terça-feira, 24 de novembro de 2020

Símbolos: constroem narrativas

Símbolos: constroem narrativas

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

Das chaminés

Fumaças...

Vidas exterminadas!

 

        Parece escrita de um mesmo tom, em pleno ano de 2020, escrever sobre as atrocidades dos governos nazifascistas. Repetir a cantilena da monstruosidade gerada no

seio das hostes do Partido Nacional Socialista Alemão, o Partido Nazista. Revirar páginas de empoeirados livros sobre um tema que teima em pulsar nos dias presentes, como uma chaga a se manifestar entre adeptos de uma direita desvairada. Negar ou naturalizar o uso de falas ou de símbolos nazifascistas é refazer mover as locomotivas genocidas nas terríveis ferrovias da “morte”.

            O negacionismo do holocausto é irmão siamês dos discursos de ódios a invadir as redes sociais escondidas em novas roupagens.

         Na segunda-feira, dia 23/11, fui surpreendido com fotos de um senhor, jovem, de camiseta a circular em um dos pontos mais tradicionais da boemia natalense, o Beco da Lama, localizado no bairro da Cidade Alta. No braço, três tatuagens. Uma águia, na Roma antiga, símbolo de poder, dominação, força e disciplina, este símbolo foi apropriado pelo fascismo italiano; O SPQR representação do Senado romano, apareciam no uniforme da legião romana, e, a SS, de uma triste memória, o braço paramilitar do Partido Nazista Alemão.

            Abro, aqui um parêntese para reportar um dos fatos ocorridos, um pouco antes da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha:

 O incêndio do Reichstag deu, aos nazistas, o pretexto de invadir as sedes dos outros partidos e prender os seus dirigentes. As garantias da liberdade foram anuladas por decreto e Goebels passou a controlar todos os órgãos de difusão do País, a fim de orientar a opinião pública com a sua propaganda. Na mesma época, foram construídos os primeiros campos de concentração [...] As tropas de choque da AS e SS prenderam 4.000 militantes comunistas, católicos e socialistas e passaram a exercer o regime de terror. (ABRAHAM, Ben. Holocausto: o massacre de 6 milhões. São Paulo: WG Comunicações e produções, 1976, p.18).

        Bem são três tatuagens que dialogam na construção de uma narrativa a nos fazer recordar os horrores dos guetos, das noites dos cristais, dos campos de concentração nazista, das brutalidades praticadas pelos grupos paramilitares . . . Sim, não se trata de umas simples tatuagens, afinal, pode-se alegar: “meu corpo, minhas regras”. Não é bem, assim, que a banda toca, diria dona Maria, em sua banca de picado na feira do Santa Catarina, ao menor deslize das regras por parte de algum cliente.

 A legislação brasileira é clara:

LEI Nº 7.716, DE 5 JANEIRO DE 1989

DEFINE OS CRIMES RESULTANTES DE

PRECONCEITOS DE RAÇA OU DE COR.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou

preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,

etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

* Artigo, caput, com redação dada pela Lei nº 9.459, de 13/05/1997

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

            O mundo do pós Segunda Guerra Mundial, conheceu com a derrubada do governo de Hitler e seus aliados, as violações dos direitos humanos praticados em nome de uma doutrina ideológica que elegia uma “raça” como a escolhida, a pureza ariana redentora dos bons costumes, na verdade, sabemos, um dos piores crimes contra a humanidade. Fim da Segunda Guerra, cito dois momentos importantes na construção de pilares de defesas contra discursos nazifascistas. Os tribunais de Nuremberg e Tóquio, responsáveis pelo julgamento de nazistas e japoneses, seus arquivos processuais são um claro testemunho dos riscos em ser contemplativo com “ondas” totalitárias. E também a Declaração dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral da ONU, no dia 10 de dezembro de 1948. Um marco na luta antifascismo. Em seus artigos, encontramos sum conjunto de normativas a valorizar o ser humano em sua livre plenitude. Como diz os Primeiro e Segundo, artigos:

 

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

 Objetivos:

 “A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

 Artigo I

 Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

 Artigo II

 1 – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

 2 – Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

        Fiquemos atentos.

        Nestes tempos de crescimento de uma onda neofascista, faz necessário uma vigilância permanente, do tipo, tolerância zero. Fato é que o sujeito andar a expor nas ruas suas tatuagens expressando toda uma simbologia que remete ao nazismo, deve ser prontamente denunciado as autoridades legais, e, não se trata de cerceamento à liberdade de expressão. O que prevalece é o direito líquido e certo, a proibição de qualquer tipo de apologia as ideias antissemitas, preconceituosas, como apontadas no escopo da Lei número 9.459/97. Enfim, fica o convite para dialogarmos sobre os símbolos como construtores de narrativas.

    Foto: Luciano Capistrano

sábado, 21 de novembro de 2020

De Costa e Silva: dores do AI 5!

De Costa e Silva: dores do AI 5!

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

Sangra liberdades

Das lembranças

Corpos dilacerados

Democracia amordaçada

De Costa e Silva

Dores do AI 5...

 

       Um dia obscuro para a democracia brasileira, assim, foi o 31 de março de 1964. Os militares golpistas, associados aos setores da sociedade civil, articularam a derrubada do governo de João Goulart. Os tanques nas ruas irromperam os muros legais das Forças Armadas e rasgaram a Constituição, depuseram o Presidente Jango. Amanhã do primeiro de abril, marcou o inicio de 21 anos de governos dos Generais Presidentes.

            Fez noite escura...

 

1964: aconteceu em abril*

(Para Mailde)

 

Abril tempos de repensar

Falar é necessário

Democracia liberdades em risco.

Memórias de uma legalidade interrompida

Dias sombrios

Golpe, não revolução!

21 anos de obscurantismo

Torturas

Prisões

Desaparecidos políticos!

*Livro de Mailde Pinto Galvão.

 

         O golpe militar/civil – 1964, abriu caminho para a implantação de uma ditadura sem pudor. O governo do General Presidente Costa e Silva (1967-1969) foi o responsável pela decretação do Ato Institucional 5, nas palavras de Elio Gaspari, o AI 5 foi a ditadura sem disfarce. Naquele 13 de dezembro de 1968 fez noite escura no Brasil.

O embaixador dos EUA no Brasil partícipe do movimento golpista, assim se referiu ao AI 5 e suas consequências:  

 A curva da ação arbitrária subiu verticalmente no fim dos anos 1960, culminando com o fechamento do Congresso pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968 [...] No que concerne aos direitos humanos, a “guerra suja” encetada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici contra guerrilhas urbanas e rurais, no princípio dos anos 1970, parecia institucionalizar a tortura, incluindo cerca de “333” desaparecidos. (GORDON, Lincoln. A segunda chance do Brasil: a caminho do primeiro mundo. São Paulo: Senac, 2002, p.120).

        O aliado de primeira ordem dos golpista de 1964, faz uma observação em seu livro, sobre o caráter ditatorial do regime nascido, entre os “quarteis, a embaixada e a Avenida Paulista”. Apesar do tom ameno, não tem como o ex-embaixador fugir a verdade. O autoritarismo foi o canto entoado pelos generais no poder. A direita desvairada imprimiu sua digital com o AI-5. Ganhou a linha dura:

A edição do AI-5 pelo governo do general Costa e Silva (1967-1969), foi uma inequívoca vitória da “linha dura”. Vitória dos setores mais radicais do regime, militares e civis, que já vinham operando há algum tempo através de ameaças e atentados contra as oposições, especialmente contra parlamentares, jornalistas, artistas, religiosos “progressistas”, líderes estudantis e sindicalistas. Eram radicais de direita que, por outro lado, também já vinham sendo enfrentados pelos radicais da esquerda na forma de uma incipiente guerrilha urbana [...] O AI-5, porém, congelou as esperanças de um oposicionismo civilizado. Com o Congresso Nacional fechado, centenas de parlamentares, prefeitos, vereadores e juízes cassados, milhares de pessoas presas e a imprensa amordaçada, a noite desceu sobre o país. (TEXEIRA, Francisco M. P. História concisa do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2000, p.304)

        De Costa e Silva: dores do AI 5, é uma das minhas inquietações, motivadas, por uma onda de negação dos fatos históricos referentes aos desmandos autoritários  sobre a sociedade brasileira com a promulgação deste ato. Abriu o submundo, responsável pelo surgimento de uma teia de prisões ilegais e torturas, ocorridas sob o manto beneplácito da ultra direita.

Ferida a democracia. Esse foi o AI-5.

       
Foto: acervo arquivo nacional. Na noite de 13 de dezembro, o conselho reuniu-se para votar o texto de quatro páginas, redigido por Gama e Silva, ministro da Justiça.






     



segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Uns 9 de novembro: Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?

Uns 9 de novembro: 

Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? 

Quantos "muros" vamos derrubar? 

Luciano Capistrano 

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli 

Mestrando: Profhistória/UFRN 


     Dois momentos importantes acontecidos na Alemanha. Noite sombria a abrir os obscuros caminhos do nefasto nazismo, e, um sol de esperança caiu sobre Berlim dívida por um muro totalitário. Me refiro a Noite dos Cristais, em 1938, e, a queda do Muro de Berlim, em 1989. 
      Vejamos um 9 de novembro. 
      Em novembro de 1938, a noite de 9 foi marcada pela violência de grupos armados, paramilitares militantes de organização nazista, seguindo os discursos de ódio do líder Adolf Hitler, atacaram sinagogas, lojas e residências de judeus também foram alvo dessa insanidade. Eram jovens embalados pela onda hitleriana. A Noite dos Cristais, assim conhecida pelas vidraças quebradas, manchou com sangue de inocentes o triste inicio da marcha nazista sobre as Instituições da República Alemã. 
   A narrativa construída é a mesma utilizada por muitos representantes da ultra direita do tempo presente, notadamente o Presidente derrotado do EUA e o ex capitão Presidente do Brasil, Bolsonaro. Fragilizar os poderes da democracia faz parte do roteiro de ascensão das ideias totalitárias. O discurso de ódio não pode prevalecer, pensar diferente não deve ser entendido como inimigo, na democracia ser plural é o fundamental. Dizer não aos grupos que fazem da atividade política uma “guerra”. Este é o cuidado para não repetirmos os fatores de fortalecimento de grupos nazistas como ocorreu na Alemanha. 

As tropas de choque nazistas começaram como um destacamento que retirava os adversários de Hitler dos locais onde o partido fazia seus comícios. Do mesmo modo que organizações paramilitares, como a AS e a SS, criavam um clima de medo que ajudou o Partido Nazista nas eleições de 1932 e 1933. Na Áustria, em 1938, foi a AS local que logo tirou proveito da ausência da habitual autoridade local para saquear, surrar e humilhar judeus, mudando com isso as regras da política e preparando o caminho para a ocupação do país pelos nazistas. [...] A SS surgiu como uma organização que transcendia a lei e acabou como uma organização que desfazia a lei. (TIMOTHY, Snyder. Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 43) 

     A Noite dos Cristais 9 de novembro de 1938 não foi um ato transloucado de um grupo, na verdade, o ato de violência contra a comunidade judaica já vinha sendo naturalizado através dos discursos das autoridades alemãs, os membros do Partido Nazista já tinha traçado uma narrativa de culpabilidade dos judeus pelas mazelas sofridas pelo povo alemão. Era necessário exterminar o mal, e o mal estava personificado inicialmente nos judeus, mas também foram alvos os homossexuais, os comunistas, os ciganos, e, por fim todos os opositores aos seguidores de Adolf Hitler e suas ideias. 
   Fez noite obscura na humanidade. Em seguida aquele 1938, assistimos a organização de uma verdadeira engrenagem genocida: Os Campos de Concentração e suas chaminés a queimar sonhos. 

“Quando se quis substituir o Bom Deus com a idolatria do poder e a ideologia do ódio, chegou-se à loucura de exterminar as criaturas”. (Papa Francisco). 

      Um outro 9 de novembro, vejamos. 
     Estava assistindo a TV ao lado de papai quando o Jornal Nacional, anunciou a “Queda do Muro de Berlim”. Era a noite de 09 de novembro de 1989. Entre espanto e alegria, eu e papai conversamos naquela noite, claro, sobre os significados do movimento do povo alemão em direção a reunificação da Alemanha dividida no pós-Segunda Guerra Mundial. A França, a Inglaterra e os EUA, ocuparam a parte ocidental e a ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), ocupou a parte oriental. Assim, se sacramentava o domínio das nações vencedoras do conflito mundial sobre a Alemanha. 
     As estruturas erguidas no contexto da Guerra Fria se desmanchavam feito castelo de areia sobre o movimento da maré alta a invadir faixa de areia da praia. A derrubada do Muro de Berlim era a ponta do iceberg a se desprender de governos totalitários em um movimento causado por ondas de calor democrático a derreter os “gulags” dos tempos do stalinismo. 
      Ao vê as cenas na TV me lembrei de uma conversa de papai com um cliente do Cata-livros, sebo de papai, onde passava minhas tardes no início dos anos de 1980 a ouvi os diálogos sobre literatura, música, economia, politica, enfim diversos assuntos a me fazer deliciar com saberes ditos ao sabor dos empeirados livros. Bem, neste lugar mágico, o sebo, presenciei um debate sobre a Alemanha Oriental, um ex-militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), tinha regressado a pouco tempo de um temporada no Leste Europeu, e relatou para papai, um ex-militante do PCB ( Partido Comunista Brasileiro), da situação de miséria e falta de liberdade vivida pela classe operária nos países visitados. 
     Um diálogo duro, travado por dois cidadãos que na sua juventude tiveram atuações, em linhas de ações distintas, em defesa do socialismo. Papai incrédulo quanto a informação relatada por seu companheiro no campo das ideias socialistas, custava a ele, acreditar que um país alinhado aos ideais do comunismo, vivesse sobre um modelo excludente. Fato é que me veio na noite do dia 09 de novembro de 1989 o debate presenciado por mim no Cata-livros. 
     O sonho do socialismo nos moldes tecidos a partir da URSS stalinista, tinha fracassado. A “Queda do Muro de Berlim” era a materialização de um processo a muito tempo corroído. Foi o que pensei naquele instante. Como nos disse o historiador Eric Hobsbawm sobre a derrocada dos países socialistas: 

[...] Fracassou porque, em termos econômicos, o sistema se tornava cada vez mais rígido e inexequível, e principalmente porque, na prática, mostrava-se incapaz de gerar ou dar aproveitamento econômico à inovação, sem falar na repressão da originalidade intelectual. Além disso tornava-se impossível ocultar das populações locais o fato de que outros países tinham obtido mais progresso material que os países socialistas. Se preferirem dizer isso de outro modo, o modelo desabou porque os cidadãos comuns eram indiferentes ou hostis, e porque os próprios regimes tinham perdido a fé no que estavam pretendendo fazer. Entretanto, seja como for que considerem, fracassou da maneira mais espetacular no período 1989-91. (HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 16). 

     Penso ser importante lembrarmos destes fatos para pensarmos sobre o tempo presente e os desafios postos diante da humanidade. Um tempo de conectividade, das redes a estreitar distancias e a distanciar, humanidades. Um tempo das “democracias em risco, este regime nada perfeito, mas melhor do que a mais perfeita das ditaduras, parafraseando Wiston Churchill. Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?


    Foto: O que somos? - Luciano Capistrano / outubro de 2020.


domingo, 8 de novembro de 2020

Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial.

Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial. 

Luciano Capistrano 

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli 

Mestrando: Profhistória/UFRN 



“...Quando não era possível ter sonho 

A gente tinha um 

E ele girava em torno 

Da Avenida 10...” 

(Avenida 10 – Babal Galvão) 



    Fui menino de calças curta na avenida 12, morei na Vila Maurício. Guardo na memória afetiva imagens, sons, sabores, deste período tão significativo para minha formação. Lembro das noites de chuva. Quantas vezes não acordei com meus pais nos levantando da rede com a casa cheia de água, era uma agonia. As brincadeiras, na vila meu mundo, o som do trem ao anunciar sua passagem. A frustação de não poder andar nos carrinhos de rolimã nos trilhos da ferrovia, mamãe nunca permitiu tal travessura. 

    Cresci e meu mundo expandiu-se. A avenida 12 me levou ao Alecrim, bairro da feira, do meu primeiro emprego na Livraria Independência. Dos cinemas, do teatro Jesiel Figueiredo, das igrejas, São Pedro e São Sebastião, vi e vivi o Alecrim, da infância a adolescência. 

      Faço este preambulo, apenas para dizer da alegria de saber do reconhecimento da música Avenida 10 como Patrimônio Imaterial da cidade de Natal. Através do Projeto de Lei nº 194/2019, de autoria da vereadora Divaneide Basílio (PT), a composição de Babal Galvão, conhecida nacionalmente na voz de Geraldo Azevedo recebe o reconhecimento do poder público através do PL aprovado na Câmara Municipal. Bravo, bravissímo. 

      A música de Babal nos remete as nossas memórias afetivas, as nossas brincadeiras de infâncias, a nossa identidade cultural. Poderia dizer, ser sua poesia um elo com os “lugares de memórias”, assim entendo: “A memória coletiva se transmite oralmente e por meio de textos, momentos, rituais, festas, comemorações na família, na rua, na escola.” (GIL, Carmem Zeli de Vargas. Memória in FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Dicionário de ensino de História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2019, p.156). 

“... Minha casa bananeira o jardim 

Os meus amigos, eu, 

Quinho, Bonfim, Nelson, 

Neguinho e Moisés, 

Galvão, Fernando, João e Omar 

Todos irmãos Eris 

Hoje nós somos saudades 

Da Avenida 10...” 

(Avenida 10 – Babal Galvão) 


      Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial, e nossas memórias traduzidas em versos ecoa nos acordes e vozes a eternizar a identidade do Alecrim para além da cidade de Natal. Finalizo com o convite para irmos ao Alecrim nas vozes de Geraldo Azevedo e Babal Galvão, apresentação no Riachuelo. “Desde o tempo de menino eu brincava / Com ar de sonhador.”


Geraldo Azevedo com a participação especial de Babal Galvão - Avenida 10 - Teatro Riachuelo - Natal - RN - 30/03/2013

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas.

Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas. 

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN


    O historiador, por seu oficío, dialoga permanentemente com o passado, Este fazer histórico o leva a andar entre arquivos públicos e privados, buscar construir os caminhos e descaminhos das gerações passadas é a tarefa primeira. Um labutar, por entre, poeiras, revirando velhos manuscritos, álbuns, documentos, oralidades, hoje fontes que dizem mais do que uma carta de amor, um balancete comercial, ou uma fotografia. No tempo presente o olhar do historiador, dá voz ao passado através de sua narrativa histórica.

    Uma das minhas maiores alegrias profissionais, foi quando em meados de 2012, pesquisando sobre o Bairro de Lagoa Azul, zona norte da cidade de Natal/RN, me vi diante de diversas fotografias, datadas dos anos de 1970/1980. Eram uma série de fotografias referentes aos conjuntos habitacionais construídos pela antiga COHAB/RN (Companhia de Habitação do Rio Grande do Norte). Um acervo sob aguarda de um funcionário, e foi com este antigo servidor da COHAB que encontrei os caminhos da urbanização eternizados em clicks.

    Feliz encontro.

    Ao mesmo tempo a descoberta nos traz algumas angustias próprias do historiador e de todos aqueles que olham a janela do passado e suas fontes. São frágeis ou ausentes as politicas de preservação dos arquivos públicos e privados, se o patrimônio edificado, erguidos nas ruas e praças, sofrem as intemperes do tempo e o descaso das administrações, os arquivos, estes lugares escondidos em interiores, sobrevivem, em muitos casos, através da ação individual de seus servidores. O acervo da antiga COHAB já não encontrei as fotos, elas estavam nas mãos de um destes servidores, graças a ele tivemos acesso a essa importante documentação sobre a urbe.

    Nestes tempos de eleições municipais, aproveitemos, para questionar dos candidatos (as), as Câmaras Municipais e as Chefias do Executivo Municipal, a gestão de políticas públicas de preservação de nossos acervos, os arquivos públicos municipais precisam serem valorizados, seus servidores, suas estruturas físicas, tem de se pensar nestes lugares com os equipamentos adequados para a conservação documental. 

    A memória da cidade passa por seus arquivos públicos municipais.

    Enfim, deixo uma inquietação em voz alta:

    Nossa cidade de Natal, como as demais cidades brasileiras, raras exceções, carece de uma política de valorização dos arquivos, como espaços guardiões de nossa memória. Nestes lugares, apesar da boa vontade dos seus funcionários, falta infraestrutura e equipamentos adequados para conservação do acervo. 

   Finalizo com uma das fotos encontrada naquela manhã de setembro 2012. A avenida Itapetinga, fotografada em 09/03/1983. Não deixemos, então, as traças devorarem a nossa memória. Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas.

     A avenida Itapetinga, fotografada em 09/03/1983.

A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...