Covid
19: Estamos todos no mesmo barco?
Luciano
Capistrano
Professor
de História: Escola Estadual Myriam Coeli
Mestrando:
Profhistória/UFRN
“Tem uma coisa sobre a Covid 19: Ele
não liga se você é rico ou pobre, quanto famoso você é”. (Madona)
Essa afirmação de Madona tem
verdades contraditórias, digamos, com a nossa realidade e a de muitos outros
países. Em algumas nações o nível de enfrentamento da pandemia ocorre em certo
grau de igualdade, mas essa situação não é comum a maioria das nações. Por que
me refiro a contradições? Uma vez enfermo com este novo coronavírus,
independente das condições socioeconômicas necessitaremos dos mesmos cuidados?
Não estaremos igualmente correndo os mesmos riscos? Aparentemente sim. Agora o
que pretendo trazer ao diálogo são o incomodo que me causa ao ouvir essas
afirmações que estamos no mesmo barco.
Uma das questões em evidencia diz
respeito as politicas de prevenção orientadas pelos diversos organismos de
saúde pública, como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e o Ministério da
Saúde, o Isolamento Social e o Distanciamento Social. A Quarentena é vivenciada
em igualdade por todos nós? Estamos todos no mesmo “barco”, nessa crise, da Covid
19.
Diante das questões façamos um
percurso, mesmo rápido, sobre aspectos da urbanização de Natal na busca de
compreender a relação da formação territorial da urbe e as possíveis respostas
sobre se estamos todos no mesmo “barco” nessa crise da
Covid 19.
Uma das realidades postas dizem
respeito ao traçado urbano, me refiro a cidade de Natal, como apontou o
Professor Pedro de Lima, desde o Plano Polidrelli (1901-1904) a urbanização se
pautou nas vias abertas naquele grande “loteamento”. Conhecido como Plano da
Cidade Nova, origem do terceiro bairro da cidade, hoje Tirol e Petrópolis,
consolidava o viés da segregação espacial das classes sociais. Assim:
A Cidade
Nova se constituiu em uma dupla solução para o desejo de autossegregação das
classes dominantes locais. Por outro lado, o Plano Polidrelli superaria o
antigo desenho originário da cidade colonial, onde as classes conviviam,
praticamente, no mesmo espaço ou guardando uma certa contiguidade. Por outro
lado, serviria como refúgio, onde as classes dominantes poderiam se proteger do
contato com as péssimas condições ambientais e das epidemias que então,
grassavam a cidade. (LIMA, Pedro de. Natal século XX: do urbanismo ao
planejamento urbano. Natal: EDUFRN, 2001, P.35)
Ocorreu então um processo de feitura
de uma cidade da exclusão, a princípio
pode parecer muito pretencioso essa definição, mas corrobora com essa
perspectiva as criticas do Jornalista Elias Souto, opositor a oligarquia
chefiada por Pedro Velho, foi contundente ao se referir ao terceiro bairro que
nascia, a Cidade Nova, de Cidade das Lágrimas. Denunciava em seu pasquim as
desapropriações e expulsam das famílias pobres das terras loteadas para receber
a elite republicana em seu novo habitat.
Essa marca da exclusão ou dos
lugares sem infraestruturas para as camadas mais pobres é um dos principais
problemas das políticas urbanas a se arrastarem anos a anos, administrações a
administrações municipais. Uma olhada sobre as regiões administrativas de Natal
e já percebemos essas diferenças. Podemos dizer que existem diversas cidades em
uma. Como no romance da escritora Thrity Umrigar, A Distância Entre Nós:
Bhima
termina seu trabalho e dirige-se a torneira. Suspira ao ver a longa fila
serpenteando para além dos barracos negros de aparência desordenada, com seus
telhados de zinco remendados. A luz
matinal torna a miséria da favela ainda mais visível. Os esgotos a céu aberto
com seu cheiro desagradável e pungente, as escuras fileiras de barracos
oblíquos [...[.(UMRIGAR, Thrity. A distância entre nós. São Paulo: Edição Folha
de São Paulo, 2005, p.14).
Existe uma cidade real composta de
distâncias socioeconômicas desnudas principalmente nos dias atuais. Para grande
parcela da população de Natal não é fácil seguir as orientações das autoridades
com relação ao isolamento social. E, aqui faço uma provocação: Não estamos no
mesmo barco, a pandemia da Covid 19 escancarou a cruel realidade social. Como
falar em “Isolamento Social” ou “Distanciamento Social” em uma comunidade
cortada por vielas e becos estreitos, casebres de um ou dois cômodos onde moram
mais de 4 pessoas, entre crianças, adultos e idosos? Como falar em “Isolamento
Social” ou “Distanciamento Social” para uma população de rua?
São muitos os desafios diante de uma
sociedade marcada pela distância socioeconômica.
Ao aproximar do fim lembro das
pesquisas que apontam uma curva em crescimento dos casos da Covid 19 nos
bairros mais afastados das aéreas nobres, a um deslocamento dos índices de contágios.
No início dos primeiros registros, a concentração das notificações corria nos
bairros nobres, Triol e Petrópolis, nos últimos dias o epicentro apresenta um
movimento para o bairro Potengi, conforme os dados do dia 30/04.
Duas questões para nos provocar
reflexões sobre os motivos desse deslocamento do epicentro da Covid 19 dos
bairros nobres para a periferia de Natal, o problema da habitação e o
subemprego, o contagio caminha na rota dos “invisíveis” da sociedade. Onde
estão as políticas públicas? Onde estão os programas de renda mínimas? Neste
momento fariam a diferença. Existe um divida histórica que precisa ser paga.
Pois, ainda ouvimos as vozes dos sem tetos, dos invisíveis, dos excluídos a
dizerem: NÃO ESTAMOS NO MESMO BARCO. A cidade do Natal de 2020 ainda convive
com uma Natal de 1960, assim nos informa o historiador Wesley Garcia obre as
mães sem tetos:
O
destino das mães era semelhante ao daqueles que à noite, em frente ao então
mercado da Cidade Alta, quando as lojas fechavam e o trânsito de veículos e pedestres
ficava quase extinto, começavam a chegar, muitos dos quais balaeiros do
mercado, para dormirem nos batentes da lojas fronteiriças, cobertos muitas
vezes apenas com um jornal. [..] Assim, o problema da falta de trabalho, da
mendicância e da falta de habitação se constituía como desafio para os poderes
públicos da década de 1960. Na Cidade do Natal. (SILVA, Wesley Garcia Ribeiro
da. Cartografia dos tempos urbanos: Representações, cultura e poder na Cidade
do Natal (década de 1960). Natal: EDUFRN, 2011, p. 118).
Finalizo com a provocação inicial:
Covid 19: Estamos todos no mesmo barco?
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