, mas as nuvens estão ficando cada vez mais densas e o círculo que nos separa do perigo tão próximo vai se fechando. Por fim ficamos todos de tal maneira envolvidos na escuridão que, com o desejo desesperado de encontrar uma saída, esbarramos uns contra os outros. Olhamos para baixo onde os homens lutam, olhamos para cima onde há felicidade e paz. Mas estamos isolados por uma massa grossa e impenetrável que nos barra todos os caminhos e nos encerra, como um muro invencível, um muro que nos destruirá quando a hora soar. E eu só posso clamar e suplicar: - Oh, círculo, se abra e nos deixe sair!
Sua Anne.” ( O Diário de Anne Frank, p. 83 - Editora Principis, 29917)

          Início essas “ Impertinentes ou pertinentes divagações”, com um trecho do O Diário de Anne Frank, para trazer a baila umas reflexões sobre os riscos de vivermos em um modelo de sociedade excludente, nazifascista. Anne Frank, seu nome era Annelies Marie Frank, nasceu em 12 de junho de 1929, em Frankfurt, na Alemanha, e morreu em um campo de concentração, meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Seu diário, é o relato do infortúnio de viver sobre as ordens de um governo nazista, ficou escondida com sua família durante a ocupação da Holanda. Uma garota de 13 anos, judia, deixou um contundente clamor contra o nazismo.
        É preciso compreender os caminhos sinuosos que levaram milhares de cidadãos de bens a apoiarem líderes nazi-fascistas no “caótico” mundo do entre-guerras. A Itália com Mussolini e a Alemanha com Hitler, caíram no perigoso embalo do canto dos ditos “salvadores da pátria”. Vejamos:


Uma das principais características do Estado Fascista seria, assim, sua associação com a sociedade de massas. Essa sociedade, desencantada com o Estado e a instituições democráticas, que passavam no entre-guerras por séria depressão econômica, humilhada após o desfecho da Primeira Guerra Mundial e carente de lideranças fortes, era o ambiente fértil para a ascensão de regimes salvacionistas que canalizassem as frustrações pessoais e coletivas por meio de uma propaganda bem elaborada. Nesse sentido, muitos estudiosos enfatizam também a importância da propaganda como um dos aspectos fundamentais dos regimes fascistas. (SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2014, p. 142.


         Neste sentido, a crise porque passa a democracia brasileira, se reveste num campo fértil para as ideias salvacionistas. Ao se fazer uma crítica às instituições políticas, uma nuvem de fumaça paira sobre a sociedade civil, chegando ao risco de parte considerável da população apoiar postulantes a cargos eletivos, abertamente defensores da instauração de regimes ditatoriais, como por exemplo, o candidato a Presidente Jair Bolsonaro e o seu vice, ambos, claramentes entusiastas de torturadores como é o caso do, carrasco, Brilhante Ustra. Bolsonaro, por exemplo, chegou a dizer que faria o trabalho não realizado pela ditadura militar/ civil, instalada no Brasil em 1964, “mataria mais de trinta mil, inclusive Fernando Henrique Cardoso”.
        O historiador Eric Hobsbawm, em a Era dos Extremos, traz uma ponderação interessante sobre a crise nos governos liberais:

No fundo, a política liberal era vulnerável porque sua forma de governo característica, a democracia representativa, em geral não era uma maneira convincente de governar Estados, e as condições da Era da Catástrofe raramente asseguraram as condições que a tornavam viável, quanto mais eficaz. (HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 140).

       A crise ética e econômica contribui, se não de forma definitiva, mas, no mínimo, com uma considerável parcela de força para o crescimento do discurso de força autoritária. A história nos ensina os riscos dos momentos de crise social para os legítimos caminhos da democracia. Como nos aconselhou o Primeiro Ministro Britânico, Winston Churchill : “ Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”






sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Tortura: face cruel da Ditadura Militar/Civil

Tortura: face cruel da Ditadura Militar/Civil
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

1964: aconteceu em abril
(Para Mailde)

Abril tempos de repensar
Falar é necessário
Democracia, liberdades em risco.
Tempos de uma legalidade interrompida
Dias sombrios
Golpe, não revolução!
21 anos de obscurantismo
Torturas
Prisões
Desaparecidos políticos!
(Luciano Capistrano)


      O estudante Augusto César Salles Galvão, 21 anos, em depoimento, cita alguns dos aparelhos utilizados nos interrogatórios dos presos políticos, feitos nas dependências dos órgãos de segurança: O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 centímetros do solo. Este método quase nunca é usado isoladamente, seus “complementos” normais são eletrochoques, a palmatória e afogamento (BRASIL, 1985, p. 34)
        Estes instrumentos de tortura citados no depoimento, não foram usados nos calabouços da Idade Média, foram utilizados na história recente do Brasil. Na verdade, enquanto festejávamos a conquista do tricampeonato mundial de futebol, em 1970 no México, nos DOI/CODI e DEOPS, ouvia-se o som da tortura, corpos sendo dilacerados em unidades militares, transfiguradas de casas dos horrores. Era o início da década de 1970, quando ocorreu um endurecimento do regime sob o comando do Presidente General Garrastazu Médici.
       As Forças Armadas participaram ativamente nas ações repressivas, com seus organismos: CISA ( Centro de Informação Social da Aeronáutica ), CENIMAR (Centro de Informação da Marinha) e CIE (Centro de Informação do Exército). A cidadania, os direitos humanos, eram palavras mortas, pois: Ser preso por qualquer um desses órgãos significava, invariavelmente, a tortura e, para muitos, a morte. Os assassinatos eram encobertos com versões falsas de “atropelamento”, ou, “morte em tiroteio” que eram divulgados pelos meios de comunicação, ou, simplesmente as autoridades negavam ter feito as prisões (HABERT, 1992, p. 28) .  As prisões eram verdadeiros infernos, para alguns uma experiência enlouquecedora. Além das sevícias sofridas, os presos políticos tinham de se adaptar a ambientes insalubres. Luís Mir, em A Revolução Impossível, relata a situação dos cárceres brasileiros: Dois dos principais castigos no DOI/CODI, a cela refrigerada, com luz potente permanentemente acesa e uma temperatura que deixava os presos, nus, em estado pavoroso. No presídio Tiradentes, era a cela forte, ou cela de leão. Solitária medieval, sem banheiro, completamente escura, sem qualquer ventilação. A sensação era de ser enterrado vivo (MIR, 1994, p. 47).
     Casa dos horrores, esta deve ser a denominação mais correta para essas prisões. Poucas foram as denúncias públicas sobre o que acontecia nestas instituições prisionais. A imprensa vivia sob forte censura.
    Em 1974, com o desmantelamento das organizações de esquerda, o enfraquecimento da guerrilha urbana e os últimos momentos da guerrilha do Araguaia, o Presidente General Ernesto Geisel, assessorado por Golbery do Couto e Silva, apresenta um projeto político de volta gradual e lento da normalidade democrática. A política de distensão, lenta, gradual e segura.
       Não significou o fim da tortura, dos assassinatos, das prisões ilegais, enfim, da perseguição política. Como observou Gorender (1998, p.32): Não podia ser mantido, por conseguinte o nível de repressão policial característico do Governo Médici. Não se tratava de desmobilizar a repressão, porém de torná-la seletiva e discreta.
     Neste período, os órgãos de repressão policial fecharam o cerco sobre o PCB (partido Comunista Brasileiro). Até, então a preocupação era com as organizações da esquerda armada. Uma ostensiva operação repressiva, entre 1974 e 1975, levou dez nomes desta agremiação a fazer parte da lista dos desaparecidos políticos, entre eles, Luiz Maranhão Filho e Hiram Pereira, norte-riograndenses. 

A palavra
Silenciada
Não é palavra
É calabouço.
(Luciano Capistrano)

      A esposa de Luiz Maranhão Filho, em maio de 1974, denunciou que ele estava em São Paulo, sendo torturado pelo delegado Fleury. Até hoje seus familiares não puderam fazer um enterro digno, seu corpo continua desaparecido. E o ex sargento do exército Marival Chaves, revelou que Hiram foi interrogado no centro de tortura e execução, implantado clandestinamente pelo DOI/CODI, em Itapevi, na grande São Paulo, morreu sob tortura e o seu corpo foi lançado em um rio próximo a Avaré (MIRANDA; TIBÚRCIO, 1999, p. 324-327)
        O desmonte do aparelho repressivo, não foi um processo fácil. Na luta para o restabelecimento das garantias individuais, destacaram-se a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa).
       Finalizo, este curto artigo, com Ulisses Guimarães: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”. 

REFERÊNCIAS

BRASIL, nunca mais: um relato para a história. Petrópolis: Vozes, 1985

GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo, 1998.

HABERT, Nadine. A década de 70. São Paulo: Ática, 1992.

MIRANDA, Nilmário; TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo: mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar. São Paulo: BOITEMPO/Fundação Perseu Abramo, 1999.


domingo, 23 de setembro de 2018

Viva a Literatura de Cordel: Patrimônio Cultural do Brasil

Viva a Literatura de Cordel:
Patrimônio Cultural do Brasil
Luciano Capistrano
Professor e Historiador




“Eis a real descrição
Da história da donzela
Dos sábios que ela venceu
E a aposta ganha por ela
Tirado tudo direito
Da história grande dela”.
(História da donzela Teodora - Leandro Gomes de Barros)

No dia 13 de setembro de 2018, a Literatura de Cordel é reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil. Importante ato, pois o Cordel tem a muito tempo uma grande referência na cultura do brasileiro. O dia 13, me fez lembrar de um velho amigo, o senhor Macilon, eu ainda jovem, ainda sem a calvície e os poucos cabelos brancos de hoje, o conheci quando morava no conjunto habitacional Santa Catarina e me fiz de comerciante, tempo em que me aventurei no mundo empresarial das livrarias e papelarias. Pois bem, seu Macilon, todo final de tarde vinha me visitar, na avenida Blumenau, onde localizava-se meu estabelecimento comercial, na verdade uma pequena loja.
O fato é que todo final de tarde, sentados no batente da porta da loja eu e seu Macilon conversávamos sobre a vida e as memórias vividas por aquele senhor, na época eu me achava tão jovem, bem o tempo passa. Em nossas conversas o cordel sempre esteve presente, e, particularmente a História da Donzela Teodora.
Quando vi a notícia do reconhecimento do Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil, me lembrei logo de meu velho companheiro das tardes do Santa Catarina.
Como era gratificante ir aos sábados na feira do conjunto Santa Catarina e procurar cordéis para alimentar minhas conversas com seu Macilon, brincávamos com o fato, dele ser o Macilon do bando de Lampião. Reminiscências de lado, vejamos o mote deste, curto, artigo. A  Literatura de Cordel: Patrimônio Cultural do Brasil.
A Literatura de Cordel tem o reconhecimento merecido, por muito tempo já aclamado como Patrimônio do povo brasileiro, agora recebe o reconhecimento oficial. Leandro Gomes de Barros, considerado o pai do cordel, deve está comandando lá no céu a celebração da poesia sertaneja. Uma literatura, tão fundamental quanto a dita erudita. Neste quesito me filio ao campo dos estudiosos da cultura que não fazem distinção entre, popular e erudito, poesia é poesia e ponto. Como nos ensina o poeta e pesquisador Aderaldo Luciano:

Vamos abrir um parêntese para divertir que aqui não desejamos fazer distinção entre o que se denomina literatura popular e o que se determina literatura erudita. Para nós existirá Literatura. Não haverá, pois, para nós, poesia popular, a cuja abrangência reservou-se vincular o cordel. Essa distinção, segundo percebemos, reside na forma preconceituosa e excludente com que as elites intelectuais sempre trataram as produções que não saíssem de suas lides ou que não seguissem os seus ditames. Popular seria aquela poesia produzida pelo “povo”, os não letrados, os trabalhadores rurais, os habitantes dos guetos. Erudita seria aquela produzida pela elite intelectual, frequentadora da escola e detentora do poder econômico.(ADERALDO, Luciano. Apontamentos para uma História Crítica do Cordel Brasileiro. São Paulo: Editora Luzeiro, p. 17, 2012).

É neste sentido que penso a literatura de cordel, como uma forma de expressão nascida entre as camadas mais populares, agora sem o ranço, ainda presente entre alguns segmentos, de uma literatura “menor”. Não a distinção das formas de poesias, não se justifica a divisão: erudita e popular, principalmente quando acompanhado do viés preconceituoso.  A poética cordelista, tem uma vastidão temática, como acentua o pesquisador Irani Medeiros:

O cordel usa tudo, ou quase tudo. como motivo para criação dos folhetos dos poetas populares. Desde os romances tradicionais - Carlos Magno e os Doze Pares de França, a Imperatriz Porcina, João de Calais, etc -, que nos chegaram da Idade Média, através do romanceiro ibérico, sendo aqui readaptado à ecologia e aos sentimentos nordestinos, até assuntos históricos brasileiros, fatos ligados à religiosidade, ao misticismo, à vida campestre, crimes, acontecimentos mais recentes da atualidade universal[...] (MEDEIROS, Irani. Leandro Gomes de Barros: no reino da poesia sertaneja. João Pessoa: Editora Idéia, 2002, p.13)
Nos tempos do “Cantinho do Poeta”, do saudoso cordelista Zé Saldanha, o dia 13 de setembro teria sido saudado com muita alegria. Ao lado de Bob Mota, Zé Saldanha deve ter feito, lá no céu, versos celebrando a Literatura de Cordel: Patrimônio Cultural do Brasil.
Enfim, finalizo, agradecendo aos resistententes cordelistas, em nossa cidade representados na Casa do Cordel e na Estação do Cordel, lugares vivos, localizados no bairro Cidade Alta.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

A memória virou cinza!

02 de setembro de 2018: a memória virou cinza!
Luciano Capistrano
Professor e Historiador

Museu Nacional

Vestígios
Da humanidade
Em minutos
Cinzas... nada mais.
(Luciano Capistrano)


A noite de domingo, dia 02 de setembro, ficará marcada como o nosso “trágico setembro”. Perdemos, a sociedade brasileira perdeu, confesso, não resisti, fui às lágrimas ao ver o Museu Nacional em chamas. Imagem do terror, um terror a muito anunciado, pois, há anos, as Instituições Científicas e de Ensino, sofrem o descaso, de gestões públicas indiferentes a produção do conhecimento.
As chamas, consumiram em poucas horas anos e anos de pesquisas, de estudos, do acervo repleto de raridades, nos diversos campos do conhecimento. Em junho, passado, o Museu Nacional, completou 200 anos de existência, em sua trajetória seu acervo foi enriquecido, chegando a um número grandioso: 20 milhões de itens, fazendo do seu acervo um dos mais importantes do mundo.
Luzia, fóssil mais antigo da América, encontrado no Brasil, uma mulher de mais de 11.000 anos, não resistiu aos desmanches ou a não existência de políticas públicas preservacionistas de nossa memória. Nossas casas de memórias, estão em risco.
O fogo transformou em cinzas raridades,como por exemplos, pergaminho datado do século XI com manuscritos em grego sobre os quatro Evangelhos; a Bíblia de Mogúncia, de 1462, primeira obra impressa a conter informações como data, lugar de impressão; a crônica de Nuremberg, de 1493, considerado o livro mais ilustrado do século XV, com mapas xilogravados tidos como os mais antigos impressos em livro, estes são apenas uns dos milhões de documentos perdidos.
Criado por Dom João VI, ocupando um belíssimo prédio histórico, o Palácio São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, residência real, desde a chegada da família imperial portuguesa, em 1808, foi a partir de 1892 instalado o museu.
Na semana da pátria, quando a sociedade brasileira celebra a Independência, somos tomados pelo sentimento de perda, no que existe de mais simbólico, quando pensamos em uma identidade nacional, nossa memória se esvaiu nas chamas da irresponsabilidade de gestores malfeitores da coisa pública.
Nossa cidade Natal, como o Brasil, carece de uma política de valorização dos arquivos e museus, como espaços guardiões de nossa memória. Nestes lugares, apesar da boa vontade dos seus funcionários, falta infraestrutura e equipamentos adequados para a conservação do acervo.
Um exemplo, bem ilustrativo, da situação destes lugares de memória, são o arquivo Público Estadual e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Volto a repetir, meu caro leitor, nossos arquivos contam com profissionais comprometidos na preservação da documentação pertencentes aos seus acervos.   
Acervos em situação de risco. Coleções de jornais, manuscritos, fotografias, livros de óbitos, diversos tipos de documentos, enfim, encadernados, mas impossibilitados de serem consultados, pois, o estado em que se encontram correm riscos de abertos, se desmancharem, virarem pó.
Urgente faz necessário, desenvolver políticas públicas referentes a preservação dos acervos guardados nestes lugares de memória. Os arquivos públicos ou particulares e museus, não podem serem tratados como, “lugar de mortos”, e sim “lugar de vivos”. Espaços em que encontramos o pulsar das gerações passadas, fazedores do amanhã. Aos órgãos de preservação da memória nacional, resta efetivar uma política de salvaguardar os acervos deixados por nossos antepassados. Uma política que contemple dois vieses: a organização dos arquivos e museus e o desenvolvimento de Educação Patrimonial. Deste modo, o indicativo infraestrutura e educação caminhando de mãos dadas na guarda dos “tesouros da história”.
O Patrimônio Histórico/Cultural, necessita de proteção, e, não basta apenas uma legislação faz necessário uma ação de Estado, uma Política Pública de gestão deste Patrimônio. 02 de setembro de 2018: a memória virou cinza!


Foto: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte - Luciano Capistrano

domingo, 1 de abril de 2018

1964: aconteceu em abril


1964: aconteceu em abril
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

Entre gritos, insanidade
Autoritária
Nas casas dos horrores
Trucidam as
Liberdades
Fez escuro a nação verde-oliva
Ergue-se figuras fascinoras
Ustra e CIA!
(Luciano Capistrano)


               Na madrugada do dia 31 de março de 1964, “tropas do IV Exército partem de Juiz de Fora/MG em direção ao estado da Guanabara”, os ouvintes da Rádio Mayrink Veiga, acordaram com essa notícia. Era a marcha do obscurantismo, dava início, assim, a interrupção do processo democrático brasileiro, 
               31 de março de 1964, é o ato final de um complô articulado por forças militares e civis,  sobre a tutela norte-americana com a finalidade de manter e ampliar os interesses dos EUA no Brasil. Fez-se noite a democracia.
          O início dos anos 1960 no Brasil é caracterizado pela falência do populismo enquanto projeto político que garantia a permanência da burguesia no poder, cujo alicerce está na aparente harmonia entre as classes sociais. Sobre esta função política do populismo o historiador Jacob Gorender afirma: O populismo foi a forma da hegemonia ideológica por meio da qual a burguesia tentou – e obteve em elevado grau – o consenso da classe operária para a construção da nação burguesa. A liderança carismática e sem mediações formalizadas, adequadas a massas de baixo nível de consciência de classe, constituiu a expressão peculiar do populismo. Não sua essência, concentrada nas ideias de colaboração de classes e paz social (GORENDER, 1998, p.16).
            Neste sentido, o populismo é um dos instrumentos em que a elite apoiou-se para constituir e manter a ordem burguesa, pelo menos até quando se sente ameaçada por uma classe operária que nasce com esta política populista e a cada momento adquire uma maior consciência de classe. Deste modo: O populismo é um movimento representativo, fundamentalmente, da concomitância do controle da cúpula do poder econômico político pela burguesia brasileira, sob as transformações trazidas pelo novo setor da burguesia industrial, com a cooptação, para esse processo, do proletariado emergente. Constitui uma aliança de classes, frouxa, mas durável, que perdura do fim do Estado Novo até a crise do governo Goulart. Um período que se estende de 1945 a 1964. Esse processo está caracterizado por uma reorganização de alianças dentro da sociedade brasileira (JAGUARIBE, 1985, p.13).
       Confirmando o que foi dito, anteriormente, sobre o populismo, Dreifuss (1981) apresenta a candidatura de Jânio Quadros como sendo “a última tentativa eleitoral civil do grande capital para conseguir compartilhar o poder de Estado com o bloco populista vigente”. Quando da reúncia de Jânio, em agosto de 1961, o vice-presidente, João Goulart, encontrava-se em visita diplomática à China. Nesse momento da Guerra Fria, os setores dominantes entraram em pânico, temerosos de que João Goulart assumisse o poder, porque as forças conservadoras mostravam o perigo de qualquer aproximação com países comunistas.
       João Goulart marcou sua trajetória política. Desde o governo de Getúlio Vargas, quando foi ministro do trabalho, por sua proximidade com os setores organizados da sociedade, principalmente os representantes da classe trabalhadora. Herdeiro político de Vargas pautou sua vida política na defesa intransigente das conquistas trabalhistas. 
A posição de desconfiança dos setores dominantes da sociedade, em relação ao governo Goulart, é confirmada por René Dreifuss, em A Conquista do Estado: João Goulart tornou-se presidente, contrariamente às expectativas dos empresários multinacionais e associados, bem como da estrutura militar de direita. Com a ascensão de João Goulart ao governo, o bloco multinacional associado, que estava na iminência de perder sua posição econômica privilegiada, preparou-se para restringir as demandas populares e reprimir os interesses tradicionais pela imposição de meios extra políticos. Os interesses multinacionais e associados começaram a articular um bloco civil-militar de tendências cesaristas que, no fim, tanto subverteria a ordem política populista quanto conteria as aspirações nacional reformistas (DREIFUSS, 1981, p. 130).
         Esta articulação de um bloco civil-militar, apontada por Dreifuss, com a finalidade de conservar os privilégios das multinacionais e associados, rompendo a ordem constitucional não era nenhuma novidade na política brasileira. A derrubada do governo de João Goulart representou na verdade a vitória de um grupo político que ao longo dos governos populistas sempre cogitou a possibilidade de os militares assumirem o poder, preservando, deste modo, seus interesses. Tancredo Neves, primeiro-ministro do governo Goulart, testemunha ocular dos grandes episódios da República desde Vargas até o fim do regime militar, esclarece a relação do golpe militar de abril, com outros momentos da história republicana: Eu acho que o suicídio (do presidente Getúlio Vargas, 25 de agosto de 1954) teve realmente como consequência a eleição de Juscelino ( Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito presidente da República em 1955). Mas o suicídio também adiou 64. Você verifica: as lideranças de 64 são as mesmas de 54, com os mesmos objetivos. 64 foi uma revolução de direita, uma revolução conservadora, uma revolução nitidamente pró-americano, feita, inclusive, com a participação deles, americanos, que já tinham participado em 54. Para mim, este é o aspecto mais importante do suicídio de Vargas. Você verifica também que o Jânio, em 61, foi, na verdade um cripto-64. O Jânio teve uma cobertura enorme de todos os elementos que fizeram 64 (NEVES apud COUTO, 1999, p.54).

1964: aconteceu em abril*
(Para Mailde)

Abril tempos de repensar
Falar é necessário
Democracia liberdades em risco.
Décadas de uma legalidade interrompida
Dias sombrios
Golpe não revolução!
21 anos de obscurantismo
Torturas
Prisões
Desaparecidos políticos!
(Luciano Capistrano)
*Livro de Mailde Pinto Galvão.
(Luciano Capistrano)

REFERÊNCIAS

COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil (1964-1985). Rio de Janeiro: Record, 1999.

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.

GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1998.

JAGUARIBE, Hélio. Sociedade e política: um estudo sobre a atualidade brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

segunda-feira, 26 de março de 2018

De cinemas e memórias: Divagações


De cinemas e memórias: Divagações
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade

Quando criança, além das brincadeiras de rua, o que me animava era a ida ao cinema, quanta alegria nos domingos, quando papai e mamãe levavam eu e meus irmãos para ver a sétima arte. O Rio Grande, o Rex, o Cine Nordeste e o Panorama, fazem parte de minha memória afetiva, tempos bons, filmes, brincadeiras, pipocas com guaraná “champanhe” e, nos dias de “esbanjamento”, tinha torrada com vitamina de abacate na Casa da Maçã, delicias.
Uma época de cidade pacifica, andávamos sem preocupação com a violência, assaltos era coisa rara de acontecer.
Nestes dias, de crises, ‘carne fraca”, “lava jato”, “golpe”, violência sem limite, dias de tantas interrogações, aproveitei para reler alguns livros, entre eles “Écran Natalense”, clássico sobre a história do cinema em Natal, obra de referência para quem deseja conhecer os caminhos da história cinematográfica potiguar. Anchieta Fernandes, pesquisador e participe da cena urbana de Natal, enveredou com outros amantes do cinema pelos caminhos dos Cine Clube Tirol, “movimento” importante na difusão entre parte da juventude dos anos de 1950/1960, da Sétima Arte, o pesquisador nos presenteia com uma excelente publicação, do Sebo Vermelho, sobre este universo da “telona” na cidade de Natal.
Publicado em 1992 “Écran Natalense” é leitura obrigatória para quem deseja conhecer o mundo do cinema em Natal. O Cine Nordeste, por exemplo, é apresentado por Anchieta Fernandes:

Quase ao final da década de 50, Natal teve inaugurado seu primeiro cinema com ar condicionado. O Cine Nordeste, da Cireda. A primeira sessão para o público foi a 20 de dezembro de 1958, exibindo o filma “O Príncipe e a Parisiense”, do diretor francês Michel Boisorond. [...] {lembranças} do tempo em que passava o Cinema de Arte no Nordeste, e todos íamos conversar nas mesas da Sorveteria Oásis, tomando algum sorvete ( a preferência era por sorvete de abacate) antes de começar a sessão. A sorveteria hoje não existe mais, e seu espaço agora é ocupado pela Farmácia Padre João Maria. (FERNANDES, Anchieta. Écran Natalense. Natal: Sebo Vermelho, 1992, p.119-123)

          Hoje, muito em decorrência da violência e da comodidade encontrada nos shoppings, não temos mais os “cinemas de rua”, as grandes salas de cinema, do bairro da Cidade Alta ao bairro do Alecrim, desapareceram. A geração atual, chega a ficar “espantada” , quado dizemos, “sim, o Alecrim tinha cinema”:

Se indagássemos aos jovens do século XXI sobre cinemas em Natal, muitos falariam das salas cinematográficas que existem nos shopping centers da capital. A maioria não se recorda das salas de cinema do Rex, Rio Grande, Nordeste, Panorama e Rio Verde, famosas nas décadas de 1970, 1980 e primórdios da década de 1990, nem daquelas localizadas na Cidade Alta, Rocas ou Petrópolis. Mas era no bairro do Alecrim onde se concentrava o maior número de salas de cinema da cidade entre as décadas de 1920 e 1950, frequentadas em sua juventude por avós, tios e pais.( ALVEAL, Carmen M. O. etal . Memória minha comunidade: Alecrim. Natal: SEMURB, 2011, p.114)

          De cinemas e memórias: divagações, como uma colcha de retalhos, feita por minha avó Paulina, vou caminhando na estrada de Clio, buscando compreender a urbe e suas resignificações ao longo do tempo. A cidade traz na sua essência a transformação da paisagem, os lugares ganham em tempos outros, funções diferentes e assim, entre o antigo e o novo, me encontro, neste tempo presente a olhar o passado.
           Ao fazer este percurso sobre o “asfalto” do passado, sigo as palavras do Historiador Jacques Le Goff: “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”. (GOFF, Jacques Le. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, p.471)
         Enfim a cidade cresceu - os cinemas de ruas, encontraram abrigos nos shopping centers, as conversas de calçadas, na “boca da noite”, são momentos raros, as ruas viraram espaços temerários -, as incertezas, neste caldeirão dos tempos presentes, é o que temos de mais promissor. Nos resta escrever e provocar o dialogo sobre os caminhos e descaminhos da urbe.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.


Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5:
Sangra-se as liberdades.
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Semurb/ Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


           No dia 28 de março de 1968, um jovem estudante secundarista, Edson Luís de Lima Souto, foi morto em um conflito entre estudantes e a Polícia Militar. O cenário de “guerra” aconteceu no restaurante Calabouço, o uso de armas de fogo, por parte das forças de segurança pública, causou a morte de um jovem, em meio ao agitado ano de 1968. Nesta época, os “ventos” vindos de diversas partes da Europa, principalmente da França, incentiva, em todo Brasil uma reação de parte da sociedade contraria ao rompimento do processo democrático ocorrido com o golpe militar civil de 1964.
          O ano de 1968 é um capítulo importante na mobilização contra o golpe, as praças são ocupadas, o grito por democracia ecoa em diversos lugares do país. A morte de Edson Luís, causa uma comoção em setores, antes silenciados, a classe média vai as ruas protestar contra as ações autoritárias implantadas com os generais presidentes. Conforme o Historiador Carlos Fico:

O impacto na opinião pública foi muito grande. A censura rigorosa da imprensa ainda não havia sido implantada, de modo que os jornais puderam noticiar o ocorrido, inclusive com fotos dramáticas do cadáver do jovem morto. […] Uma faixa exibia frase contundente para a classe média: “mataram um estudante: podia ser seu filho.” […] A morte de Edson Luís gerou protesto pelo Brasil afora […] O governo decidiu reprimi-las. No dia 4 de abril, a polícia montada atacou as pessoas que saíam da missa de sétimo dia de Edson Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. (FICO, Carlos. São Paulo: Ed. Contexto, p. 63-64, 2015).

        A livre manifestação é reprimida, em uma demonstração de força autoritária, os militares impunham a “paz” das baionetas, muitos foram os casos de ataques, como o ocorrido durante a missa de sétimo dia, quando o as escadarias da igreja de Nossa Senhora da Candelária, na cidade maravilhosa, testemunhou a truculência, como salientou Carlos Fico.

A palavra
Silenciada
Não é Palavra
É calabouço.
(Luciano Capistrano)

          A sociedade brasileira viveu dias de idas e vindas, nas veredas das liberdades, os movimentos sociais, espalharam por todas as regiões ações de mobilização contras as atitudes repressivas, abria-se uma “fresta” nas portas do arbítrio. O mês de junho é marcado por um dos mais fortes atos em defesa das garantias individuais, a “Marcha dos Cem Mil”. Sobre este momento, o Historiador Jacob Gorender, em Combate nas trevas, faz a seguinte observação:

O dia 26 de junho marcou o momento de auge com a Passeata dos Cem Mil, que se concentrou na Cinelândia carioca e percorreu a avenida Rio Branco, até a Praça Quinze. […] Presentes vedetes da música popular, da televisão e do teatro, escritores, jornalistas e políticos, professores e líderes sindicais. Tal a repercussão que o Presidente Costa e Silva se dispôs a receber em Brasília a comissão representativa dos organizadores da passeata. Nada resultou do diálogo, mas esta foi a única e última vez que um general-presidente concedeu a uma comissão popular. (GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ed. Ática,p. 148, 1997)

       O ano de 1968, com  março marcado com o sangue do jovem Edson Luís, e, junho com a grande marcha dos Cem Mil, não terminou bem para o restabelecimento da democracia. Em 13 de dezembro, o governo do general-presidente, decreta o Ato Institucional n. 5. Este famigerado AI-5, dotou o general-presidente de poderes ditatoriais. Fecha-se o Congresso Nacional, faz escuro a democracia.

1964… sangra-se liberdades!

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Tortura-se
Prende-se
Exila-se
Silencia-se
Desaparecidos políticos.

Memórias das noites sombrias
Sob o manto do medo
Censura-se
O pensar
Mordaça-se
A fala
Democracia interrompida
1964… sangra-se liberdade!
(Luciano Capistrano)

       Nestes tempos de democracia em risco, façamos o bom diálogo, lembrar para não repetir. Finalizo, com essa provocação: Da morte do estudante Edson Luís ao famigerado AI5: Sangra-se as liberdades.

A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...