segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Uns 9 de novembro: Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?

Uns 9 de novembro: 

Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? 

Quantos "muros" vamos derrubar? 

Luciano Capistrano 

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli 

Mestrando: Profhistória/UFRN 


     Dois momentos importantes acontecidos na Alemanha. Noite sombria a abrir os obscuros caminhos do nefasto nazismo, e, um sol de esperança caiu sobre Berlim dívida por um muro totalitário. Me refiro a Noite dos Cristais, em 1938, e, a queda do Muro de Berlim, em 1989. 
      Vejamos um 9 de novembro. 
      Em novembro de 1938, a noite de 9 foi marcada pela violência de grupos armados, paramilitares militantes de organização nazista, seguindo os discursos de ódio do líder Adolf Hitler, atacaram sinagogas, lojas e residências de judeus também foram alvo dessa insanidade. Eram jovens embalados pela onda hitleriana. A Noite dos Cristais, assim conhecida pelas vidraças quebradas, manchou com sangue de inocentes o triste inicio da marcha nazista sobre as Instituições da República Alemã. 
   A narrativa construída é a mesma utilizada por muitos representantes da ultra direita do tempo presente, notadamente o Presidente derrotado do EUA e o ex capitão Presidente do Brasil, Bolsonaro. Fragilizar os poderes da democracia faz parte do roteiro de ascensão das ideias totalitárias. O discurso de ódio não pode prevalecer, pensar diferente não deve ser entendido como inimigo, na democracia ser plural é o fundamental. Dizer não aos grupos que fazem da atividade política uma “guerra”. Este é o cuidado para não repetirmos os fatores de fortalecimento de grupos nazistas como ocorreu na Alemanha. 

As tropas de choque nazistas começaram como um destacamento que retirava os adversários de Hitler dos locais onde o partido fazia seus comícios. Do mesmo modo que organizações paramilitares, como a AS e a SS, criavam um clima de medo que ajudou o Partido Nazista nas eleições de 1932 e 1933. Na Áustria, em 1938, foi a AS local que logo tirou proveito da ausência da habitual autoridade local para saquear, surrar e humilhar judeus, mudando com isso as regras da política e preparando o caminho para a ocupação do país pelos nazistas. [...] A SS surgiu como uma organização que transcendia a lei e acabou como uma organização que desfazia a lei. (TIMOTHY, Snyder. Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 43) 

     A Noite dos Cristais 9 de novembro de 1938 não foi um ato transloucado de um grupo, na verdade, o ato de violência contra a comunidade judaica já vinha sendo naturalizado através dos discursos das autoridades alemãs, os membros do Partido Nazista já tinha traçado uma narrativa de culpabilidade dos judeus pelas mazelas sofridas pelo povo alemão. Era necessário exterminar o mal, e o mal estava personificado inicialmente nos judeus, mas também foram alvos os homossexuais, os comunistas, os ciganos, e, por fim todos os opositores aos seguidores de Adolf Hitler e suas ideias. 
   Fez noite obscura na humanidade. Em seguida aquele 1938, assistimos a organização de uma verdadeira engrenagem genocida: Os Campos de Concentração e suas chaminés a queimar sonhos. 

“Quando se quis substituir o Bom Deus com a idolatria do poder e a ideologia do ódio, chegou-se à loucura de exterminar as criaturas”. (Papa Francisco). 

      Um outro 9 de novembro, vejamos. 
     Estava assistindo a TV ao lado de papai quando o Jornal Nacional, anunciou a “Queda do Muro de Berlim”. Era a noite de 09 de novembro de 1989. Entre espanto e alegria, eu e papai conversamos naquela noite, claro, sobre os significados do movimento do povo alemão em direção a reunificação da Alemanha dividida no pós-Segunda Guerra Mundial. A França, a Inglaterra e os EUA, ocuparam a parte ocidental e a ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), ocupou a parte oriental. Assim, se sacramentava o domínio das nações vencedoras do conflito mundial sobre a Alemanha. 
     As estruturas erguidas no contexto da Guerra Fria se desmanchavam feito castelo de areia sobre o movimento da maré alta a invadir faixa de areia da praia. A derrubada do Muro de Berlim era a ponta do iceberg a se desprender de governos totalitários em um movimento causado por ondas de calor democrático a derreter os “gulags” dos tempos do stalinismo. 
      Ao vê as cenas na TV me lembrei de uma conversa de papai com um cliente do Cata-livros, sebo de papai, onde passava minhas tardes no início dos anos de 1980 a ouvi os diálogos sobre literatura, música, economia, politica, enfim diversos assuntos a me fazer deliciar com saberes ditos ao sabor dos empeirados livros. Bem, neste lugar mágico, o sebo, presenciei um debate sobre a Alemanha Oriental, um ex-militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), tinha regressado a pouco tempo de um temporada no Leste Europeu, e relatou para papai, um ex-militante do PCB ( Partido Comunista Brasileiro), da situação de miséria e falta de liberdade vivida pela classe operária nos países visitados. 
     Um diálogo duro, travado por dois cidadãos que na sua juventude tiveram atuações, em linhas de ações distintas, em defesa do socialismo. Papai incrédulo quanto a informação relatada por seu companheiro no campo das ideias socialistas, custava a ele, acreditar que um país alinhado aos ideais do comunismo, vivesse sobre um modelo excludente. Fato é que me veio na noite do dia 09 de novembro de 1989 o debate presenciado por mim no Cata-livros. 
     O sonho do socialismo nos moldes tecidos a partir da URSS stalinista, tinha fracassado. A “Queda do Muro de Berlim” era a materialização de um processo a muito tempo corroído. Foi o que pensei naquele instante. Como nos disse o historiador Eric Hobsbawm sobre a derrocada dos países socialistas: 

[...] Fracassou porque, em termos econômicos, o sistema se tornava cada vez mais rígido e inexequível, e principalmente porque, na prática, mostrava-se incapaz de gerar ou dar aproveitamento econômico à inovação, sem falar na repressão da originalidade intelectual. Além disso tornava-se impossível ocultar das populações locais o fato de que outros países tinham obtido mais progresso material que os países socialistas. Se preferirem dizer isso de outro modo, o modelo desabou porque os cidadãos comuns eram indiferentes ou hostis, e porque os próprios regimes tinham perdido a fé no que estavam pretendendo fazer. Entretanto, seja como for que considerem, fracassou da maneira mais espetacular no período 1989-91. (HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 16). 

     Penso ser importante lembrarmos destes fatos para pensarmos sobre o tempo presente e os desafios postos diante da humanidade. Um tempo de conectividade, das redes a estreitar distancias e a distanciar, humanidades. Um tempo das “democracias em risco, este regime nada perfeito, mas melhor do que a mais perfeita das ditaduras, parafraseando Wiston Churchill. Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?


    Foto: O que somos? - Luciano Capistrano / outubro de 2020.


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