Livros de memórias: um doce percurso sobre a urbe.
Luciano Capistrano
Professor de História
Mestrando Profhistória / UFRN
Fiquei sabendo de Décadas, livro de Clementino Câmara, ouvindo umas conversas no Sebo Vermelho. Sim sempre gostei dos “sons” que ecoam nos sebos, muita informação encontra-se nas rodas de bate papo. São os cantões, as cocadas, de antigamente, e, foi então em um desses lugares mágicos que ouvi pela primeira vez o nome de Clementino Câmara. Desde aquele momento passei a “cata” o livro Décadas, curioso em conhecer a trajetória das memórias do Professor de diversas gerações da capital potiguar.
De idas e vindas, por entre poeiras e ácaros, encontrei o livro. Logo nas primeiras páginas, o autor faz uma deliciosa advertência sobre sua escrita:
Mas este livro não é apenas de uma recordação de nossa vida; ludâmbulo de nova espécie, fizemos este passeio aos tempos que se foram - desde aqueles em que o “boi calemba” e os “congos”, para obter permissão de brincar, dançavam primeiro em frente á chefatura de polícia, na rua da Conceição, bem perto do Palácio do Governo; em que se fazia a fogueira de São João na Rua Grande, hoje Praça André de Albuquerque; em que as “Lapinhas” do Antônio Elias e José Lucas, e os Fandangos de Chico Bilro constituíam nota do dia [...]. (CÂMARA, Clementino. Décadas. Ntal: EDFURN, 2018, p.9)
Radiante eu estava diante de um livro de memórias com doce percurso sobre uma urbe que não existe mais, uma urbe do passado. Tratava-se de uma Natal que conheceu o fim de um século, o século XIX e um amanhecer de um novo século, o século XX. O interessante nessa trajetória inicial, é o cenário urbano fazer parte integrante da narrativa “autobiográfica”. Confesso me atrai as memórias, gosto de fazer, este passeio, este caminhar pelas ruas da cidade através dos memorialistas.
Clementino Câmara através de suas memórias afetivas nos apresenta uma Natal do passado, uma cidade memória. A cidade que desce a ladeira, e chega na Ribeira, no Cais da Tavares de Lira, e entra nas terras do sítio pertencente ao “Bom Jesus das Dores”, é uma Natal a ser explorada nas páginas de Décadas. A cada informação de sua vida, um pouco da urbe se apresenta, como pro exemplo no seu encontro com os primeiros evangélicos da cidade:
Numa terça-feira de maio de 1901, entrei na igreja do Bom Jesus, onde se rezavam os terços do mesmo mês. Depois fui pela atual rua Frei Miguelinho e vi num salão uma reunião de diversas pessoas. Cantava-se. Aproximei-me e fiquei com outros curiosos no “sereno”. Diante do auditório, tendo a iluminar-lhe a loira cabeça um candeeiro a querosene, encontrava-se João Ferreira Nobre com a Bíblia aberta, pregando.(CÂMARA, Clementino. Décadas. Ntal: EDFURN, 2018, p.74)
Estes dois fragmentos são bem ilustrativos das minhas inquietações dessa “cidade” despida por cronistas/memorialistas. Busco neste universo de memórias, tecer os retalhos das lembranças narradas, na formatação de Natal. Tenho em minha estante um lugar especial para o memorialistas da urbe, são vozes prontas para narrar a cidade. Me delicio neste diálogo, eu e os memorialistas “habitantes de minha biblioteca”, para lembrar o professor Américo de Oliveira. Um desses habitantes é Lair Tinôco e seu “Tempo de Saudade”.
[...] Todas as tardes, o meu avô, Dodô, como eu e minha irmã o chamávamos, pegava na minha mão e me levava para olhar a enchente do potengi. As águas barrentas lambiam os degraus de pedra do pequeno cais e até espraiavam-se pelo calçamento regular da Av. Tavares de Lira [...] Na volta sempre dávamos uma entradinha na Rua Chile. Lá ficava a “Dispensa Natalense”, o melhor armazém de cosmétiveis da nossa cidade naqueles idos. (TINÕCO, Lair. Tempo de Saudade. Natal: Fundação José Augusto, 1992, p. 73-74)
São os livros de memórias: um doce percurso sobre a urbe, este é o convite deste curto artigo. Deixo para você leitora e leitor este convite, se joguem neste mundo das memórias e pise no chão de uma Natal, cidade memória.
Bela resenha! Eu tb curto estudar sobre memórias. Mais ainda percorrer os caminhos quer levaram a construí-las! Abraço!
ResponderExcluirQue legal Bruno, obrigado pela leitura e comentário.
ExcluirCaro amigo, o convite deve ser amplificado para além deste espaço, o amor pela cidade que já foi, pode ajudá-la a protegê-la da sanha à espreita.
ResponderExcluirObrigado amigo, você sempre com suas pertinentes reflexão.
ExcluirCom certeza, a leitura envolve não apenas um resgate memorativo, mas,sobretudo, um mergulho na imaginação e na remontagem de espaços e relações pessoais que já não existem com o mesmo significado social. Parabéns, professor Luciano, por nos oportunizar esses roteiros simbólicos que nos fazem reviver, por instantes, o conhecer e o sentir dessa urbe, cujas impressões do tempo presente, por si só, seriam incapazes de nos fazê-la compreender e se apropriar de seus espaços com mais sensibilidade histórica e identitária. Cordial abraço do amigo Bartô.
ResponderExcluirObrigado mestre, suas reflexões sempre contribui para um melhor olhar sobre nossa cidade. Um abraço fraterno
ExcluirFizemos um pequeno curso juntos, onde o que estudamos me levou a amar mais ainda a historia passada e a presente.Antes da minha formacao aacademica, cogitei ser uma historiadora, porem a vida,(minhas escolhas), me levaram por outros caminhos. Hoje tenho o prazer de ve-lo escrever e compartilhar conosco seus achados e agradeço. Me encantei com seu texto.
ResponderExcluirObrigado, fico feliz com suas palavras generosas.
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