segunda-feira, 16 de março de 2020

Em tempos de Covid – 19, antigas epidemias em Natal e outras reflexões.


Em tempos de Covid – 19, antigas epidemias em Natal e outras reflexões.
Luciano Capistrano
Professor de História – Escola Estadual Myriam Coeli
Mestrando – Profhistória/UFRN

“Não é possível imaginar a situação dos doentes pobres antes do século XIX. Nas epidemias de varíola que passavam como rajadas de morte deviam sucumbir às dezenas, ignorados nos ranchos de palha perdidos pelos morros, morrendo de fome, de abandono muito mais do que a moléstia. Os antigos falam repetidamente nas epidemias de câmara-de-sangue, (disenteria hemorrágica) que matava como a peste. E a febre amarela que nos visitou em 1850 sem que existisse recursos para enfrenta-la? E o cólera-morbo de 1856, tão violento e feroz que a data ficou sendo conhecida como o ano da cólera?” (CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 2010, p. 327)

            Câmara Cascudo nos apresenta um cenário sombrio de uma cidade em busca de resistir a enfermidades, até então, desconhecidas. Diz o mestre 1856, o ano da cólera. Fico, ao ler a ‘História da Cidade do Natal”, a imaginar o medo de alguns, a indiferença de outros, e a solidariedade de alguns, diante dessa situação de saúde pública.
            Natal conhece as dores provocada por uma onda invisível que levou muitos a morte. Neste período foi erguido o Cemitério do Alecrim, uma necessidade de muito tempo da urbe e nestes tempos de epidemias era uma demanda urgente. Nasce assim o Cemitério do Alecrim, em 1856, no alto, longe da “urbe”. Sobre essa situação diz o professor Iericê Cabral: “[...] a ocorrência do Cólera-morbo, no ano de 1856, que transitava por todo o território nacional, chegando a ponto do Presidente determinar que os que aqui chegassem, inicialmente oriundos do Pará e posteriormente de Pernambuco, fossem confinados”. (CABRAL, Iericê Duarte. O repouso do natalense no Cemitério do Alecrim. Natal: Imagem Gráfica, 2006, p. 37/38).  Eram tempos difíceis.
            Sobre essa Natal dos tempos de epidemia os memorialistas também são fontes importantes para conhecermos o cenário vivido neste período. Vejamos Clementino Câmara em seu “Décadas”:

O ano de 1896 foi de flagelo. Uma terrível epidemia de varíola desenvolveu-se nesta capital, onde o serviço de vacinação era avis rara, e centenas de vidas foram ceifadas. Frequentemente dizia minha mãe que se viesse a ser atacada do mal não sobreviveria. Constou-lhe que o vigário João Maria dava umas doses que premuniam contra a peste. Uma noite foi ela comigo ao Censitário da Matriz e pediu-lhe doses para todos. Ele deu [...] minha mãe, cumprindo o seu prognóstico, continuou ainda algum tempo de cama e quando se levantou, continuou adoentada até 27 de fevereiro de 1897 quando foi chamada para a outra vida. (CÂMARA, Clementino. Décadas. Natal: EDUFRN, 2018, p. 56/57).

            Neste momento de crise a solidariedade fez a diferença, lembro dois nomes Padre João Maria e Fortunato Aranha, cito os dois, mas claro existiram outros, e que bom, que seres humanos não se deixaram contaminar pelo sentimento individualista. Diante de uma crise de saúde pública, como uma epidemia, ou, uma pandemia como a que vivemos atualmente com o Covid – 19, existe uma tendência para o fortalecimento de ondas preconceituosas que cria guetos, isso não contribui para o enfrentamento, a serenidade deve ser o recurso a ser seguido neste momento atual. Serenidade significa seguir as orientações das autoridades de saúde pública e cuidar uns dos outros.
            O negacionismo a ciência não contribui, me espanta e me causa náusea quando vejo autoridades publicas com discursos do tipo: “[...] "Tivemos vírus muito mais graves que não provocaram essa histeria. Certamente tem um interesse econômico nisso [...]”. É preciso respeitar os saberes da saúde, médicos, pesquisadores, são as autoridades no tema, o risco da fala, que desqualifica as orientações dos especialistas em saúde, tem uma carga ideológica nada saudável diante do momento presente.
            Na história do Brasil temos exemplo do mal causado por movimentos ideológico que havidos por alçarem voos políticos de poder, esqueceram da saúde pública, esqueceram do mais importante, a vida das pessoas.

Em 1904, um levante envolvendo milhares de pessoas, que deixou como saldo 23 mortes e 90 feridos, tomou conta da capital republicana. O motivo dos revoltosos: protestar contra a vacinação antivaríola obrigatória [...]” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, p.226).

            Encerro este artigo com o depoimento de uma ex aluna, Rosângela Rocha que hoje mora na Espanha: “pois aqui foi o que passou no princípio não dávamos credito as autoridades não viam a necessidade de fechar fronteiras, o vírus começou a se propagar de maneira rápida. É está um caos cidades isoladas onde as pessoas não podem sair. As escolas fechadas 15 dias, as empresas, tudo. só podem estar abertos as farmácias e os supermercados. Que por certo ontem fui compra e não havia leite, as prateleiras vazias. Isso é uma pandemia. Temos que ser conscientes.”

   Foto: Rosângela Rocha - Vista de um supermercado na Espanha. 
           

4 comentários:

  1. Oportuna reflexão. A situação não é só uma questão de saúde pública. Há aspectos políticos e ideológicos envolvidos que podem resultar em desdobramentos muito graves. Olhemos o nosso passado e as situações presentes em outros espaços do mundo. Eles já nos previnem que o negacionismo, o minimalismo e a postergação só agravam a situação. Serenidade sim, mas com seriedade sempre.

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    1. Realmente amigo, às atitudes diante da situação é política. Bom vamos partilhando nossas reflexões na busca do diálogo nestes tempos temerosos. Obrigado por sua leitura e seu pertinente comentário.

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  2. Obrigada por compartilhar conosco suas reflexões, meu caro! Num momento com este é sempre muito bem vindo textos como o seu, que nos fazem reviver o passado, de alguma forma, e adquirirmos força para enfrentar o momento com um pouco mais de serenidade e esperança de um futuro melhor.TODOS JUNTOS, mesmo separados, seremos mais fortes.

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