Em tempos de Covid – 19, antigas epidemias em
Natal e outras reflexões.
Luciano Capistrano
Professor de História – Escola Estadual Myriam
Coeli
Mestrando – Profhistória/UFRN
“Não é
possível imaginar a situação dos doentes pobres antes do século XIX. Nas epidemias
de varíola que passavam como rajadas de morte deviam sucumbir às dezenas,
ignorados nos ranchos de palha perdidos pelos morros, morrendo de fome, de
abandono muito mais do que a moléstia. Os antigos falam repetidamente nas
epidemias de câmara-de-sangue, (disenteria hemorrágica) que matava como a
peste. E a febre amarela que nos visitou em 1850 sem que existisse recursos
para enfrenta-la? E o cólera-morbo de 1856, tão violento e feroz que a data
ficou sendo conhecida como o ano da cólera?” (CASCUDO, Luís da Câmara. História
da Cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 2010, p. 327)
Câmara
Cascudo nos apresenta um cenário sombrio de uma cidade em busca de resistir a
enfermidades, até então, desconhecidas. Diz o mestre 1856, o ano da cólera.
Fico, ao ler a ‘História da Cidade do Natal”, a imaginar o medo de alguns, a
indiferença de outros, e a solidariedade de alguns, diante dessa situação de
saúde pública.
Natal
conhece as dores provocada por uma onda invisível que levou muitos a morte.
Neste período foi erguido o Cemitério do Alecrim, uma necessidade de muito
tempo da urbe e nestes tempos de epidemias era uma demanda urgente. Nasce assim
o Cemitério do Alecrim, em 1856, no alto, longe da “urbe”. Sobre essa situação
diz o professor Iericê Cabral: “[...] a ocorrência do Cólera-morbo, no ano de
1856, que transitava por todo o território nacional, chegando a ponto do
Presidente determinar que os que aqui chegassem, inicialmente oriundos do Pará
e posteriormente de Pernambuco, fossem confinados”. (CABRAL, Iericê Duarte. O
repouso do natalense no Cemitério do Alecrim. Natal: Imagem Gráfica, 2006, p.
37/38). Eram tempos difíceis.
Sobre
essa Natal dos tempos de epidemia os memorialistas também são fontes
importantes para conhecermos o cenário vivido neste período. Vejamos Clementino
Câmara em seu “Décadas”:
O ano de
1896 foi de flagelo. Uma terrível epidemia de varíola desenvolveu-se nesta
capital, onde o serviço de vacinação era avis rara, e centenas de vidas foram
ceifadas. Frequentemente dizia minha mãe que se viesse a ser atacada do mal não
sobreviveria. Constou-lhe que o vigário João Maria dava umas doses que
premuniam contra a peste. Uma noite foi ela comigo ao Censitário da Matriz e
pediu-lhe doses para todos. Ele deu [...] minha mãe, cumprindo o seu prognóstico,
continuou ainda algum tempo de cama e quando se levantou, continuou adoentada
até 27 de fevereiro de 1897 quando foi chamada para a outra vida. (CÂMARA,
Clementino. Décadas. Natal: EDUFRN, 2018, p. 56/57).
Neste
momento de crise a solidariedade fez a diferença, lembro dois nomes Padre João
Maria e Fortunato Aranha, cito os dois, mas claro existiram outros, e que bom,
que seres humanos não se deixaram contaminar pelo sentimento individualista.
Diante de uma crise de saúde pública, como uma epidemia, ou, uma pandemia como
a que vivemos atualmente com o Covid – 19, existe uma tendência para o
fortalecimento de ondas preconceituosas que cria guetos, isso não contribui
para o enfrentamento, a serenidade deve ser o recurso a ser seguido neste momento
atual. Serenidade significa seguir as orientações das autoridades de saúde
pública e cuidar uns dos outros.
O
negacionismo a ciência não contribui, me espanta e me causa náusea quando vejo
autoridades publicas com discursos do tipo: “[...] "Tivemos vírus muito
mais graves que não provocaram essa histeria. Certamente tem um interesse
econômico nisso [...]”. É preciso respeitar os saberes da saúde, médicos,
pesquisadores, são as autoridades no tema, o risco da fala, que desqualifica as
orientações dos especialistas em saúde, tem uma carga ideológica nada saudável diante
do momento presente.
Na
história do Brasil temos exemplo do mal causado por movimentos ideológico que havidos
por alçarem voos políticos de poder, esqueceram da saúde pública, esqueceram do mais importante, a vida das pessoas.
Em 1904,
um levante envolvendo milhares de pessoas, que deixou como saldo 23 mortes e 90
feridos, tomou conta da capital republicana. O motivo dos revoltosos: protestar
contra a vacinação antivaríola obrigatória [...]” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato.
Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2010, p.226).
Encerro
este artigo com o depoimento de uma ex aluna, Rosângela Rocha que hoje mora na
Espanha: “pois aqui foi o que passou no princípio não dávamos credito as
autoridades não viam a necessidade de fechar fronteiras, o vírus começou a se
propagar de maneira rápida. É está um caos cidades isoladas onde as pessoas não
podem sair. As escolas fechadas 15 dias, as empresas, tudo. só podem estar
abertos as farmácias e os supermercados. Que por certo ontem fui compra e não
havia leite, as prateleiras vazias. Isso é uma pandemia. Temos que ser conscientes.”
Foto: Rosângela Rocha - Vista de um supermercado na Espanha.
Oportuna reflexão. A situação não é só uma questão de saúde pública. Há aspectos políticos e ideológicos envolvidos que podem resultar em desdobramentos muito graves. Olhemos o nosso passado e as situações presentes em outros espaços do mundo. Eles já nos previnem que o negacionismo, o minimalismo e a postergação só agravam a situação. Serenidade sim, mas com seriedade sempre.
ResponderExcluirRealmente amigo, às atitudes diante da situação é política. Bom vamos partilhando nossas reflexões na busca do diálogo nestes tempos temerosos. Obrigado por sua leitura e seu pertinente comentário.
ExcluirObrigada por compartilhar conosco suas reflexões, meu caro! Num momento com este é sempre muito bem vindo textos como o seu, que nos fazem reviver o passado, de alguma forma, e adquirirmos força para enfrentar o momento com um pouco mais de serenidade e esperança de um futuro melhor.TODOS JUNTOS, mesmo separados, seremos mais fortes.
ResponderExcluirobrigado amiga, estamos juntos nessa jornada
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