quarta-feira, 26 de julho de 2017

Hiroshima e Nagasaki: Little Boy inaugura uma nova ordem

Hiroshima e Nagasaki: Little Boy inaugura uma nova ordem
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte



Hiroshima e Nagasaki
Mães choram um agosto

Perdido
Das dores de Hiroshima e Nagasaki
Sangram
Inocentes infantis.
Explodem memórias
Little Boy, fez-se cinzas
O dia 6… no céu voa Enola Gay 
De repente…
A bomba fora da lei
Cai sobre o amanhecer 
Cumpre-se as ordens dos herdeiros
De Auschwitz.
Ao entardecer corpos surgem em sombras
Na rua... um homem de bengala.
Fez-se noite
Das cortinas de fumaça
Em
Obscuros tempos de Guerra Fria.
(Luciano Capistrano)




           O 6 de agosto de 1945, parecia ser um dia normal, se é que pode ser normal um dia em tempos de guerra. Naquele amanhecer a cidade de Hiroshima, pulsava vidas, crianças, jovens, adultos… gente em suas casas, nas ruas, chegando a escola ou ao lugar de trabalho, tudo parecia normal. Até surgi uma aeronave nos céus e um clarão tomar contar da cidade.
            Os Estados Unidos, davam início ao “jogo” da corrida armamentista, uma cidade de aproximadamente 350.000 habitantes, foi destruída em minutos. Os americanos, de maneira terrível, lançava uma nuvem de fumaça sobre o mundo, um mundo tão castigado com a Segunda Guerra Mundial, passou a conhecer, então, a potência das bombas atômicas lançadas sobre as cidades japonesas do Enola Gay. A bomba atômica:
Além das mortes imediatas, essas bombas dão início à longa agonia dos que, atingidos pela radiação, morrerão aos poucos, nos anos a seguir. De fato, foram constatados efeitos somáticos e genéticos incontáveis. Entre eles, enfraquecimento geral do organismo, lesões oculares, deformações irreversíveis decorrentes de queimaduras profundas, cansaço generalizado, aumento considerável de diferentes formas de câncer e incontáveis consequências genéticas e malformações do feto.
[..] Começava naquele exato momento a corrida atômica que Einstein tanto temera. Em agosto de 1949, após quatro anos de monopólio nuclear americano, a [ex] União Soviética também teria sua bomba atômica, menos de cinco meses após a assinatura do Tratado do Atlântico Norte […] Começava aí a guerra fria entre as duas grandes potências vencedoras do conflito: Estados Unidos e União Soviética, cujo primeiro conflito aparente foi o Bloqueio de Berlim, já em 1947. (KOLTAI, Catarina. Por que pacifismo? São Paulo: Editora Moderna, p. 38-39, 1987)


          O mundo do pós Hiroshima e Nagasaki, transformou-se. A partir daqueles tristes dias, o fantasma de uma hecatombe nuclear povoou os quatro cantos da terra. A corrida armamentista era um verdadeiro campo minado, os interesses econômicos e de dominação territorial das duas potências atômicas não tinham limites e nem escrúpulos. O mapa mundi era ditado nos corredores obscuros do Kremlin e Washington.
          Crises entre os blocos antagônicos marcaram este período, o clima era de guerra, e, não tinha nada de fria. A questão de Berlim, com a criação dos dois países: República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã, uma nação separada por um muro. O Muro de Berlim, é o símbolo maior da Guerra Fria, construído em 1961, uma Alemanha e duas nações, Ocidente e Oriente dando o tom da época. Um mundo dividido e diversos momentos de tensão compondo o cenário da diplomacia das armas nucleares:
[…] as duas superpotências aceitavam a divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas de demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas que pudesse levar a uma guerra e, ao contrário da ideologia e da retórica da Guerra Fria, trabalhavam com base na suposição de que a coexistência pacífica entre elas era possível a longo prazo. Na verdade, na hora da decisão, ambas confiavam na moderação uma da outra, mesmo nos momentos em que se achavam oficialmente à beira da guerra, ou mesmo já nela. […] A Guerra Fria que de fato tentou corresponder à sua retórica de luta pela supremacia ou aniquilação não era aquela em que decisões fundamentais eram tomadas pelos governos, mas a nebulosa disputa entre seus vários serviços secretos reconhecidos e não reconhecidos, que no Ocidente produziu esse tão característico subproduto da tensão internacional, a ficção de espionagem e assassinato clandestino.(HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia Das Letras, p. 225-226, 2000)


            Este cenário fez surgi guerras regulares com a participação direta das superpotências, a guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. As manifestações de estudantes da Universidade de Budapeste, de intelectuais e de trabalhadores exigiam eleições livres, a legalização dos partidos democráticos e a retirada das tropas soviéticas do país, no movimento conhecido como sublevação húngara, fortemente reprimido pelos tanques soviéticos. A Crise dos Mísseis, grave momento de risco para a paz, com a instalação de misseis soviéticos, 1961-1962, em Cuba. A guerra do Vietnã, 1965 a 1973, conflito que levou a população americana, em sua maioria, a ocupar as principais praças e avenidas com o slogan “Faça o amor e não faça a guerra”. A guerra do Vietnã, foi a mais sangrenta do período da Guerra Fria, deixou um saldo de 2 milhões de mortos, daí resulta a mobilização pacifista ter crescido muito nos Estados Unidos, quando os primeiros marines começaram a voltar mutilados ou em caixões, e, os relatos da utilização de armas químicas contra civis vietnamitas por soldados americanos é descoberto pela sociedade norte-americana, os gastos e envios de soldados para a zona de conflito, sofre críticas severas da opinião pública. Derrotados, os EUA, veem os Russos invadirem o Afeganistão, a denominada Guerra Afegã-Soviética, 1979-1989, foi o “Vietnã” da ex-União Soviética.
          Se  Little Boy inaugura uma nova ordem, com o fim da Guerra Fria a uma confusão com os países fora do eixo EUA X URSS, cheios de sentimentos xenófobos e armados com suas ogivas nucleares. Sobrevivemos a Guerra Fria, o difícil é dizer se sobreviveremos ao terrorismo, com os “estados islâmicos” ou a Donald Trump e Kim Jong-un, lideres belicistas do EUA e da Coreia do Norte.


terça-feira, 25 de julho de 2017

Diálogos sobre a urbe: Caminhos e Descaminhos da cidade de Natal

Diálogos sobre a urbe: Caminhos e Descaminhos da cidade de Natal
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


Natal

Não sei se terei a rima perfeita
Para em versos poéticos
Dizer dos caminhos e descaminhos
Das memórias, das histórias
Da terra de nome: Natal.
Lugar de brancas dunas
Tantas vezes cantadas em versos e prosas
Nos cantos de Açucena
Ao balançar dos coqueirais
A sombra das "praieiras dos meus amores", descortina a urbe: Natal.
Ouço vozes no tempo
Otoniel Menezes
Ferreira Itajubá
Jorge Fernandes
Palmyra Wanderley
Suas poesias a ecoar nas esquinas
De uma Baby linda.
Dos encontros de civilizações
Ibéricos, Africanos, Potiguaras
Forjaram culturas em partos
De dores e alegrias
Se fez uma Fortaleza dos Reis Magos
Ao olhar do alvissareiro
Lá no alto da torre
Via-se como " era grande o Potengi".
Dos limites da Santa cruz da Bica
As margens do Riacho do baldo
Latas d'água na cabeça
Gente ia e vinha, em caminhos de beber água sob as bênçãos de Santo Antônio
Ao canto do galo se fez uma cidade
Devota a Nossa Senhora da Apresentação
E nas margens ergueu-se
A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
E assim, em versos sem rimas
Vou pautando uma história urbana
Dos vestígios de memórias
Entre rochas e humanos
Descortino a cidade
Da Ribeira, da Cidade Nova
A Cidade Alta , em uma construção
Continua, ditas por poetas e cronistas
Natal, Cidade do Sol
Já foi Trampolim da Vitória...
(Luciano Capistrano)


            Falar em Natal para muitos é apenas discorrer sobre as belezas naturais. Dizer das belezas de seu litoral e incluir, até praias vizinhas, como nos versos do poeta “... de Redinha a Genipabu...” Bem realmente, a mãe-natureza presenteou a cidade do Natal, com uma paisagem única. Aqui encontra-se belos cartões-postais. 
           Natal é bela, isto é fato! 
            A cidade surgida neste sítio, entre dunas, mar e o rio, tem muito a apresentar. Natal tem história. História que vai além da sua fundação, pois, antes dos Portugueses foi terra dos Potiguara. A digital dos formadores da urbe Potiguar, encontra-se em seu Patrimônio Histórico: Material e Imaterial. 
            A Natal moderna, cidade verticalizada, ainda não conseguiu suprimir os vestígios de seu passado. Claro que um passado, muito mais preservado quando se refere a “pedra e cal”. 
            Por que a Fortaleza dos Reis Magos, conseguiu bem ou mal, ser preservada e o local da aldeia dos Potiguara, na margem esquerda do rio Potengi, não recebeu o mesmo tratamento? 
            Deixemos a questão, para reflexão, já que não é nosso propósito, neste momento entrar nesta seara. 
            O certo é que ao olharmos os símbolos da presença europeia em nossa cidade Natal, percebemos também a influência dos indígenas e dos africanos. Culturas diversas causadoras da construção do hoje, natalense. 
            Saberes e fazeres milenares presentes: quando saboreamos ginga com tapioca, na praia da Redinha; ao assistirmos uma apresentação do Boi Calemba, do saudoso Manoel Marinheiro; ao entrarmos no Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão e presentearmos nossos olhos com as peças de Xico Santeiro; na técnica utilizada para construir a Fortaleza dos Reis Magos, marco da ocupação portuguesa, e por fim, quando das celebrações de fim de ano presenciamos, junto a estátua de Iemanjá, as oferendas jogadas ao mar. 
            Como preservar, então, o Patrimônio Histórico da Cidade do Natal? 
            Um dos primeiros passos a serem dados em direção a preservação do Patrimônio Histórico é desenvolver ações tendo como meta, fazer este Patrimônio conhecido por seus cidadãos. Neste sentido a Educação Patrimonial, exerce um papel preponderante na concretização do desejo de preservar aquilo que é relevante para a cultura material e imaterial da capital Potiguar.     

Palestra "Educação Patrimonial" - Professor Luciano Capistrano


            A Educação Patrimonial deve ser a locomotiva, deste processo de proteção e restauração dos nossos lugares de memória. Conhecer o passado é um direito de todas e todos os cidadãos, está na Constituição. 
            Projetos que contemple a valorização dos espaços, guardiões, da memória, são fundamentais. Urge iniciativas, nas três esferas de poder. A FUNCART, a Fundação José Augusto e o IPHAN, devem promover políticas além do Tombamento, é preciso construir uma mentalidade que pense na importância dos vestígios deixados pelos nossos antepassados. 
            Hoje, falo da minha experiência de professor, caminhar por entre nossas ruas, em busca destes lugares de memória, é muitas vezes, encontrar museus com acervos danificados, sem guias, monumentos sem nenhum cuidado em conservação, edificações protegidas pelo Tombamento, mas em situação de risco quanto aos vândalos e as intempéries do tempo. E até, mesmo, espaços fechados para a visitação. 


Circuito Histórico - Educação Patrimonial - Professor Luciano Capistrano

            Um bom exemplo, a ser registrado, é o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, apesar de não funcionar aos sábados, domingos e feriados, pelo menos nas vezes que lá estive, disponibiliza um rico acervo do nosso Patrimônio Imaterial. Localizado na antiga rodoviária, tem em seu entorno a praça Augusto Severo, a antiga Escola Domestica, o antigo Grupo Escolar Augusto Severo, o Teatro Alberto Maranhão e o Largo Dom Bosco. Lugares de muita história, formando um verdadeiro convite a quem quer conhecer o passado da cidade Natal. 
            Lembremos, então, Câmara Cascudo, quando em uma de suas actas afirmou: “Errariam menos os homens se lessem mais a história”. Neste sentido, erraríamos menos se preservássemos mais o nosso Patrimônio Material e Imaterial.


Professor Luciano Capistrano

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Natal: Cidade Memória

Natal: Cidade Memória
Luciano  Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Pós-graduando em Educação Ambiental / Instituto kennedy
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte


“Não te esquecerei, Natal!
A Ribeira subindo em direção à Cidade,
Os teus primeiros bairros Rocas e Alecrim,
O Grande Ponto dos dias de hoje,
Convergência de todos os encontros
E foco de todos os boatos.
Os bairros novos:
Tirol, Petrópolis, Quintas, Conceição,
Lagoa Seca, Juruá, Guarita, Carrasco,
(Que aqui em Montevideo, onde estou exilado, 
É nome de uma praia chic),
E como estava falando em praia,
Vem a saudade de Ponta Negra e Redinha,
Areia Preta, do Meio e Circular” 
(Djalma Maranhão)

         Em sua evocação à Natal, o prefeito dos folguedos populares, Djalma Maranhão expressou toda a saudade, vivida na distante Montevideo. Exilado, banido de sua querida Natal. Na cidade Uruguaia, Djalma Maranhão e sua esposa Dária, vivenciaram a dor daqueles que não podem estar junto à “coisa” amada. 
A memória evocada pelo ex-prefeito, num primeiro instante é resultado da individualidade. Mas o fenômeno da memória está presente na coletividade, o imaginário social forma as lembranças da sociedade. Neste sentido, a memória social, reflete os sentimentos herdados de gerações, ou seja, existe um elo, atemporal, entre os membros de uma mesma sociedade. Digamos que o sentido de inserção quando cidadãos, do hoje, se reconhecem na paisagem do ontem. Como afirmou o professor Mesentier (2005, p.168):

Diferente da memória individual, a memória social se constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por estruturas sociais. A construção da memória social implica na referência ao que não foi presenciado. Trata-se de uma memória que representa processos e estruturas sociais que já se transformam. A memória social é transgeracional e os suportes da memória contribuem para o transporte da memória social de uma geração a outra.

A memória não é algo pacífico, em sua construção estão implícitas escolhas, pode-se afirmar, não existe neutralidade quando o assunto é memória coletiva. Os suportes da memória, citados pelo professor Mesentier, são os monumentos, os lugares de sociabilidade, ou seja, tudo aquilo que a sociedade preserva como meio de guardar seu passado.
A cidade presente guarda lugares de memória, símbolos cheios de significados, porque dependentes de quem olha ou conforme a perspectiva deste olhar. Os suportes da memória estão espalhados pela urbe, readquirindo vida, ganhando novas funções a partir do tempo moderno. Conforme a historiadora e professora Brescianni (2003, p.237):

As cidades são antes de tudo uma experiência visual. Traçado de ruas, essas vias de circulação ladeadas de construções, os vazios das praças cercadas por igrejas edifícios públicos, o movimento de pessoas e a agitação das atividades concentradas num mesmo espaço. E mais, um lugar saturado de significações acumuladas através do tempo, uma produção social sempre referida a alguma de suas formas de inserção topográficas ou particularidades arquitetônicas.
A cidade de Natal descrita por Djalma Maranhão, não existe mais. Aquela cidade da década de 1960 transformou-se, expandiu seus limites, sua topografia e muitos de seus topônimos modificaram. Hoje à encontramos na memória dos contemporâneos do antigo prefeito, nos museus, arquivos e nos traçados urbanos que continuam, como testamento da cidade, que a cada dia se verticaliza.
O professor Deífilo Gurgel, pesquisador da cultura Potiguar, em seu “Romance da cidade do Natal”, também recorda a cidade do seu tempo de rapaz. Em seus versos expressa a saudade de um tempo passado. Uma certeza apenas, tem o poeta, a velha urbe não volta mais, pois:

Depois o tempo passou,
O bonde não voltou mais,
Não voltou mais a cidade
Do meu tempo de rapaz.

 Agora, a cidade antiga
Cresce  no tempo e no espaço
E o progresso a moderniza,
A cada dia que passa.
( Gurgel, 2005, p.135 )

A cidade de Natal, de tempos passados, vive não somente na memória individual, ela, como já foi dito, está presente nos diversos lugares de memória. Construir este passado é caminhar por entre os ditos lugares de memórias. Andar pelos museus, pelas ruas, olhar as edificações antigas, “remexer” ou “vasculhar” as gavetas e estantes empoeiradas dos nossos arquivos, enfim, buscar os vestígios da paisagem urbana de outrora.
Um destes lugares de memória é o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, templo da nossa história. O IHGRN,  entre seu vasto acervo, guarda imagens da cidade de Natal do passado, documento “vivo” de sua evolução urbana. São fotos de João Galvão, Bruno Bourgard, Manoel Dantas e outros não identificados. Nestas imagens pode-se imaginar a Natal do bonde puxado a burro, época em que acompanhar um cortejo fúnebre não era tarefa fácil, e, em muitos casos quando o morto residia na Ribeira havia necessidade de ir de trem até o antigo Oitizeiro. Vê estas fotos é para a geração atual um convite à reflexão, sobre os caminhos e descaminhos da cidade dos Potiguaras.
Olhar as imagens de Natal antiga é como caminhar em uma “Cidade Memória”. Verificar as transformações ocorridas, aquela rua ou aquela edificação que não mais estão presentes na paisagem urbana, sinais de novo tempo e das intervenções ocorridas ao longo dos anos. Estes “clicks” ouvidos, alguns a mais de cem anos passados, registraram um cenário, hoje, apenas existente em “velhos e empoeirados álbuns”.

Do alto da torre da Igreja Matriz Bruno Bougard vê uma cidade a descortinar-se - Natal na primeira década do século XX - Acervo HIGRN

Imagens que expressam além das aparências, pois, apresentam a cultura de nossos antepassados, seja nos estilos arquitetônicos ou no conjunto representativo do Patrimônio Imaterial. A professora Ecléa Bosi, referência no estudo da memória, bem afirmou:

[...] Ao lado da história escrita, das datas, da descrição de períodos, há correntes do passado que só desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala, em certas pessoas, como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira de pensar, sentir, falar, que são resquícios de outras épocas. Há maneiras de tratar um doente, de arrumar as camas, de cultivar um jardim, de executar um trabalho de agulha, de preparar um alimento que obedecem fielmente aos ditames de outrora.
(BOSI, 1998,p. 75)

Esta é a Cidade Memória, viva nas fotos do ontem  a representar a evolução urbana da Cidade de Natal, assim, como sentenciou Dr. Manoel Dantas, em sua famosa conferência de 1909, "Natal D'Aqui a Cinquenta Anos":

O’ tu, cidade bendita, que soubeste viver sob o 
sudário de areia, sem blasfemar a vida;
O’ tu, que escreveste a primeira epopéia da 
coragem guerreira de Felipe Camarão;
O’ tu, que engendraste a alma forte de 
Miguelinho e o espírito varonil de André de Albuquerque;
O’ tu, que presidiste a eclosão da atividade
industrial de Juvino Barreto e da caridade cristã de João Maria;
Tu foste o berço onde se aninhou o
sonho alado de Severo e a Crisálida donde partiu o 
gênio criador de Pedro Velho;
Tu, que Auta de Souza purificou com a 
prece imaculada de seus versos e Segundo
Wanderley enalteceu com arroubos de 
sua inspiração;
Surge et ambula!
(Manoel Dantas)

Do mirante ver-se uma comunidade a descortinar-se - Conjunto Gramoré - década de 1980 - Acervo Datanorte


terça-feira, 4 de julho de 2017

São João, eu só sei que é bom demais!!

São João, eu só sei que é bom demais!!
Luciano Capistrano
Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana/UFRN
Pós-graduando em Educação Ambiental / Instituto Kennedy
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: SEMURB/Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte

"Na noite de São João
folga o povo a seu contento;
mocinhas morrendo estão
de arranjarem casamento." 
(MELO, Veríssimo de. Superstições de São João. Natal: Sebo Vermelho, 2002, p.3)

Com essa quadra do cancioneiro ibérico, chamo a atenção para os festejos juninos, tão tradicionais no Nordeste brasileiro. Originário das festas pagãs, trazidos pelos portugueses ao sopro dos ventos a fazer navegar as caravelas, aqui aportando o encontro dos povos nativos e os negros africanos, fez surgir uma das maiores festividades do Brasil com a cara do povo brasileiro.
Celebrar a colheita, a fertilidade da terra, este foi o mote  de origem  das Festas Juninas. No mundo católico abraçou os festejos e o transformou em uma celebração a São João Batista, o primo de Jesus, responsável pelo batismo do povo cristão.
No Brasil, as festas joaninas foram denominadas da juninas, em referência a São João Batista. 
A região nordestina, castigada pela seca, característica em que o homem e a mulher sertaneja, aprenderam a conviver e ser forte, de geração em geração adquiriu a firmeza do mandacaru. A celebração a terra e a fertilidade, com o advento do período de chuvas, cresceu no Nordeste a tradição do São João.
Um mês dedicado aos três santos: dia 13 Santo Antônio, dia 24 São João e dia 29 a São Pedro. 
O tempo, as transformações socioculturais, fizeram dessa festa tão nordestina, tão interiorana, amigo velho não diria perder as 'raízes", eu diria, para usar o jargão das quadrilhas, a tradição foi aos poucos estilizada.
Os Arraiais, hoje escaços, eram erguidos em toda a cidade, ruas se enfeitavam, o colorido de balões e bandeirinhas dava o tom da tradição, aquele cheiro do interior, da fazenda , do sitio, invade a cidade. Como aponta a professora Luciana Chianca:

Nas ruas, as animações recriavam o ambiente dos "bosques" e "sítios", através de uma decoração bem características. Um artigo d'A República de 26 de junho de 1900 conta que "em todas as ruas apareceram as tradicionais fogueiras, os bosques e outros motivos de decoração." (CHIANCA, Luciana. A festa do interior: São João, migração e nostalgia em Natal no século XX. Natal: EDUFRN, 2006, p.33)


   Foto: Luciano Capistrano - A rua se vestiu de São João.

Barracas, balões, bandeirinhas coloridas, enfim, ruas vestidas de São João, este era o clima da cidade em noites juninas, infelizmente, amigo velho, os tempos são outros e as ruas, raras exceções, deixaram de ter seus arraiais. A violência, a falta de segurança em nossa ruas, contribuiu e muito para essa situação de ruas vazias. Claro que existem outros fatores, mas, sem duvidas a violência é o principal motivo da diminuição de arraial de ruas.
Os tempos são outros, na Natal do passado o mês de junho, era repleto de festejos, fogueiras, quadrilhas, tradicionais - as estilizadas são releituras recentes -, podia-se vivenciar o São João em todos os cantos da cidade.
As famílias reuniam-se nas calçadas, acendia-se fogueiras, os festejos era um momento de confraternização. Octavio Pinto, em suas reminiscências, descreve as noites de São João da cidade do início do século XX:

Na véspera papai já havia comprado o sortimento de fogos: traques de chumbo e de velha (estouro), pistolas, busca-pés, rojões, estrelinhas [...] balões que subiam para o céu [...] E começava a se soltar os fogos [...] Depois todos que estavam na calçada e no jardim iam para a sala participar da ceia de canjica, bolo de milho, cuscus, pamonha, licor de genipapo, doce de mangaba, etc. ( PINTO, Octavio. Reminiscências. Rio de Janeiro:Edição do autor, 1979, p.48)

A urbe, cresceu para além das Quintas e com ela novos desafios, agora como no passado o mês dos festejos juninos continua a provocar na cidade um reencontro com as tradições, como ficar indiferente a ouvir a sanfona e a voz marcante de Luiz Gonzaga e não olhar para o céu?

Olha pro céu 
(Luiz Gonzaga)

Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra quele balão multicor
Como no céu vai sumindo

Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João

Havia balões no ar
Xóte, baião no salão
E no terreiro

O teu olhar, que incendiou
Meu coração!

Bem meu amigo velho, apenas de uma coisa eu tenho certeza: São João, eu só sei que é bom demais!!

Viva São João - Foto: Luciano Capistrano


Arraiá da Escola Sesc - Foto: Luciano Capistrano

A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...