terça-feira, 24 de novembro de 2020

Símbolos: constroem narrativas

Símbolos: constroem narrativas

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

Das chaminés

Fumaças...

Vidas exterminadas!

 

        Parece escrita de um mesmo tom, em pleno ano de 2020, escrever sobre as atrocidades dos governos nazifascistas. Repetir a cantilena da monstruosidade gerada no

seio das hostes do Partido Nacional Socialista Alemão, o Partido Nazista. Revirar páginas de empoeirados livros sobre um tema que teima em pulsar nos dias presentes, como uma chaga a se manifestar entre adeptos de uma direita desvairada. Negar ou naturalizar o uso de falas ou de símbolos nazifascistas é refazer mover as locomotivas genocidas nas terríveis ferrovias da “morte”.

            O negacionismo do holocausto é irmão siamês dos discursos de ódios a invadir as redes sociais escondidas em novas roupagens.

         Na segunda-feira, dia 23/11, fui surpreendido com fotos de um senhor, jovem, de camiseta a circular em um dos pontos mais tradicionais da boemia natalense, o Beco da Lama, localizado no bairro da Cidade Alta. No braço, três tatuagens. Uma águia, na Roma antiga, símbolo de poder, dominação, força e disciplina, este símbolo foi apropriado pelo fascismo italiano; O SPQR representação do Senado romano, apareciam no uniforme da legião romana, e, a SS, de uma triste memória, o braço paramilitar do Partido Nazista Alemão.

            Abro, aqui um parêntese para reportar um dos fatos ocorridos, um pouco antes da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha:

 O incêndio do Reichstag deu, aos nazistas, o pretexto de invadir as sedes dos outros partidos e prender os seus dirigentes. As garantias da liberdade foram anuladas por decreto e Goebels passou a controlar todos os órgãos de difusão do País, a fim de orientar a opinião pública com a sua propaganda. Na mesma época, foram construídos os primeiros campos de concentração [...] As tropas de choque da AS e SS prenderam 4.000 militantes comunistas, católicos e socialistas e passaram a exercer o regime de terror. (ABRAHAM, Ben. Holocausto: o massacre de 6 milhões. São Paulo: WG Comunicações e produções, 1976, p.18).

        Bem são três tatuagens que dialogam na construção de uma narrativa a nos fazer recordar os horrores dos guetos, das noites dos cristais, dos campos de concentração nazista, das brutalidades praticadas pelos grupos paramilitares . . . Sim, não se trata de umas simples tatuagens, afinal, pode-se alegar: “meu corpo, minhas regras”. Não é bem, assim, que a banda toca, diria dona Maria, em sua banca de picado na feira do Santa Catarina, ao menor deslize das regras por parte de algum cliente.

 A legislação brasileira é clara:

LEI Nº 7.716, DE 5 JANEIRO DE 1989

DEFINE OS CRIMES RESULTANTES DE

PRECONCEITOS DE RAÇA OU DE COR.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou

preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,

etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

* Artigo, caput, com redação dada pela Lei nº 9.459, de 13/05/1997

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

            O mundo do pós Segunda Guerra Mundial, conheceu com a derrubada do governo de Hitler e seus aliados, as violações dos direitos humanos praticados em nome de uma doutrina ideológica que elegia uma “raça” como a escolhida, a pureza ariana redentora dos bons costumes, na verdade, sabemos, um dos piores crimes contra a humanidade. Fim da Segunda Guerra, cito dois momentos importantes na construção de pilares de defesas contra discursos nazifascistas. Os tribunais de Nuremberg e Tóquio, responsáveis pelo julgamento de nazistas e japoneses, seus arquivos processuais são um claro testemunho dos riscos em ser contemplativo com “ondas” totalitárias. E também a Declaração dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral da ONU, no dia 10 de dezembro de 1948. Um marco na luta antifascismo. Em seus artigos, encontramos sum conjunto de normativas a valorizar o ser humano em sua livre plenitude. Como diz os Primeiro e Segundo, artigos:

 

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

 Objetivos:

 “A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

 Artigo I

 Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

 Artigo II

 1 – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

 2 – Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

        Fiquemos atentos.

        Nestes tempos de crescimento de uma onda neofascista, faz necessário uma vigilância permanente, do tipo, tolerância zero. Fato é que o sujeito andar a expor nas ruas suas tatuagens expressando toda uma simbologia que remete ao nazismo, deve ser prontamente denunciado as autoridades legais, e, não se trata de cerceamento à liberdade de expressão. O que prevalece é o direito líquido e certo, a proibição de qualquer tipo de apologia as ideias antissemitas, preconceituosas, como apontadas no escopo da Lei número 9.459/97. Enfim, fica o convite para dialogarmos sobre os símbolos como construtores de narrativas.

    Foto: Luciano Capistrano

sábado, 21 de novembro de 2020

De Costa e Silva: dores do AI 5!

De Costa e Silva: dores do AI 5!

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

Sangra liberdades

Das lembranças

Corpos dilacerados

Democracia amordaçada

De Costa e Silva

Dores do AI 5...

 

       Um dia obscuro para a democracia brasileira, assim, foi o 31 de março de 1964. Os militares golpistas, associados aos setores da sociedade civil, articularam a derrubada do governo de João Goulart. Os tanques nas ruas irromperam os muros legais das Forças Armadas e rasgaram a Constituição, depuseram o Presidente Jango. Amanhã do primeiro de abril, marcou o inicio de 21 anos de governos dos Generais Presidentes.

            Fez noite escura...

 

1964: aconteceu em abril*

(Para Mailde)

 

Abril tempos de repensar

Falar é necessário

Democracia liberdades em risco.

Memórias de uma legalidade interrompida

Dias sombrios

Golpe, não revolução!

21 anos de obscurantismo

Torturas

Prisões

Desaparecidos políticos!

*Livro de Mailde Pinto Galvão.

 

         O golpe militar/civil – 1964, abriu caminho para a implantação de uma ditadura sem pudor. O governo do General Presidente Costa e Silva (1967-1969) foi o responsável pela decretação do Ato Institucional 5, nas palavras de Elio Gaspari, o AI 5 foi a ditadura sem disfarce. Naquele 13 de dezembro de 1968 fez noite escura no Brasil.

O embaixador dos EUA no Brasil partícipe do movimento golpista, assim se referiu ao AI 5 e suas consequências:  

 A curva da ação arbitrária subiu verticalmente no fim dos anos 1960, culminando com o fechamento do Congresso pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968 [...] No que concerne aos direitos humanos, a “guerra suja” encetada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici contra guerrilhas urbanas e rurais, no princípio dos anos 1970, parecia institucionalizar a tortura, incluindo cerca de “333” desaparecidos. (GORDON, Lincoln. A segunda chance do Brasil: a caminho do primeiro mundo. São Paulo: Senac, 2002, p.120).

        O aliado de primeira ordem dos golpista de 1964, faz uma observação em seu livro, sobre o caráter ditatorial do regime nascido, entre os “quarteis, a embaixada e a Avenida Paulista”. Apesar do tom ameno, não tem como o ex-embaixador fugir a verdade. O autoritarismo foi o canto entoado pelos generais no poder. A direita desvairada imprimiu sua digital com o AI-5. Ganhou a linha dura:

A edição do AI-5 pelo governo do general Costa e Silva (1967-1969), foi uma inequívoca vitória da “linha dura”. Vitória dos setores mais radicais do regime, militares e civis, que já vinham operando há algum tempo através de ameaças e atentados contra as oposições, especialmente contra parlamentares, jornalistas, artistas, religiosos “progressistas”, líderes estudantis e sindicalistas. Eram radicais de direita que, por outro lado, também já vinham sendo enfrentados pelos radicais da esquerda na forma de uma incipiente guerrilha urbana [...] O AI-5, porém, congelou as esperanças de um oposicionismo civilizado. Com o Congresso Nacional fechado, centenas de parlamentares, prefeitos, vereadores e juízes cassados, milhares de pessoas presas e a imprensa amordaçada, a noite desceu sobre o país. (TEXEIRA, Francisco M. P. História concisa do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2000, p.304)

        De Costa e Silva: dores do AI 5, é uma das minhas inquietações, motivadas, por uma onda de negação dos fatos históricos referentes aos desmandos autoritários  sobre a sociedade brasileira com a promulgação deste ato. Abriu o submundo, responsável pelo surgimento de uma teia de prisões ilegais e torturas, ocorridas sob o manto beneplácito da ultra direita.

Ferida a democracia. Esse foi o AI-5.

       
Foto: acervo arquivo nacional. Na noite de 13 de dezembro, o conselho reuniu-se para votar o texto de quatro páginas, redigido por Gama e Silva, ministro da Justiça.






     



segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Uns 9 de novembro: Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?

Uns 9 de novembro: 

Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? 

Quantos "muros" vamos derrubar? 

Luciano Capistrano 

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli 

Mestrando: Profhistória/UFRN 


     Dois momentos importantes acontecidos na Alemanha. Noite sombria a abrir os obscuros caminhos do nefasto nazismo, e, um sol de esperança caiu sobre Berlim dívida por um muro totalitário. Me refiro a Noite dos Cristais, em 1938, e, a queda do Muro de Berlim, em 1989. 
      Vejamos um 9 de novembro. 
      Em novembro de 1938, a noite de 9 foi marcada pela violência de grupos armados, paramilitares militantes de organização nazista, seguindo os discursos de ódio do líder Adolf Hitler, atacaram sinagogas, lojas e residências de judeus também foram alvo dessa insanidade. Eram jovens embalados pela onda hitleriana. A Noite dos Cristais, assim conhecida pelas vidraças quebradas, manchou com sangue de inocentes o triste inicio da marcha nazista sobre as Instituições da República Alemã. 
   A narrativa construída é a mesma utilizada por muitos representantes da ultra direita do tempo presente, notadamente o Presidente derrotado do EUA e o ex capitão Presidente do Brasil, Bolsonaro. Fragilizar os poderes da democracia faz parte do roteiro de ascensão das ideias totalitárias. O discurso de ódio não pode prevalecer, pensar diferente não deve ser entendido como inimigo, na democracia ser plural é o fundamental. Dizer não aos grupos que fazem da atividade política uma “guerra”. Este é o cuidado para não repetirmos os fatores de fortalecimento de grupos nazistas como ocorreu na Alemanha. 

As tropas de choque nazistas começaram como um destacamento que retirava os adversários de Hitler dos locais onde o partido fazia seus comícios. Do mesmo modo que organizações paramilitares, como a AS e a SS, criavam um clima de medo que ajudou o Partido Nazista nas eleições de 1932 e 1933. Na Áustria, em 1938, foi a AS local que logo tirou proveito da ausência da habitual autoridade local para saquear, surrar e humilhar judeus, mudando com isso as regras da política e preparando o caminho para a ocupação do país pelos nazistas. [...] A SS surgiu como uma organização que transcendia a lei e acabou como uma organização que desfazia a lei. (TIMOTHY, Snyder. Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 43) 

     A Noite dos Cristais 9 de novembro de 1938 não foi um ato transloucado de um grupo, na verdade, o ato de violência contra a comunidade judaica já vinha sendo naturalizado através dos discursos das autoridades alemãs, os membros do Partido Nazista já tinha traçado uma narrativa de culpabilidade dos judeus pelas mazelas sofridas pelo povo alemão. Era necessário exterminar o mal, e o mal estava personificado inicialmente nos judeus, mas também foram alvos os homossexuais, os comunistas, os ciganos, e, por fim todos os opositores aos seguidores de Adolf Hitler e suas ideias. 
   Fez noite obscura na humanidade. Em seguida aquele 1938, assistimos a organização de uma verdadeira engrenagem genocida: Os Campos de Concentração e suas chaminés a queimar sonhos. 

“Quando se quis substituir o Bom Deus com a idolatria do poder e a ideologia do ódio, chegou-se à loucura de exterminar as criaturas”. (Papa Francisco). 

      Um outro 9 de novembro, vejamos. 
     Estava assistindo a TV ao lado de papai quando o Jornal Nacional, anunciou a “Queda do Muro de Berlim”. Era a noite de 09 de novembro de 1989. Entre espanto e alegria, eu e papai conversamos naquela noite, claro, sobre os significados do movimento do povo alemão em direção a reunificação da Alemanha dividida no pós-Segunda Guerra Mundial. A França, a Inglaterra e os EUA, ocuparam a parte ocidental e a ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), ocupou a parte oriental. Assim, se sacramentava o domínio das nações vencedoras do conflito mundial sobre a Alemanha. 
     As estruturas erguidas no contexto da Guerra Fria se desmanchavam feito castelo de areia sobre o movimento da maré alta a invadir faixa de areia da praia. A derrubada do Muro de Berlim era a ponta do iceberg a se desprender de governos totalitários em um movimento causado por ondas de calor democrático a derreter os “gulags” dos tempos do stalinismo. 
      Ao vê as cenas na TV me lembrei de uma conversa de papai com um cliente do Cata-livros, sebo de papai, onde passava minhas tardes no início dos anos de 1980 a ouvi os diálogos sobre literatura, música, economia, politica, enfim diversos assuntos a me fazer deliciar com saberes ditos ao sabor dos empeirados livros. Bem, neste lugar mágico, o sebo, presenciei um debate sobre a Alemanha Oriental, um ex-militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), tinha regressado a pouco tempo de um temporada no Leste Europeu, e relatou para papai, um ex-militante do PCB ( Partido Comunista Brasileiro), da situação de miséria e falta de liberdade vivida pela classe operária nos países visitados. 
     Um diálogo duro, travado por dois cidadãos que na sua juventude tiveram atuações, em linhas de ações distintas, em defesa do socialismo. Papai incrédulo quanto a informação relatada por seu companheiro no campo das ideias socialistas, custava a ele, acreditar que um país alinhado aos ideais do comunismo, vivesse sobre um modelo excludente. Fato é que me veio na noite do dia 09 de novembro de 1989 o debate presenciado por mim no Cata-livros. 
     O sonho do socialismo nos moldes tecidos a partir da URSS stalinista, tinha fracassado. A “Queda do Muro de Berlim” era a materialização de um processo a muito tempo corroído. Foi o que pensei naquele instante. Como nos disse o historiador Eric Hobsbawm sobre a derrocada dos países socialistas: 

[...] Fracassou porque, em termos econômicos, o sistema se tornava cada vez mais rígido e inexequível, e principalmente porque, na prática, mostrava-se incapaz de gerar ou dar aproveitamento econômico à inovação, sem falar na repressão da originalidade intelectual. Além disso tornava-se impossível ocultar das populações locais o fato de que outros países tinham obtido mais progresso material que os países socialistas. Se preferirem dizer isso de outro modo, o modelo desabou porque os cidadãos comuns eram indiferentes ou hostis, e porque os próprios regimes tinham perdido a fé no que estavam pretendendo fazer. Entretanto, seja como for que considerem, fracassou da maneira mais espetacular no período 1989-91. (HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 16). 

     Penso ser importante lembrarmos destes fatos para pensarmos sobre o tempo presente e os desafios postos diante da humanidade. Um tempo de conectividade, das redes a estreitar distancias e a distanciar, humanidades. Um tempo das “democracias em risco, este regime nada perfeito, mas melhor do que a mais perfeita das ditaduras, parafraseando Wiston Churchill. Quantas "noites dos cristais" ainda vamos viver? Quantos "muros" vamos derrubar?


    Foto: O que somos? - Luciano Capistrano / outubro de 2020.


domingo, 8 de novembro de 2020

Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial.

Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial. 

Luciano Capistrano 

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli 

Mestrando: Profhistória/UFRN 



“...Quando não era possível ter sonho 

A gente tinha um 

E ele girava em torno 

Da Avenida 10...” 

(Avenida 10 – Babal Galvão) 



    Fui menino de calças curta na avenida 12, morei na Vila Maurício. Guardo na memória afetiva imagens, sons, sabores, deste período tão significativo para minha formação. Lembro das noites de chuva. Quantas vezes não acordei com meus pais nos levantando da rede com a casa cheia de água, era uma agonia. As brincadeiras, na vila meu mundo, o som do trem ao anunciar sua passagem. A frustação de não poder andar nos carrinhos de rolimã nos trilhos da ferrovia, mamãe nunca permitiu tal travessura. 

    Cresci e meu mundo expandiu-se. A avenida 12 me levou ao Alecrim, bairro da feira, do meu primeiro emprego na Livraria Independência. Dos cinemas, do teatro Jesiel Figueiredo, das igrejas, São Pedro e São Sebastião, vi e vivi o Alecrim, da infância a adolescência. 

      Faço este preambulo, apenas para dizer da alegria de saber do reconhecimento da música Avenida 10 como Patrimônio Imaterial da cidade de Natal. Através do Projeto de Lei nº 194/2019, de autoria da vereadora Divaneide Basílio (PT), a composição de Babal Galvão, conhecida nacionalmente na voz de Geraldo Azevedo recebe o reconhecimento do poder público através do PL aprovado na Câmara Municipal. Bravo, bravissímo. 

      A música de Babal nos remete as nossas memórias afetivas, as nossas brincadeiras de infâncias, a nossa identidade cultural. Poderia dizer, ser sua poesia um elo com os “lugares de memórias”, assim entendo: “A memória coletiva se transmite oralmente e por meio de textos, momentos, rituais, festas, comemorações na família, na rua, na escola.” (GIL, Carmem Zeli de Vargas. Memória in FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Dicionário de ensino de História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2019, p.156). 

“... Minha casa bananeira o jardim 

Os meus amigos, eu, 

Quinho, Bonfim, Nelson, 

Neguinho e Moisés, 

Galvão, Fernando, João e Omar 

Todos irmãos Eris 

Hoje nós somos saudades 

Da Avenida 10...” 

(Avenida 10 – Babal Galvão) 


      Avenida 10: De um canto se fez Patrimônio Imaterial, e nossas memórias traduzidas em versos ecoa nos acordes e vozes a eternizar a identidade do Alecrim para além da cidade de Natal. Finalizo com o convite para irmos ao Alecrim nas vozes de Geraldo Azevedo e Babal Galvão, apresentação no Riachuelo. “Desde o tempo de menino eu brincava / Com ar de sonhador.”


Geraldo Azevedo com a participação especial de Babal Galvão - Avenida 10 - Teatro Riachuelo - Natal - RN - 30/03/2013

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas.

Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas. 

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN


    O historiador, por seu oficío, dialoga permanentemente com o passado, Este fazer histórico o leva a andar entre arquivos públicos e privados, buscar construir os caminhos e descaminhos das gerações passadas é a tarefa primeira. Um labutar, por entre, poeiras, revirando velhos manuscritos, álbuns, documentos, oralidades, hoje fontes que dizem mais do que uma carta de amor, um balancete comercial, ou uma fotografia. No tempo presente o olhar do historiador, dá voz ao passado através de sua narrativa histórica.

    Uma das minhas maiores alegrias profissionais, foi quando em meados de 2012, pesquisando sobre o Bairro de Lagoa Azul, zona norte da cidade de Natal/RN, me vi diante de diversas fotografias, datadas dos anos de 1970/1980. Eram uma série de fotografias referentes aos conjuntos habitacionais construídos pela antiga COHAB/RN (Companhia de Habitação do Rio Grande do Norte). Um acervo sob aguarda de um funcionário, e foi com este antigo servidor da COHAB que encontrei os caminhos da urbanização eternizados em clicks.

    Feliz encontro.

    Ao mesmo tempo a descoberta nos traz algumas angustias próprias do historiador e de todos aqueles que olham a janela do passado e suas fontes. São frágeis ou ausentes as politicas de preservação dos arquivos públicos e privados, se o patrimônio edificado, erguidos nas ruas e praças, sofrem as intemperes do tempo e o descaso das administrações, os arquivos, estes lugares escondidos em interiores, sobrevivem, em muitos casos, através da ação individual de seus servidores. O acervo da antiga COHAB já não encontrei as fotos, elas estavam nas mãos de um destes servidores, graças a ele tivemos acesso a essa importante documentação sobre a urbe.

    Nestes tempos de eleições municipais, aproveitemos, para questionar dos candidatos (as), as Câmaras Municipais e as Chefias do Executivo Municipal, a gestão de políticas públicas de preservação de nossos acervos, os arquivos públicos municipais precisam serem valorizados, seus servidores, suas estruturas físicas, tem de se pensar nestes lugares com os equipamentos adequados para a conservação documental. 

    A memória da cidade passa por seus arquivos públicos municipais.

    Enfim, deixo uma inquietação em voz alta:

    Nossa cidade de Natal, como as demais cidades brasileiras, raras exceções, carece de uma política de valorização dos arquivos, como espaços guardiões de nossa memória. Nestes lugares, apesar da boa vontade dos seus funcionários, falta infraestrutura e equipamentos adequados para conservação do acervo. 

   Finalizo com uma das fotos encontrada naquela manhã de setembro 2012. A avenida Itapetinga, fotografada em 09/03/1983. Não deixemos, então, as traças devorarem a nossa memória. Arquivos corroídos, significa, memórias corroídas.

     A avenida Itapetinga, fotografada em 09/03/1983.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

De tempos sombrios...inquietações.

 

De tempos sombrios...inquietações.

Luciano Capistrano

Professor de história: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

Sexta-feira, 20 de novembro de 1942

Querida Kitty:

“Não posso fazer coisa nenhuma sem pensar naquela gente que partiu. Se rio despreocupadamente, me acho injusta por estar alegre. Mas vou chorar todo o dia? Não, não posso[...] Mas agora preocupa-me problemas sérios. Reconheci, por exemplo, isto, o papai, embora seja tão querido, não pode substituir todo o meu mundo de outrora.”( O Diário de Anne Frank)

             Há dias tem me inquietado essas narrativas negacionistas, do holocausto judeu à futura vacina anti-Covid, são enxurradas via as diversas plataformas digitais, muitas propagadas por líderes políticos, numa avalanche de pseudos arautos moralistas a tecer redes de tamanha insensatez que me assusta. Por trás dessa guerra de narrativas a locomotiva de uma direita desvairada aponta o dedo para inimigos imaginários. Na verdade, o objetivo, é claro, manter suas hostes acessas empunhado a bandeira do “o inimigo é o outro” e, este, deve ser eliminado.

            O ideal totalitário que deu origem ao regime nazista tão cruelmente relatado no Diário de Anne Frank, ainda teima em nos ameaçar. Ondas obscuras se alastram em todos os continentes a fortalecer criadores de “guetos”. Faço um percurso entre o relato da menina Anne e das mães de Auschwitz numa leitura ao sabor da angustia e da esperança.

 “Em novembro de 1940, todos os judeus que estavam em Varsóvia foram reunidos e levados para o gueto. Quem tentasse escapar era morto. [...] Adam Czerniaków, chefe do Judenrat, não tendo conseguido deter as ordens nazistas para deportar 6 mil pessoas por dia, preferiu suicidar-se a obedecer, ingeriu cianeto. Numa carta que deixou à esposa, ele diz: Eles estão me obrigando a matar crianças com minhas próprias mãos. Não tenho outra saída senão a morte. Não suporto mais tudo isso. Meu gesto mostrará a todos qual a coisa certa a fazer.”(Os bebês de Auschwitz – Wendy Holden)

            Uma situação real, uma história de dores vividas por milhares de pessoas, presas, torturadas, mortas em câmaras de gás, jogadas em valas comuns, por um regime erguido no seio da população embriagada por discurso de um “mito” alçado a condição de salvador da pátria, aquele escolhido para livrar o povo do “o inimigo é o outro”. Muitos acusam a crise do capitalismo, a queda da bolsa de Nova York, a crise dos anos de 1930, teria contribuído para a ascensão dos governos totalitários e enterrados caminhos democráticos.

            De tempos sombrios...inquietações... a tal pós modernidade, e, os riscos das curvas sinuosas das redes sociais ao mesmo tempo que encurtaram distancias e tempo, redesenharam o mundo da informação, dos simulacros de verdades, as tais fakes news. Bom, encerro essas minhas inquietações com um recorte de Umberto Eco: “... todos os defeitos da democracia, um regime no qual, para permitir que todos falem, é preciso deixar falarem também os insanos, e até os cafajestes.”


   Depois do pôr do sol... sempre vem um novo dia - Foto: Luciano Capistrano

domingo, 25 de outubro de 2020

25 de outubro é o dia da DEMOCRACIA

           25 de outubro é o dia da DEMOCRACIA!

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

A palavra

Silenciada

Não é palavra

É calabouço.

(Luciano Capistrano)

 

      A história recente do Brasil tem as marcas do autoritarismo, do pau de arara, da tortura, dos simulacros de suicídios, da perseguição da polícia política, me refiro aos obscuros anos da ditadura civil/militar. Centenas de vidas foram ceifadas nas celas frias às margens da legalidade. Estruturas repressivas foram criadas no submundo do estado, um verdadeiro estado paralelo submergiu na escuridão que abateu sobre a democracia brasileira.

     O dia 25 de outubro é o dia da DEMOCRACIA, uma referencia ao assassinato do Jornalista Vladimir Herzog, ocorrido nas dependências do DOI-Codi do II Exército no ano de 1975. A farsa de sua morte logo foi desmascarada. A foto do fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, na época funcionário da policia civil de São Paulo. Com a publicação da foto, caiu por terra a versão oficial de suicídio.

    Foto: Silvaldo Leung Vieira


Vladimir Herzog morto, o Exército divulgou a foto de Silvaldo Vieira com a versão de suicídio, a própria fotografia era um testemunho da falsidade contida no comunicado oficial. O impacto da morte de Herzog fez a sociedade brasileira despertar do estado de letargia vivido sobre o manto dos governos dos generais presidentes. Cresceu no meio social os movimentos por redemocratização da sociedade brasileira.

Nestes tempos confusos, onde o Presidente Jair Bolsonaro, faz elogios a um torturador, Brilhante Ustra, é necessário celebrarmos o dia da DEMOCRACIA, para reafirmarmos o papel democrático de nossa Constituição. Evocamos o discurso do Deputado Ulisses Guimarães, feito na solenidade de proclamação da Constituição de 1988: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”. Enfim, a sociedade brasileira foi Rubens Paiva, Vlademir Herzog, Zuçeika Angel, Anátalia Alves, Luiz Maranhão Filho... e não os facínoras que os mataram.

25 de outubro é o dia da DEMOCRACIA!

 

 

 

 

 

sábado, 10 de outubro de 2020

 


Do álbum de família: tempo eternizado num click.

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN



Ao folhear um álbum de família encontramos afetos, são cliques a dizerem das alegrias, das dores, das emoções vividas, e, de memórias eternizadas, muitas vezes nas páginas amareladas ou em molduras quebradas. São as fotografias expostas na sala de visitas,  no quarto de dormir, ou perdidas em um canto escuro da casa. Gosto de sentir a emoção ao olhar velhos e empoeirados álbuns. Nestes tempos modernos, o papel fotográfico, virou um “logaritmo”, transformou-se num “objeto” digital, algo solto nas nuvens. São muito os encontros nas redes sociais de fotos antigas, retiradas de antigos álbuns fotográficos, digitalizadas permanecem as memórias afetivas.

Ver essas imagens é uma rica experiência é um:

Exercício fascinante é o de resgatar os nomes, hábitos e o dia-a-dia dos moradores que habitaram determinada casa que vemos nas antigas fotos das cidades; detalhes sobre a arquitetura das edificações, o traçado das ruas, a vegetação ornamental; particularidades acerca das atividades do comércio através das placas das fachadas; os cartazes promocionais anunciando algum produto medicinal ou alguma apresentação teatral; o tipo de transporte urbano; a calma de certas ruas e o burburinho e outras, a moda, o gesto, um certo ritmo no andar, a malícia no olhar… o comum e o suspeito, o explicito e o implícito. É o espetáculo da cidade, identificável pela aparência gravada na imagem fotográfica: precioso documento, que preserva a memória histórica. Trata-se, contudo, de um espetáculo misterioso em sua trama, em seus códigos, em seus símbolos, naquilo que esconde intra-muros, nos seus segredo não revelados […] (KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2012, p.129-130).

O desvendar dos mistérios contidos nas fotos de antigos álbuns é mesmo fascinante, são memórias saídas dos “intra-muros” dos aquivos particulares ou públicos a apresentar um passado que diz das vidas privadas mas dizem da urbe, assim, andar por este mundo de “clicks” é pisar no solo pantanoso da história. 

Finalizo este curto artigo com o registro fotográfico do acervo familiar do poeta Carlos Gurgel. Na foto da esquerda para a direita seus irmãos Fernando, Gerdenia, Sérgio e Carlos, ao centro o seu pai Deífilo Gurgel, em um dia de 1963 ou 1964, nas margens da Lagoa Manoel Felipe. Ao olhar essa imagem, me chama atenção o espaço, o entorno dos personagens, retratados. Claro que a presença do grande pesquisador de nossa cultura, Professor Deífilo Gurgel, ladeado por seus filhos, nos permite também pensar no ser humano despido das vestis do intelectual. Na foto encontramos o pai e os filhos. O “parque ambiental” ou o “central park” da cidade de Natal, ainda com sua cobertura verde, deveria ser agradável brincar ao redor da lagoa embaixo das árvores. Do álbum de família: tempo eternizado num click.


Foto: Acervo Carlos Gurgel - da direita para a esquerda: Fernando, Gerdenia, Sérgio e Carlos, ao          centro o seu pai Deífilo Gurgel,

domingo, 4 de outubro de 2020

Sobre uma cidade de letras e artes… mas é sobretudo: liberdade.

Sobre uma cidade de letras e artes… mas é sobretudo: liberdade.

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

Meu pai um leitor voraz, me conta histórias de uma Natal da época da administração do Prefeito Djalma Maranhão. Diz papai das Praças de Cultura e das Feiras de Livros, realizações de uma gestão com o olhar e ações voltadas para a disseminação das artes entre a população de Natal. Eram todos os recantos da urbe inseridos nestes projetos de cultura. Desde sempre me encantou a ocupação dos espaços públicos com estes tipos de ações, as Praças de Cultura, então, eram lugares encantados, encontros de gente com a cultura identidade do povo Potiguar.

Nestes tempos de campanha eleitoral, onde escolheremos os ocupantes do Palácio Frei Miguelinho e o ocupante do Palácio Felipe Camarão, precisamos fazer essas inquietações em voz alta, dialogadas, sobre os caminhos da urbe. A cidade que queremos tem de ser ditas nas ruas, nas esquinas, nos lugares de trabalho, nas áreas de lazer, nas praças… enfim, em nossas conversas o tema das escolhas da composição do  legislativo municipal e do chefe do executivo municipal, faz necessário. Num exercício democrático: pensar os rumos da urbe para além do período eleitoral.

Ao fazer esse caminhar nas escritas das memórias, me encontro com “Imagens do Tempo”, de Edgar Barbosa. Em sua escrita, o jornalista de Ceará-Mirim, com toda intensidade humanística de seus textos, nos permite uma viagem ao tempo das Feiras de Cultura, das Praças, dos Folguedos populares, da Galeria de Arte… das alegrias de um tempo estampado nas conversas com papai e seus amigo/clientes do Sebo Cata-Livros  da rua da Conceição. 

Edgar Barbosa nos convida ao ano de 1957, um convite a reflexão sobre o significado das Feira de Livros, patrocinadas pela Prefeitura, um convite para nos inquietarmos diante dos obscuros regimes totalitários. Sobre uma cidade de letras e artes, mas é sobretudo: liberdade. Assim:

O poder de duvidar não é menor que a faculdade de crer – e pela capacidade de um povo sentir isso é que se deve estimar seu patrimônio de liberdade. Quanto mais livros cheguem às mãos do povo – permiti-me, afinal, essa tirada à Castro Alves – mais valorizado se torna o esforço do pensamento, mais audaciosa sua vocação crítica, mais viril seu animo de encarar o perigo e sofrer a adversidade. 

[…]

Por tudo isso, esta feira inicia um capitulo inteiramente novo da história de Natal: o da popularização do livro no ambiente de rua […] imaginando as próximas Feiras de Livros de Natal, neste mesmo Grande Ponto que hoje recebe, como fortaleza do pensamento livre, sua bandeira e sua artilharia. (BARBOSA, Edgar. Imagens do tempo. Natal: Imprensa Universitária, 1966, p. 94-95).


O tempo passou, sobre aquele dezembro de 1957, da primeira Feira de Livros de Natal caiu a escuridão totalitária, e, o Prefeito das Praças de Cultura, desceu as escadarias do Palácio Felipe Camarão preso. Era um “mar de chumbo” a interromper as ações realizadas por Djalma Maranhão, assim descreveu o fatídico 2 de abril de 1964, o professor Moacir de Góes:

[…] Entre soldados do Exército, Djalma Maranhão, descia as escadarias da Prefeitura. Corri à janela e vi o meu Prefeito sendo embarcado num Jeep militar, Gravado no Jeep o selo que indicava a doação do veículo ao Exército pela “Aliança para o Progresso”. Terrivelmente simbólico e revelador”.(GÓES, Moacir de. Sem paisagem: memórias da prisão. Natal: Sebo Vermelho, 2004, p.37). 


A Natal das Feiras “livres” de Livros, pousem nas memórias da cidade banhada pelo rio Potengi, e, seja uma recordação da importância de se pensar projetos de inclusão cultural, fiquemos com a lembrança fotográfica, tão simbólica, da Galeria de Arte, erguida na Praça André de Albuquerque e  destruída tempos depois, talvez na vã intenção de apagar da memória de Natal vestígios dos tempos do Prefeito Djalma Maranhão. Lembrar é preciso!



     Fonte: Galeria de Arte - Praça André de Albuquerque - Acervo DHNET.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

 Natal perdeu ou ganhou a Segunda Guerra Mundial?

Luciano Capistrano

Professor de História: Escola Estadual Myriam Coeli

Mestrando: Profhistória/UFRN

 

 

            Como professor de história, sempre me questionei sobre Natal e a Segunda Mundial. Como era a cidade? Quais os impactos causados nos arrabaldes da cidade provinciana? Uma urbe transformada em Trampolim da Vitória, cenário da aviação mundial. Qual cidade surgiu depois do encontro dos Presidentes Roosevelt e Vargas na Rampa? Sobre essas consequências dos tempos de guerra para a urbe o historiador da província, Câmara Cascudo nos deixa umas pistas em sua História da Cidade do Natal:

 [...] Alecrim, com suas avenidas retangulares, sua extensão em claridade, sua possibilidade de desdobração, aparece como um milagre de previsão dos velhos e acusados administradores antigos. O crime, cruel e tenebroso crime da displicência administrativa, é sujar todo esse cenário luminoso entregando a terra da gente morar a quem quer apenas vender. (CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 2010, p. 31)

             Ao observar a cidade de Natal suas romarias para além das Quintas, seus recantos nascidos às margens dos sons das aeronaves norte americanas a cortarem os céus de Ponta Negra a Redinha, constato que perdemos a guerra. Sim, Natal perdeu a guerra! Aquela cidade pacata, com cheiro e sons de província, impactada com a mobilização militar nunca vista em solo potiguar. Militares, jornalistas, empresários, gente do universo de Hollywood... gente de outras paisagens do Brasil... todos, homens e mulheres, de algum modo atraídos para a terra Potiguar, vindos e trazendo nas bagagens além de costumes, diversos, dinheiro e novas demandas. A província corria os trilhos de um progresso relâmpago de contingente populacional de aproximadamente 35 mil - no início da década de 1930 -, saltou para quase 100 mil habitantes no final da década de 1940. A Natal vivida por Cleantho Homem de Siqueira, descrita em seu livro, Guerreiros Potiguares, não era mesma pós a guerra:

À primeira vista, Natal apresentava-se com nítidas características de cidadezinha provinciana de vida modesta e pacata. Tinha pracinha com indispensável coreto em frente à matriz da santa padroeira, no caso, Nossa Senhora da Apresentação, venerada em novembro, com festa que dura nove dias, sendo encerrada com a tradicional procissão dos fiéis presidida pelo bispo diocesano Dom Marcolino Esmeraldo Dantas, muito respeitado e querido no seio do seu rebanho. A vida na cidade corria sossegada sem os atropelos da cidade grande. Durante o dia, todos se preocupavam com seus fazeres cotidianos. À noite, pegando a brisa suave do alísio, punham-se cadeiras nas calçadas para uma boa conversa até a hora do sono reparador. O cinema era uma opção alternativa para os amantes da arte cênica, enquanto os aficionados dos desportos se dividiam entre as tardes de futebol, praticado no campo da Liga, atual Juvenal Lamartine e animadas manhãs de regatas e competições de natação no Rio Potengi [...] (SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Guerreiros Potiguares: O Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial. Natal: EDUFRN, 2007, p. 101).

             “Berlim, caiu, viva!”, “Berlim, caiu, viva!”, “Berlim, caiu, viva!”...

            Este grito a ecoar nas ruas da cidade, em esquinas, casarões e casebres anuncia o fim da guerra, vitória das nações democráticas contra o nazifascismo, motivo de alegria e festa em todos os cantos de Natal. A rendição da Alemanha representou a volta, para usar um termo do tempo presente, “ao novo normal” do mundo. Mas, os gritos de “Berlim, caiu, viva!”, não tem o mesmo significado para todos os moradores da cidade das dunas, banhada pelo atlântico e cortada pelo rio Potengi. Para muitos, o rio das Quintas, o rio Doce, o riacho do Baldo, a ladeira do cemitério, continuaria a ser lugar de idas e vindas, com feixes de lenhas na cabeça ou trouxas de roupas, depois de um dia de serviço. A vida era indiferente a queda de Berlim. Que Berlim era esse? Natal perdeu ou ganhou a Segunda Guerra Mundial?

            Se é verdade que para parte da população as noticias do fim do conflito foi algo indiferente, para todos os efeitos do fim do conflito mundial não tardou a ser sentido. A elite, política e econômica, natalense não preparou a cidade para o fim da guerra e a desmobilização de milhares de militares norte-americanos. A Base Norte Americana, construída em solo potiguar, responsável pelo envio de tropas e suprimentos dos EUA, principalmente para os militares/combatentes no norte da África, foi entregue as autoridades brasileiras, a mobilização dos militares desativada. Natal Trampolim da Vitória tinha agora novas demandas herdadas do período das noites de bleck-out.

            A narrativa de modernização do espaço urbano como resultado dos esforços de guerra e o crescimento econômico é uma questão a ser questionada, nem todos os habitantes da cidade alcançaram os “louros” dos tempos do Trampolim da Vitória. A historiadora Flávia de Sá Pedreira, nos apresenta o depoimento do Senhor Francisco de França Filho:

 “Eu lembro que quando cheguei em Parnamirim, com meu pai e minha mãe, eu tinha quatro anos de idade, 1940, já havia um ano antes a guerra começada, em 1939. E lá se deparamos com uma verdadeira floresta de cajueiros... cajueiro de tabuleiro... e foram chegando várias famílias e tal e não se tinha do que viver... Começamos a viver sob o lio dos americanos. Mas era uma riqueza o lio dos americanos, naquela época. Eu não sei se eles davam porque sentia falta de alimentação pra a pobreza... porque era tonéis grandes de banha de porco... e os porcos eram criados numa pocilga, lá em Pirangi, certo?” (PEDREIRA, Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: Carnaval e cotidiano de guerra em Natal 1920-1945. Natal: EDUFRN, 2005, p. 109)

             Gente como a família do Senhor Francisco, contribuíram para a Natal do período da guerra, muitos ergueram as paredes da base área norte americana, homens e mulheres em busca da sobrevivência, trabalho e moradia, aqui chegaram e construíram a urbe nos tempos de guerra. E o que ficou? Volto as minhas inquietações iniciais. E os investimentos realizados neste esforço militar? Qual a herança deixada em solo potiguar? A valorização do solo? Empregos ou desempregos?

            O Rio Grande do Norte palco importante durante a Segunda Guerra Mundial não foi inserida nos projetos de industrialização do governo Vargas. A região sudeste foi a contemplada com um processo de industrialização, cabendo ao Nordeste o papel, no máximo, de produtor de matéria prima.

            Natal viveu um crescimento econômico entre cortado com grave crise socioeconômica, motivo de uma ocupação desordenada da cidade com efeitos ainda sentidos na cidade do tempo presente. A Professora Giovana Paiva de Oliveira é bem clara sobre a situação da urbe diante dos impactos da guerra:

 A partir de 1942, a vida em Natal, para além das novidades e festividades, foi marcada pela carestia e inflação, pelo colapso do sistema de transporte e abastecimento de água, pela crise de abastecimento de gêneros alimentícios e racionamento de combustíveis, pela falta de habitação para atender à demanda instalada e pela especulação imobiliária. (OLIVEIRA, Giovana Paiva de. Natal em guerra: as transformações da cidade na Segunda Guerra Mundial. Natal: EDUFRN, 2014, p. 136)

             Os impactos da Segunda Guerra Mundial necessitam de novos olhares, existem eixos importantes para se pensar este grande evento ocorrido na cidade, transformada em Trampolim da Vitória. Hoje ao pisarmos o chão da Rua Chile, Rua Dr.  Barata, da Rampa e a cidade de Parnamirim encontraremos certamente vestígios dessa cidade trampolim. As minhas inquietações se referem ao que ficou à margem das mobilizações de recursos injetados na economia local, se de um lado ocorreu um progresso vertiginoso, por outro lado, o ônus das demandas sociais não foi contemplado neste processo de “desenvolvimento”.

            A indústria do turismo cultural, segmento econômico, que poderia ser uma alavanca de geração de empregos e rendas, ao longo das diversas administrações do pós guerra não recebeu os cuidados necessários. A cidade conhecida em todo o mundo da aviação, e, a qual sediou a maior base norte-americana fora do solo dos EUA ainda engatinha na promoção de um roteiro turístico sobre a participação de Natal no contexto da Segunda Guerra mundial.

            Nestes tempos de eleições municipais, deixo minha inquietação: Natal perdeu ou ganhou a Segunda Guerra Mundial?


      Foto feita a partir da balaustrada da avenida Getúlio Vargas.


 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Hoje sou GRATIDÃO

 Hoje sou GRATIDÃO!

 

 

"...

Se um dia eu pudesse ver

Meu passado inteiro

E fizesse parar de chover

Nos primeiros erros ah

..."

Era uma terça, o mês setembro do ano de 1968. Naquele dia 3 nasci, inciava minha trajetória neste plano terreno... Minhas lembranças chegam em flashes... chegam feitos ondas!

São vulcões de emoções, nestes 52 anos, ufa ultrapassei a margem do rio rio de minha aldeia... sigo navegando, as vezes em águas turvas, as vezes em águas límpidas...

"...

Vou chorar sem medo

Vou lembrar do tempo

De onde eu via o mundo azul

..."

A dor me acompanha nessa jornada, os medos... lembranças me fazem humano. Do amanhecer no Capim, terra do meu avô Júlio e minha avó Paulina, dos banhos no Bastião ao primeiro porre, a primeira paixão numa noite de chuva... beijos, abraços...lembranças são como o vento, brisas ou furacões...

"...

E ainda se vier noite traiçoeira

Se a cruz pesada for

"...

De tudo, entre encontro e desencontros... noite escura caiu sobre mim, era um domingo, 5 de novembro de 1995... quando te vi, tu já estava no banco de trás do carro, sangrava, eu não sabia, mas naquele momento tu meu irmão já estava sem vida... dor, é dolorido... como eu gostaria que tu estivesse aqui, nestes meus 52 anos, nestes meus renascimentos, sim, renascemos, renasci meu JOÃO RICARDO, parte de mim morreu contigo naquela noite escura...

"...

Quando estou com você

Sinto meu mundo acabar

Perco o chão sob os meus pés

Me falta o ar pra respirar

E só de pensar em te perder por um segundo

Eu sei que isso é o fim do mundo

..."

Há, há o mundo, foi generoso... quando me vi no abismo das incerteza, me apareceu a nega, a mãe dos meus Joãos,...

Era uma manhã de sol intenso, carros, buzinas, sinal fechado... cruzamento da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa, nosso encontro, meu reencontro a felicidade e o início de um novo capítulo em minha vida... Hoje sou GRATIDÃO!

'...

Como esta noite findará

E o Sol então rebrilhará

Estou pensando em você

Onde estará o meu amor?

..."

(Luciano Capistrano, o avô de Flor de Liz - aos 3 de setembro do ano de 2020)



A esperança se vestiu de cinza.

  A esperança se vestiu de cinza.               Aqui faço um recorte de algumas leituras que de alguma forma dialogam sobre os efeitos noc...